Opinião
Política externa dos EUA e os impactos em África: saúde, petróleo e clima
As decisões estratégicas da administração Trump têm trazido desafios significativos para o sistema internacional, impactando directamente os países africanos. A saída dos EUA da Organização Mundial da Saúde (OMS), a política volátil no sector petrolífero e o abandono do Acordo de Paris revelam os riscos do unilateralismo de uma potência global e as suas repercussões profundas para o continente africano.
Saída dos EUA da OMS: Impactos na saúde pública africana
A decisão dos Estados Unidos de abandonar a OMS foi, sem dúvida, uma das mais controversas medidas de política externa da administração Trump. Justificada como uma resposta à alegada má gestão da pandemia da COVID-19 pela instituição, essa retirada traduziu-se num golpe directo para os sistemas de saúde dos países africanos.
África depende substancialmente do financiamento da OMS para combater surtos epidémicos e doenças crónicas. A organização desempenhou papéis vitais na resposta ao Ébola, na erradicação da poliomielite e em programas de vacinação que salvam milhões de vidas. A saída dos EUA implicou um corte de cerca de 15% do orçamento da OMS, prejudicando programas que beneficiam directamente países do continente.
Com a falta de financiamento suficiente, as infraestruturas de saúde em África, já fragilizadas, enfrentaram dificuldades acrescidas para lidar com novas crises sanitárias e pandemias. Esta decisão reforçou a urgência de os Estados africanos adoptarem abordagens mais regionais e sustentáveis no sector da saúde, fortalecendo instituições como os Centros Africanos de Controlo e Prevenção de Doenças (Africa CDC).
O impacto da política petrolífera no desenvolvimento económico africano
Outra área crucial que afectou o continente foi a política petrolífera dos EUA. Sob Trump, houve um aumento significativo da produção doméstica norte-americana de petróleo, impulsionado pela tecnologia de fraturamento hidráulico (fracking). Isso transformou os Estados Unidos no maior produtor mundial de petróleo, reduzindo a sua dependência das importações e afectando os preços no mercado global.
Para economias africanas fortemente dependentes da exportação de petróleo, como Angola e Nigéria, essa mudança representou uma pressão significativa. O aumento da produção dos EUA exacerbou a crise no mercado internacional ao contribuir para a sobreoferta e a consequente queda do preço do barril, prejudicando receitas fiscais e orçamentos nacionais.
No caso de Angola, uma economia ainda pouco diversificada, a descida acentuada das receitas petrolíferas expôs a fragilidade de uma dependência quase absoluta do sector. Por outro lado, colocou o desafio de acelerar o processo de diversificação económica e o investimento em sectores como a agricultura e a tecnologia.
Alterações climáticas: um peso para o continente
A retirada dos EUA do Acordo de Paris, em 2017, foi outra decisão polémica que teve impacto directo em África. Enquanto potência económica e segundo maior emissor global de gases de efeito estufa, a saída americana debilitou significativamente os esforços globais para limitar o aquecimento global.
África é um dos continentes mais vulneráveis às mudanças climáticas, apesar de ser um dos que menos contribui para o fenómeno. Secas extremas, desertificação, cheias e ciclones têm afectado milhões de vidas, prejudicando a segurança alimentar, os meios de subsistência e o desenvolvimento sustentável.
A ausência dos EUA do Acordo de Paris não só enfraqueceu o financiamento global para combater as mudanças climáticas, como também criou incertezas sobre o compromisso internacional. Em países como Moçambique, que enfrenta ciclones devastadores, ou o Sahel, gravemente afectado pela desertificação, os danos ambientais exacerbam conflitos internos e forçam deslocamentos em massa.
Este cenário reforça a importância de os países africanos assumirem a liderança na agenda ambiental e fortalecerem a cooperação com outras potências, como a União Europeia e a China, para mitigar os impactos das alterações climáticas e assegurar recursos necessários para a resiliência climática.
Um apelo à cooperação e ao multilateralismo
As decisões unilaterais da administração Trump mostraram a fragilidade de um sistema internacional que depende das decisões das grandes potências. Os desafios enfrentados por África nas áreas da saúde, da energia e do ambiente demonstram que o continente não pode depender exclusivamente de actores externos para resolver os seus problemas estruturais.
Nesse sentido, África deve priorizar a construção de mecanismos internos que reduzam a dependência de acordos internacionais ou de financiamentos de potências como os EUA. Por exemplo:
Na saúde, fortalecer o Africa CDC e promover iniciativas locais de investigação biomédica.
Na economia, acelerar a implementação da Zona de Livre Comércio Continental Africana (AfCFTA) para estimular o comércio intra-africano e reduzir a dependência de recursos primários.
Na sustentabilidade, fomentar políticas ambientais regionais e assumir uma posição de liderança em negociações climáticas globais.
Por outro lado, a eleição de Joe Biden representou um regresso ao multilateralismo, com os EUA a reentrarem na OMS e no Acordo de Paris. Esta inversão demonstra como as mudanças de administração nas grandes potências podem afectar drasticamente os rumos do continente africano.
Conclusão
África encontra-se num ponto de inflexão: os desafios impostos pelas políticas externas das grandes potências, como os Estados Unidos, mostram que a sua posição no sistema internacional deve ser repensada. Através de maior integração regional e autonomia estratégica, o continente pode transformar estas crises em oportunidades para impulsionar o crescimento sustentável e assegurar um papel mais relevante na governação global.
O que é inegável é que, no cenário global em constante mudança, África terá de demonstrar resiliência, inovação e visão estratégica para trilhar o seu próprio caminho rumo ao desenvolvimento. É apenas com um continente unido e cooperante que o impacto de decisões externas pode ser mitigado, garantindo um futuro mais próspero para as gerações vindouras.