Análise
A “África profunda” dentro das igrejas: reflexão sobre fé, hipocrisia e o contexto geopolítico africano
Por Joaquim Victor Sambo e Adalberto Malú
A expressão “África profunda”, utilizada pelo Pastor Cawosso, não é apenas uma metáfora para práticas espirituais dissonantes dos preceitos cristãos, mas também um reflexo das complexidades identitárias e culturais que caracterizam o continente africano. Em muitos contextos africanos, a coexistência de crenças tradicionais com religiões importadas, como o cristianismo, cria um terreno fértil para sincretismos religiosos e, por vezes, para a dissimulação de práticas que contrariam os valores declarados.
Este fenómeno, conforme sublinhado pelo Dr. Joaquim Victor Sambo, levanta questões sobre a autenticidade da fé e a integridade moral dos que frequentam espaços religiosos, mas também remete para dinâmicas históricas e geopolíticas mais amplas. O colonialismo, por exemplo, impôs estruturas religiosas ocidentais que muitas vezes se sobrepuseram, sem as substituir completamente, às espiritualidades locais, criando tensões que persistem até hoje. Esta dualidade é agravada por contextos de fragilidade institucional em muitos Estados africanos, onde a religião pode ser instrumentalizada como refúgio ou fachada para interesses pessoais ou práticas ilícitas.
A perplexidade expressa pelas filhas do pastor (“Pai, fizeste o quê?”) e pelos diáconos (“Quem te fez isso?”) ilustra não apenas o choque perante a descoberta de práticas dissonantes, mas também a fragilidade da confiança comunitária em instituições religiosas. No âmbito das Relações Internacionais, esta desconfiança pode ser interpretada como um reflexo da erosão da coesão social em contextos onde a religião desempenha um papel central na governação moral das comunidades. A hipocrisia denunciada por Cawosso não é apenas uma questão espiritual, mas também um sintoma de dinâmicas sociais mais amplas, onde factores como desigualdades económicas, exclusão social e falta de transparência institucional contribuem para a dissimulação de práticas que comprometem a integridade das comunidades religiosas.
A visão que aqui acrescento enfatiza a necessidade de contextualizar estas reflexões no quadro das dinâmicas geopolíticas e culturais de África. A advertência do pastor sobre membros que “vieram aqui apenas para se esconder” ressoa com a ideia de que as igrejas, enquanto instituições sociais, não estão imunes às influências externas, incluindo as tensões políticas e económicas que moldam o comportamento individual e colectivo.
Em muitos países africanos, as igrejas têm servido como espaços de resistência, mas também de acomodação de interesses que nem sempre se alinham com os ideais espirituais. Assim, a construção de uma comunidade de fé autêntica, como proposto por Sambo, exige não apenas vigilância espiritual, mas também um compromisso com a transformação social e política, promovendo a transparência, a inclusão e a justiça.
Em suma, o texto de Sambo, enriquecido por esta análise, convida-nos a reflectir sobre a intersecção entre fé, hipocrisia e as dinâmicas sociopolíticas que moldam as sociedades africanas.
A “África profunda” não é apenas um espaço de práticas ocultas, mas também um terreno de possibilidades para a construção de comunidades religiosas e sociais mais genuínas, transparentes e alinhadas com os valores de justiça e solidariedade. Que a lição do Pastor Cawosso inspire não apenas uma renovação espiritual, mas também um compromisso com a transformação estrutural das sociedades africanas, rumo a um futuro mais íntegro e equitativo.
