Opinião
Por que o desporto ainda não é do povo? A revolução necessária nos bairros
A massificação do desporto comunitário é uma estratégia essencial para o desenvolvimento social e humano, desempenhando um papel estruturante na formação cidadã, na promoção da saúde e na integração comunitária. Em muitos municípios, a prática desportiva ainda é vista como uma actividade secundária, dependente de iniciativas pontuais e desvinculada de políticas públicas abrangentes. No entanto, uma abordagem inovadora pode mudar esse cenário: a criação de cooperativas desportivas comunitárias, que dialoguem directamente com o desporto escolar sistematizado municipal, estabelecendo uma rede sólida de formação e prática desportiva desde a infância até à idade adulta.
Nesse modelo, o bairro surge como a unidade desportiva primária e essencial, funcionando como base para a implementação de políticas públicas desportivas. A descentralização da gestão do desporto por meio de cooperativas permitiria uma participação mais activa da comunidade na organização e promoção de actividades desportivas, garantindo maior inclusão e acessibilidade.
O Bairro como Unidade Desportiva: Uma Nova Perspectiva para a Política Pública Desportiva
A valorização do bairro como unidade desportiva baseia-se na ideia de que o desporto deve estar próximo da comunidade, incorporado à sua rotina e acessível a todos. Pierre Bourdieu (1983) destaca que o desporto é um “campo social”, no qual se reflectem e se reproduzem as relações de poder da sociedade. Ao descentralizar a gestão desportiva e dar autonomia às comunidades locais por meio de cooperativas, pode-se democratizar o acesso ao desporto, combater desigualdades e ampliar oportunidades para jovens talentos.
Além disso, o conceito de capital social, abordado por Robert Putnam (2000), reforça a importância de redes comunitárias fortes para o desenvolvimento de práticas sociais sustentáveis. O desporto comunitário, organizado por meio de cooperativas, tem o potencial de fortalecer esses laços, criando espaços de convivência, cooperação e solidariedade entre os moradores.
No contexto municipal, o bairro pode ser mais do que um simples espaço de prática desportiva; pode transformar-se numa estrutura de formação, conectada ao desporto escolar e a programas de iniciação desportiva. Com isso, cria-se um ciclo virtuoso onde crianças e adolescentes têm acesso contínuo ao desporto, seja na escola ou nos espaços comunitários, aumentando as chances de um desenvolvimento desportivo estruturado.
Cooperativas Desportivas Comunitárias: um Modelo de Gestão Participativa
As cooperativas desportivas comunitárias podem ser um instrumento estratégico para a gestão descentralizada do desporto, permitindo que os próprios membros da comunidade organizem e administrem actividades desportivas locais. Esse modelo de gestão participativa apresenta inúmeras vantagens:
1. Maior autonomia e eficiência – As cooperativas podem gerir directamente recursos, espaços e programas desportivos, garantindo que as decisões estejam alinhadas com as necessidades da comunidade.
2. Inclusão social e acessibilidade – O envolvimento comunitário reduz barreiras à prática desportiva, permitindo que pessoas de diferentes idades e condições socioeconómicas tenham acesso ao desporto.
3. Fortalecimento do capital social – Como Putnam (2000) argumenta, instituições cooperativas incentivam a criação de redes de confiança e colaboração, essenciais para o fortalecimento da sociedade civil.
4. Integração com o desporto escolar – As cooperativas podem estabelecer parcerias directas com as escolas municipais, facilitando a transição de jovens atletas entre o desporto escolar e o comunitário.
Essa abordagem permite que os bairros se tornem centros de referência desportiva, integrando diversas modalidades e garantindo uma continuidade na formação dos praticantes, desde o nível recreativo até ao competitivo.
O Desporto Escolar como pilar para a Massificação da prática Desportiva Municipal
Para que a massificação do desporto comunitário seja bem-sucedida, é fundamental que exista um diálogo constante entre o desporto escolar e o desporto comunitário. Segundo Tavares (2012), a integração entre esses dois segmentos amplia significativamente o impacto das políticas desportivas, proporcionando um ambiente de prática mais estruturado e consistente para crianças e adolescentes.
O desporto escolar deve ser o ponto de partida para a formação desportiva, funcionando como a primeira etapa da inclusão desportiva sistematizada. No entanto, muitos alunos perdem o contacto com o desporto após a fase escolar, devido à falta de infraestrutura comunitária que permita a continuidade da prática. Nesse sentido, as cooperativas desportivas comunitárias podem actuar como extensões do desporto escolar, garantindo que os jovens tenham onde praticar e evoluir mesmo após a conclusão do ensino básico.
Além disso, a articulação entre escolas e cooperativas pode promover competições interbairros, festivais desportivos e eventos que incentivem a participação popular, aumentando a visibilidade do desporto no município.
A Descentralização da Gestão Desportiva Municipal: O Papel Estratégico dos Bairros
A descentralização da gestão desportiva municipal, através da criação de cooperativas comunitárias, representa uma oportunidade para tornar o desporto mais acessível e eficiente. Segundo Norbert Elias e Eric Dunning (1986), o desporto tem um papel civilizador, pois ensina regras, disciplina e valores sociais fundamentais. No entanto, para que esse impacto seja efectivo, ele deve estar enraizado no dia-a-dia da população, o que só é possível por meio de um modelo de gestão descentralizado e participativo.
Ao transformar os bairros em polos desportivos autónomos, cada comunidade pode definir as suas próprias prioridades, respeitando as suas particularidades culturais e sociais. Isso permite que diferentes regiões do município desenvolvam identidades desportivas próprias, valorizando modalidades específicas e incentivando a descoberta de novos talentos locais.
Além disso, esse modelo possibilita uma utilização mais eficiente dos recursos públicos, pois descentraliza a gestão e optimiza o uso da infraestrutura existente, reduzindo desperdícios e maximizando o impacto das políticas desportivas municipais.
Conclusão: O Desporto como ferramenta de desenvolvimento Municipal
A massificação do desporto comunitário através de cooperativas é uma abordagem inovadora e necessária para fortalecer a prática desportiva municipal. O bairro, enquanto unidade desportiva fundamental, pode ser o epicentro de políticas públicas que promovam inclusão, formação e desenvolvimento desportivo sustentável.
Ao integrar cooperativas comunitárias com o desporto escolar, cria-se uma rede sólida que garante a continuidade da prática desportiva, evitando a evasão de talentos e incentivando a participação de diferentes faixas etárias. A descentralização da gestão, apoiada por teóricos como Bourdieu, Putnam e Elias, reforça a importância de um modelo democrático e participativo, onde o desporto seja acessível a todos e desempenhe o seu papel como ferramenta de desenvolvimento humano e social.
Investir nessa estratégia significa transformar o desporto num vector de progresso para o município, promovendo saúde, educação e cidadania, e criando um futuro onde a prática desportiva seja um direito efectivo e uma realidade acessível a toda a população.