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Economia

Empresários chineses enfrentam dificuldades em Angola

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A comunidade de empresários chineses em Angola diz estar a enfrentar várias dificuldades para manter os seus negócios, por causa da crise económica que assola o país há mais de seis anos e, agora agravada pela pandemia da covid-19. O presidente da Câmara de Comércio Geral de Jiangsu em Angola, revela ao Correio da Kianda que devido a crise, das 126 empresas chinesas filiadas a CCGJA, apenas 18% continua em Angola, mas a operar em outros ramos de actividade económica, visto que a construção civil ficou fortemente afectada.

A entrevista com o presidente da Câmara de Comércio Geral de Jiangsu em Angola decorreu num ambiente descontraído, na sua sede, no edifício administrativo da Cidade da China, situado na Avenida Fidel Castro, em Viana.

Seu verdadeiro nome é Shen Yongzhong, mas para eliminar a barreira do mandarim adoptou o Francisco como seu nome em português para facilitar a comunicação com os angolanos. Aliás, está no país há já 20 anos, tempo suficiente para aprender a língua, conhecer o mosaico linguístico e os hábitos e costumes do país. Durante a entrevista, Francisco Shen mostrou conhecer a geografia e aspectos da tradição angolana, por esta razão diz sentir-se já também um angolano. 

Como é que está a balança Comercial da Câmara de Comércio Geral de Jiangsu em Angola?

Primeiro deixa-me apresentar um pouco a Câmara de Comércio Geral de Jiangsu em Angola. Ela foi criada em 2017, a câmara é composta por um grupo de sócios vindos da província chinesa de Jiangsu, com a missão de promover intercâmbio e contactos em termos de tecnologia, cultura, boas relações entre o povo chinês e o povo angolano. Outra missão é ajudar os sócios e membros da câmara a criar e desenvolver os seus negócios, dando informações sobre as leis de Angola, dar formações, ajudar empresas na sua legalização em Angola, contribuindo desta forma para o desenvolvimento sustentável do país. Ou seja, a nossa câmara é uma plataforma de comunicação e ajuda para as empresas de Jiangsu em Angola e ajudar o país e a sociedade a se desenvolver. Quer dizer, uma parte de cada um de nós chineses já se sente angolano (risos). E todos nós queremos crescer com Angola. A nossa província de Jiangsu é que tem mais cidadãos em Angola. Um quarto de toda a população chinesa em Angola é de Jiangsu.

Quantas empresas chinesas de Jiangsu integram a Câmara de Comércio Geral de Jiangsu em Angola?

Neste momento, nós temos 126 membros sócios.

Quais são as áreas em que estes 126 empresários actuam?

Antes (da crise), 80% das empresas eram do sector da construção civil, mas agora, com a crise financeira do petróleo, que começou em finais de 2014, a realidade já mudou. As empresas de construção civil estão a tentar transformar-se para outros ramos. Neste momento, ainda temos empresas no sector da construção civil, mas são cerca de 18%. Agora o mercado da construção está muito fraco e muitas empresas se foram. Principalmente aquelas que participaram da reconstrução nacional do país, depois do fim da guerra.

Eu também tenho uma empresa que estava no sector da construção, que tinha contratos com ministérios e governos provinciais, mas agora estamos a tentar migrar para outras áreas como no comércio, actividade de importação e exportação e exploração de minerais, abertura de serviços de restauração, na agricultura, nas pescas, transportes e fábricas. Quer dizer, com a crise surgida em 2014 muita coisa mudou.

De que tipo de fábricas se tratam?

São várias. Por exemplo, aqui na cidade da China tem empresas que estão a vender mobiliário. Este mobiliário está na ser fabricado aqui mesmo em Angola. Antes eram importados de outros países, mas agora estas empresas já estão a produzir mesmo cá, em Angola. Temos também fábricas de tintas para construção civil, de contraplacados, entre outras, que vão surgindo.

Já são muitas as fábricas de tintas no país?

Não são muitas porque a tinta é para a construção civil. Se o mercado da construção civil está fraco, as fábricas de tinta também reduzem. Com a crise, muitas empresas saíram do país. As que restaram optaram por fabricar aqui mesmo e com os mesmos custos de produção.

Mas o sector ainda rende…

Sim, apesar de que não é muito, mas ainda dá para ganhar um pouco com essa crise.

Quantas empresas efectivamente saíram do país em função da crise económica?

