Análise
Consultoria em Angola: o saber estrangeiro que cala o saber nacional

1. A Assessoria e Consultoria Pública no Contexto Global
A assessoria e a consultoria na Administração Pública constituem instrumentos estratégicos de apoio à decisão política, planeamento institucional e execução eficiente das políticas públicas. Em várias partes do mundo, a consultoria pública é vista como um motor da inovação governamental e da modernização do Estado. Países como o Brasil, Portugal, Cabo Verde e mesmo a vizinha África do Sul têm demonstrado que a valorização dos seus próprios quadros técnicos é uma condição essencial para o fortalecimento da soberania administrativa e para a eficácia das suas instituições.
De acordo com Peter Drucker (1999), a assessoria é uma “extensão da inteligência organizacional”, um meio pelo qual o Estado aprende a transformar conhecimento em acção. Quando essa função é exercida com ética, técnica e visão estratégica, o consultor torna-se um verdadeiro parceiro da boa governação, contribuindo para decisões mais racionais, transparentes e participativas.
Max Weber (1978), ao teorizar sobre a burocracia moderna, já alertava que a racionalidade administrativa depende da presença de técnicos competentes e especializados. Ou seja, a função consultiva deve estar ancorada na meritocracia, no profissionalismo e na lealdade institucional, e não em critérios de conveniência política.
2. O Caso Angolano: Dependência Intelectual e Colonização Técnica
Em Angola, a prática da consultoria e da assessoria pública tem sido marcada por uma dependência quase crónica do saber estrangeiro. O Estado continua a recorrer sistematicamente a consultores e empresas internacionais para a formulação de políticas, elaboração de projectos e execução de reformas estruturais, mesmo quando dispõe de quadros nacionais altamente qualificados e conhecedores da realidade local.
Esta preferência institucional por “soluções importadas” representa o que Boaventura de Sousa Santos (2010) chamou de “colonialidade do saber” — uma forma moderna de dependência que faz o país acreditar que o conhecimento legítimo é aquele que vem de fora. O resultado é a importação de modelos administrativos e económicos que nem sempre se ajustam ao contexto sociopolítico angolano, comprometendo a eficácia e a sustentabilidade das políticas públicas.
Ao longo dos anos, o Estado angolano tem formado milhares de especialistas nas áreas de Administração, Governação Pública, Gestão de Projectos, Tecnologias de Informação e Ciências Políticas. Contudo, muitos desses quadros permanecem marginalizados, subaproveitados ou simplesmente ignorados nas esferas de decisão. Esta realidade simboliza um paradoxo: o país investe no capital humano, mas não o integra de forma estratégica no processo de governação.
3. A Marginalização dos Quadros Nacionais: O Preço da Desconfiança
A marginalização dos consultores e assessores angolanos é um fenómeno que ultrapassa o campo técnico. É um problema cultural e político que revela uma profunda crise de confiança entre o Estado e os seus próprios intelectuais. Manuel Castells (2003) explica que a soberania de um país, na era da informação, depende da sua capacidade de produzir e gerir conhecimento local. Quando o Estado angolano desvaloriza os seus especialistas, está, na prática, a ceder parte da sua soberania cognitiva e a enfraquecer a sua independência estratégica.
Por outro lado, esta desvalorização é alimentada por preconceitos institucionais, onde se acredita que o consultor estrangeiro é mais competente, mais neutro ou mais eficiente. Trata-se de um pensamento pós-colonial que precisa de ser urgentemente desconstruído. A verdadeira competência não tem nacionalidade; ela tem mérito, ética e compromisso.
4. O Amiguismo e o Nepotismo nas Nomeações Públicas
Um dos problemas mais graves que fragilizam a função de assessoria e consultoria em Angola é o amiguismo e o nepotismo que dominam os processos de nomeação, principalmente nas governações provinciais e administrações municipais. Em muitos casos, os cargos de assessor e consultor são atribuídos com base em laços de amizade, parentesco ou afinidades partidárias, e não em critérios de mérito e competência.
Este fenómeno gera um ambiente de mediocridade institucional, onde o saber técnico é substituído pela lealdade pessoal. As administrações locais tornam-se reféns de redes informais de influência, comprometendo a eficiência da gestão pública. Como alerta Norberto Bobbio (2000), a democracia perde a sua substância quando o mérito é substituído pela conveniência e o Estado deixa de servir o interesse público para servir o interesse de pequenos grupos.
A perpetuação do amiguismo e do nepotismo cria um ciclo de exclusão e desmotivação entre os profissionais competentes, que acabam por abandonar o serviço público ou emigrar em busca de reconhecimento. O resultado é um Estado cada vez mais dependente, tecnicamente frágil e politicamente vulnerável.
5. O Valor Estratégico do Saber Nacional
A valorização dos consultores e assessores nacionais deve ser entendida como uma questão de soberania e de desenvolvimento. O economista Amartya Sen (1999) defende que o desenvolvimento sustentável é aquele que amplia as liberdades e oportunidades das pessoas, permitindo-lhes participar activamente na construção do seu destino colectivo. Nesse sentido, valorizar o saber angolano é reconhecer o papel central do cidadão na construção do Estado moderno.
O conhecimento local possui vantagens competitivas únicas: compreensão cultural, sensibilidade social e capacidade de adaptação às realidades específicas das comunidades. Nenhum consultor estrangeiro, por mais experiente que seja, pode substituir a visão de quem vive, sente e conhece a Angola profunda. É este saber enraizado que deve ser transformado em inteligência estratégica nacional.
6. Caminhos para a Revalorização dos Consultores Angolanos
Para reverter este cenário, é urgente adoptar políticas públicas de valorização e certificação dos profissionais nacionais de consultoria e assessoria. O Estado deve criar um quadro legal e institucional que regule esta actividade, definindo critérios de competência, ética e transparência. Além disso, as universidades e centros de investigação devem ser integrados como parceiros estratégicos da governação, transformando o conhecimento académico em soluções práticas para os problemas públicos.
Outra medida essencial é o incentivo às empresas de consultoria nacionais, que devem ser incluídas nos concursos públicos e programas governamentais de desenvolvimento. O apoio institucional a estas entidades permitiria reduzir a dependência externa e estimular o crescimento de uma economia do conhecimento local.
A transparência no processo de contratação é igualmente fundamental. Devem ser criados mecanismos de fiscalização e auditoria independentes que garantam que a escolha de consultores e assessores seja feita com base na competência e não na influência política.
7. Conclusão: O Saber Nacional Como Pilar da Boa Governação
A consultoria pública não deve ser um espaço de prestígio importado nem uma extensão do clientelismo político. Deve ser, sim, um laboratório de ideias e soluções, onde os melhores quadros do país ajudam o Estado a pensar estrategicamente o seu futuro.
Valorizar o saber nacional é romper com a lógica da dependência intelectual e afirmar a soberania cognitiva de Angola. Como escreveu Adriano Mixinge (2014), “a verdadeira independência de um povo não se mede pela bandeira que hasteia, mas pela forma como valoriza o que pensa e o que sabe.”
O futuro da consultoria em Angola depende, portanto, da coragem política de reconhecer que o país tem, sim, cérebros competentes, éticos e patrióticos. O Estado que confia nos seus filhos constrói-se com base na sabedoria e não na submissão. E só uma governação que ouve e valoriza o seu próprio saber será capaz de transformar a dependência em autonomia e a inteligência nacional em poder de Estado.