Opinião
A decisão na Administração Pública em Angola: serviço ao cidadão ou manobra política?

A tomada de decisão na Administração Pública é um dos processos mais críticos para a gestão eficiente do Estado e o desenvolvimento sustentável de uma nação. Em Angola, a qualidade dessas decisões influencia directamente a governação, a transparência, a prestação de serviços públicos e a confiança dos cidadãos nas instituições. Como afirma Drucker (2002), “o que caracteriza a tomada de decisão não é a escolha entre certo e errado, mas entre quase certo e provavelmente errado”. Isso reflecte a complexidade e os desafios enfrentados pelos gestores públicos na busca por soluções eficazes e alinhadas ao interesse colectivo.
Diante deste contexto, é fundamental compreender os princípios teóricos que sustentam o processo decisório, identificar os tipos de decisão, analisar os órgãos que fornecem suporte às escolhas administrativas e avaliar os mecanismos de controlo e aperfeiçoamento contínuo da qualidade decisória na Administração Pública angolana.
1. O que é Decisão?
Decisão pode ser definida como o acto de seleccionar, entre alternativas disponíveis, aquela que melhor atende a determinados objectivos e circunstâncias (Simon, 1957). Na Administração Pública, esse processo envolve a avaliação de informações, a consideração de impactos políticos, sociais e económicos e a adopção de medidas que promovam o bem comum.
Mintzberg, Raisinghani e Théorêt (1976) argumentam que o processo decisório é composto por três fases principais: identificação do problema, desenvolvimento de soluções e escolha da alternativa mais adequada. No sector público, a eficácia desta dinâmica está directamente ligada à capacidade técnica dos decisores, à transparência dos processos e ao alinhamento com as políticas governamentais.
2. Teorias Fundamentais da Tomada de Decisão
A tomada de decisão na Administração Pública é sustentada por diversas teorias que explicam como os gestores fazem escolhas e quais factores influenciam esse processo. Entre as principais abordagens teóricas, destacam-se:
2.1. Teoria da Racionalidade Limitada (Herbert Simon, 1957)
Simon (1957) introduziu a ideia de que os decisores não possuem acesso completo às informações e, portanto, tomam decisões baseadas numa racionalidade limitada. Segundo o autor, os gestores públicos não buscam a melhor alternativa possível, mas sim uma solução que seja suficientemente satisfatória dentro das restrições de tempo, recursos e conhecimento disponíveis.
Essa teoria explica por que, em Angola, muitos processos decisórios são influenciados por factores como burocracia excessiva, dificuldades de acesso a dados fiáveis e pressões políticas. Como consequência, a eficácia das decisões pode ser comprometida, exigindo mecanismos de controlo e ajustes contínuos.
2.2. Teoria da Escolha Pública (James Buchanan & Gordon Tullock, 1962)
Buchanan e Tullock (1962) desenvolveram a Teoria da Escolha Pública, que aplica princípios económicos à Administração Pública. Segundo esta abordagem, os decisores não são completamente altruístas, mas agem também em função de incentivos políticos e interesses individuais.
Em Angola, essa teoria ajuda a compreender como factores como clientelismo, influências de grupos de interesse e jogos políticos podem comprometer a qualidade das decisões públicas, desviando-as do interesse colectivo.
2.3. Modelo Incrementalista (Charles Lindblom, 1959)
Lindblom (1959) argumenta que as decisões na Administração Pública geralmente não ocorrem por meio de mudanças radicais, mas sim de forma incremental. Os gestores ajustam políticas e estratégias progressivamente, com base em experiências anteriores e no contexto político e social vigente.
Essa abordagem é visível em Angola, onde reformas administrativas e políticas públicas são implementadas de forma gradual, evitando rupturas bruscas e facilitando a adaptação dos sistemas institucionais.
2.4. Teoria do Novo Gerencialismo Público (David Osborne & Ted Gaebler, 1992)
Osborne e Gaebler (1992) propõem um modelo de gestão pública inspirado na eficiência do sector privado, enfatizando inovação, transparência e uso de tecnologias. Esta abordagem fundamenta iniciativas como o Governo Electrónico e a Digitalização de Serviços Públicos em Angola, que visam melhorar a qualidade da tomada de decisão por meio da automatização e da análise de dados em tempo real.
3. Tipos de Decisão na Administração Pública
As decisões governamentais podem ser classificadas em diferentes categorias, conforme a sua complexidade e impacto na sociedade:
1. Decisão Estratégica – Define políticas públicas de longo prazo e direcções gerais do governo (Drucker, 2002).
2. Decisão Táctica – Relaciona-se à implementação de estratégias em sectores específicos (Mintzberg et al., 1976).
3. Decisão Operacional – Envolve a execução diária de serviços e processos administrativos (Simon, 1957).
4. Decisão Normativa – Baseia-se na criação e aplicação de regulamentos e leis (Lindblom, 1959).
5. Decisão de Emergência – Requer respostas rápidas a situações imprevistas, como crises sanitárias ou desastres naturais (Osborne & Gaebler, 1992).
4. Órgãos de Apoio à Decisão na Administração Pública
Para garantir maior embasamento e qualidade na tomada de decisão, a Administração Pública angolana conta com diversas instituições de suporte, tais como:
Tribunal de Contas – Avalia a legalidade e eficiência dos gastos públicos.
Ministério das Finanças – Regula decisões orçamentais e fiscais.
Instituto Nacional de Estatística (INE) – Fornece dados estatísticos para embasar decisões baseadas em evidências.
Conselhos Consultivos Ministeriais – Assessoram ministros na formulação de políticas.
Tribunal Constitucional – Analisa a conformidade das decisões com a Constituição.
5. Controlo da Qualidade da Decisão e Melhoria Contínua
Para garantir a qualidade e eficácia das decisões públicas, é necessário adoptar mecanismos de controlo e aperfeiçoamento contínuo, tais como:
1. Fiscalização e Auditoria – Órgãos como o Tribunal de Contas monitorizam a aplicação dos recursos públicos.
2. Monitorização e Avaliação de Políticas Públicas – Permite ajustar estratégias conforme os resultados obtidos.
3. Transparência e Prestação de Contas – A divulgação pública das decisões fortalece a confiança da sociedade no governo.
4. Capacitação de Gestores – Investimento contínuo na formação técnica e ética dos decisores.
5. Uso de Tecnologia e Big Data – Ferramentas digitais podem optimizar o acesso a dados e melhorar a precisão das decisões.
Finalmente, a qualidade da decisão na Administração Pública angolana é um factor determinante para a eficiência do Estado e o bem-estar da população. A aplicação de abordagens teóricas, aliada ao fortalecimento de mecanismos de controlo e inovação, pode levar a decisões mais eficazes e transparentes.
Para isso, é essencial que Angola continue a investir na modernização da governação, na capacitação de gestores e no uso de tecnologias que permitam uma tomada de decisão mais ágil, informada e alinhada ao interesse público. Como destaca Simon (1957), “uma decisão eficaz não é apenas uma escolha, mas um processo estruturado e fundamentado na realidade organizacional”.