Não tenho aqui o número exacto, mas os dados de que disponho é que antes da crise, havia em Angola mais de 200 mil chineses que estavam a fazer negócio aqui, mas agora estamos com mais ou menos 30 mil chineses. Eu também tinha mais de mil trabalhadores chineses na minha empresa de construção civil, mas agora já não tenho quase ninguém. E por causa mesmo da crise estou a transformar-me para outros ramos de actividade. Mas para esta migração também não é fácil porque você tem de encontrar um ramo em que domina bem. Por exemplo, sair da construção para outro ramo que não domina é um risco muito grande e vai é gastar muito dinheiro, sem poder desenvolver, e levando a falência.

Em que ramos estão actualmente os empresários chineses de Jiangsu em Angola?

Actualmente temos mais de 50% no comércio.

Com a crise que se vive em Angola, quais as maiores dificuldades que os empresários chineses de Jiangsu estão a enfrentar?

Agora com esta crise da pandemia ficou pior, porque já havia a crise do petróleo. E algumas áreas ficaram muito mais afectadas que outras, como por exemplo na restauração. Os nossos associados que têm restaurantes quase que já não têm rendimentos, por causa da pandemia. Muitos já fecharam. A seguir vem as agências de viagens. Não tem voos não há agência de viagem. Na construção civil também não há nada. As empresas de construção, que era a principal área do negócio das empresas chinesas também estão todas paradas.  Na educação também ficou afectada, porque por causa da pandemia o governo ainda não autorizou a reabertura das escolas de ensino primário. Quer dizer se alguém tem uma escola do ensino primário ainda está muito difícil. 

“Chineses investem na educação e na formação técnica de jovens angolanos”.

Há empresas-escolas chinesas em Angola?

Eu estou a investir num colégio do ensino primário e num instituto médio politécnico aqui em Angola. Está tudo pronto para entrar em funcionamento, mas por causa da pandemia está tudo parado. Concluí as obras, mas não consigo abrir. Em termos de execução as obras já estão entre 95 e 98 por cento concluídas.

Que cursos pretendem ministrar no instituto médio e que sistema vão implementar?

É sistema de ensino angolano. Vamos leccionar cursos técnicos, como gestão, contabilidade e cursos administrativos.

Além deste, eu tenho também outro centro de formação técnico-profissional. Mas neste momento também está parado. Nesse centro damos formação de electricidade, mecânica, frio, línguas, como o inglês e o mandarim. Muitos angolanos estavam a aprender o mandarim. Neste momento por causa da pandemia suspendemos os cursos todos.

Estas são as áreas mais afectadas nos investimentos dos chineses. Mas para nós, os estrangeiros, a maior dificuldade é a taxa de câmbio, porque nós precisamos de divisa para importar, mas a divisa está difícil. Mas a desvalorização do kwanza face às moedas estrangeiras. O dinheiro perdeu o valor que tinha antes. E nós não podemos subir muito o preço dos nossos produtos. Quer dizer, o que nós ganhávamos já vale muito menos…

Quando o instituto médio entrar em funcionamento, quantos funcionários poderá ter?

Vai depender da evolução. Da demanda dos alunos. Mas acho que poderá ser a volta de 100 funcionários, entre professores e administrativos. Isto para os dois estabelecimentos. O colégio Fenda da Tundavala, no distrito do Zango, tem a capacidade para receber 1000 alunos ao mesmo tempo. Numa primeira fase vamos trabalhar com dois turnos, da manhã e da tarde, com mil alunos em cada turno. Mais tarde veremos a questão do turno da noite.

E quem são os professores que vão trabalhar no instituto?

No início serão angolanos, mas mais tarde poderemos cooperar. É um novo ramo de cooperação, no sector da educação. Criar uma plataforma de cooperação entre Angola e a China. E com isso podemos também contratar professores chineses, introduzir tecnologia chinesa na educação de Angola. Poderemos contratar também professores do Brasil, de Portugal, para ajudar a melhorar a qualidade do ensino. A intenção é que estes tragam suas ideias inovadoras.

E como é que têm estado a fazer para contornar estas dificuldades?

Está muito difícil. neste momento o que estamos a fazer matéria-prima local porque as divisas são muito difíceis.

Durante o seu discurso de abertura da feira mobiliária, aqui na cidade da China, em representação do embaixador da China em Angola, defendeu a ideia de Angola atrair mais empresários estrangeiro. Há na província de Jiangsu muitos empresários interessados em vir investir em Angola?

