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Opinião

Patentes ou competência? O futuro incerto das carreiras no MININT

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A recente nomeação de Tomásia de Assunção Paulo Tomás para o cargo de Directora Provincial do Serviço de Migração e Estrangeiros (SME) em Luanda gerou um intenso debate sobre a estrutura de comando e gestão administrativa dos serviços adstritos ao Ministério do Interior (MININT). O cerne da questão não reside apenas na legitimidade da nomeação, mas na necessidade urgente de repensar a organização desses serviços para distinguir claramente a função técnico-administrativa da carreira hierárquica baseada em patentes militares e policiais.

A equiparação hierárquica entre cargos de direcção administrativa e as patentes militares/policiais representa um entrave ao desenvolvimento sustentável das carreiras no sector. Para justificar esta visão, é essencial recorrer a argumentos científicos baseados na administração pública moderna, na gestão estratégica de recursos humanos e na teoria organizacional.

1. Princípios da Administração Pública Moderna

De acordo com Max Weber (1947), um dos fundadores da teoria burocrática, a administração pública deve ser estruturada com base na competência técnica e na meritocracia, e não em critérios arbitrários de hierarquia militar. A burocracia moderna defende que as organizações públicas sejam dirigidas por gestores especializados, escolhidos por critérios técnicos e administrativos para garantir eficiência, imparcialidade e previsibilidade nos processos de gestão.

A lógica weberiana demonstra que misturar funções administrativas e hierarquias militares compromete a especialização dos quadros e cria entraves à profissionalização dos serviços públicos. Em sistemas administrativos eficientes, as promoções devem ser baseadas em critérios de desempenho e experiência, e não em necessidades políticas ou conveniências estruturais.

2. Gestão Estratégica de Recursos Humanos e Progressão de Carreira

A gestão de recursos humanos baseia-se no princípio de que as promoções devem ser determinadas por mérito, tempo de serviço, desempenho e formação contínua. Modelos como o de competência por avaliação contínua (Spencer & Spencer, 1993) indicam que a progressão na carreira deve ser estruturada de forma previsível, de modo a garantir a retenção de talentos e evitar a desmotivação entre os quadros.

A actual prática no MININT, ao equiparar cargos administrativos às patentes hierárquicas, gera um efeito inflacionário na estrutura das carreiras. Se, por exemplo, nos próximos cinco anos houver necessidade de substituir cinco directores, a lógica actual exigiria que cinco novos oficiais fossem promovidos a altos escalões de patentes, sem que tal ascensão fosse determinada por critérios técnicos ou operacionais. Essa distorção compromete a sustentabilidade do sistema, pois cria uma pressão artificial por promoções, levando ao inchaço da estrutura de comando e a possíveis disparidades salariais e funcionais.

3. Teoria Organizacional e Separação das Funções Operacionais e Administrativas

Henry Mintzberg (1979), um dos principais teóricos da estrutura organizacional, enfatiza a importância da separação entre funções administrativas e operacionais em organizações complexas. Segundo ele, organizações bem-sucedidas devem adoptar estruturas diferenciadas para funções estratégicas, operacionais e de suporte, garantindo que cada sector tenha profissionais capacitados para as suas respectivas funções.

A Polícia Nacional (PNA), os Bombeiros e as Forças Armadas desempenham funções estritamente operacionais e de comando, onde a hierarquia e a cadeia de comando são essenciais. Já serviços como o SME, o SIC e os Serviços Prisionais possuem funções essencialmente administrativas, que exigem um perfil técnico e de gestão pública, e não apenas experiência em operações de campo ou hierarquia militar. A nomeação de directores administrativos com base em patentes cria incoerências funcionais, pois esses profissionais podem não possuir a formação necessária para lidar com a gestão estratégica, a análise de políticas públicas, a modernização administrativa e a transformação digital.

4. Impacto na Eficiência dos Serviços Públicos

Estudos sobre governança pública indicam que a eficiência administrativa aumenta quando as lideranças são escolhidas com base na especialização técnica e não em critérios exclusivamente hierárquicos (Osborne & Gaebler, 1992). No contexto do MININT, a nomeação de directores administrativos com base em patentes pode gerar conflitos hierárquicos internos, especialmente quando um oficial de patente inferior assume funções de comando sobre superiores. Além disso, cria um precedente perigoso de politização e instrumentalização das promoções, enfraquecendo os princípios de justiça e equidade dentro da carreira pública.

Conclusão: A Necessidade de Reformas Estruturais

A modernização da administração pública exige uma revisão profunda dos critérios de nomeação para cargos de direcção nos serviços do MININT. A lógica da equiparação hierárquica militar/policial deve ser substituída por um modelo de gestão técnica e administrativa, garantindo que os cargos sejam ocupados por profissionais qualificados para cada função.

A implementação de uma carreira pública mais sustentável e meritocrática permitirá:

✔ A redução da pressão por promoções artificiais para garantir que as patentes militares/policiais sejam concedidas com base no mérito real e não por conveniência administrativa.

✔ A melhoria da eficiência e da profissionalização dos serviços públicos para assegurar que gestores administrativos tenham competências específicas em gestão pública, direito administrativo, economia, políticas públicas e tecnologias de informação.

✔ A eliminação de conflitos internos na estrutura hierárquica para garantir que as funções de comando militar e policial sejam separadas das funções administrativas e estratégicas.

Dessa forma, a distinção entre funções operacionais e administrativas permitirá que o MININT evolua para um modelo de gestão mais eficiente, transparente e sustentável para garantir que tanto os quadros administrativos quanto os operacionais cresçam profissionalmente dentro de um sistema justo e equilibrado.

Denílson Adelino Cipriano Duro é Mestre em Governação e Gestão Pública, com Pós-graduação em Governança de TI. Licenciado em Informática Educativa e Graduado em Administração de Empresas, possui uma sólida trajectória académica e profissional voltada para a governação, gestão de projectos, tecnologias de informação, marketing político e inteligência competitiva urbana. Actua como consultor, formador e escritor, sendo fundador da DL - Consultoria, Projectos e Treinamentos. É autor de diversas obras sobre liderança, empreendedorismo e administração pública, com foco em estratégias inovadoras para o desenvolvimento local e digitalização de processos governamentais.

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