Tem empresas que estão interessadas, mas há muita coisa que ainda que deve ser melhorada. Por exemplo eu estou a seis meses a espera de resposta sobre o projecto de uma empresa que pretende investir 10 milhões de dólares em um parque marinho, numa primeira fase. Apresentamos ao ministério do turismo e ninguém diz nada sobre a sua viabilidade. O excesso de burocracia ainda continua a existir em Angola. Além deste temos mais o projecto de purificação da água para Angola, mas as instituições não mostram interesse. O governo está a apelar para os empresários estrangeiros virem investir aqui no país, mas ao nível médio ainda falta. Há muita burocracia.

Outro problema é o visto de trabalho para Angola, que está muito difícil. Tratar o Visto sair pode levar seis meses. Principalmente quando se trata de emissão pela primeira vez. Angola ainda não tem muitos quadros e precisa de estrangeiros para ajudar no desenvolvimento do país, até que os que estão em formação atinjam os níveis desejados. Por exemplo, quando se está a construir uma obra de construção, não se pode ter só angolanos. Tem de haver mistura com engenheiros estrangeiros, para que haja qualidade na obra. Porque os quadros nacionais ainda não atingiram os níveis. Ainda precisamos de uma tecnologia do estrangeiro.

Há angolanos a investir em Jiangsu?

Olhe, eu não tenho essa informação. Neste momento eu sei apenas que alguns jovens angolanos que estavam lá a estudar, depois de terminar a universidade começaram a investir em alguns negócios. Não tenho dados exactos, mas em Quangzho há muitos angolanos a fazer negócios.

E cá em Angola, além da crise, que outras situações preocupam os empresários chineses.

Existem muitas situações que são constrangimentos, que precisam ser eliminados por todos nós, juntos. Angola já faz parte de nós, porque tudo que acontece cá também nos afecta. Além da crise precisamos que o governo olhe também para nós os empresários estrangeiros. Nós não precisamos que o governo nos dê dinheiro. Pedimos apenas incentivos e politicas vantajosas para fazermos investimentos, como terrenos para implementar os nossos projectos, incentivos fiscais, nos impostos e de serviços.

É difícil conseguir que concepção de terrenos, por parte do Estado?

Sim é muito difícil. existem muitos terrenos, mas que estão ocupados pelos privados, mesmo não estando a produzir. Eu já fui ao Pólo Industrial de Viana pedir espaço, e a resposta foi de que já não há terrenos, mas quando você passa por lá, pode ver muitos terrenos vazios. Têm donos, mas não produzem para a economia do país.

Qual é o feedback que recebem dos angolanos sobre os investimentos de empresários chineses, particularmente de Jiangsu?

Olhe, pelo menos, a Cidade da China, nosso sócio, da Câmara, tem mais de quatro mil angolanos a trabalhar, o que demonstram que temos um bom feedback. Tínhamos muitos angolanos a trabalhar nas empresas chinesas, mas devido a crise, já não temos tantos assim. Neste momento a Cidade da China é o maior empregador chinês em Angola. Com isso podemos dizer que o feedback dos angolanos é positivo sobre a nossa câmara.

E o centro de formação já formou quantos angolanos?

No nosso centro já formamos cerca de 500 jovens angolanos, desde a reabertura há dois anos. São dois anos de existência e não de funcionamento porque este ano não abrimos por causa da pandemia.

Dos mais de 100 Empresários chineses filiados à vossa Câmara, há algum no ramo da agricultura ou estão todos no comércio e na construção civil?

Temos uma empresa no ramo da agricultura a produzir arroz na província do Huambo. E está a produzir arroz e fuba a bons níveis. Temos também uma outra empresa do ramo da pesca e que tem uma loja aqui na Cidade da China.

Nesta sua experiência de 20 anos a viver em Angola, o que é que mais preocupa a comunidade chinesa em Angola?

A questão da segurança pública e iluminação pública. A polícia nacional tem trabalhado muito, mas é preciso um pouco mais de trabalho. Muitos cidadãos chineses já foram mortos, na Huíla foram encontrados na floresta a trabalhar e foram atacados com catanas, paus e tiro. Até houve um que morreu no local. Aqui em Luanda eu também já fui vítima. Olha só, eu estou a fazer investimentos no zango, mas tenho medo de andar no zango a noite.