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Angola: o país onde o empresário precisa de milagres, não de políticas

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O empresariado desempenha um papel fundamental no crescimento económico e social de qualquer nação. Em Angola, apesar do enorme potencial existente, os desafios estruturais, sociais e económicos dificultam a criação e a sustentabilidade dos negócios. O país precisa de adoptar estratégias eficazes para transformar as suas riquezas naturais e humanas em oportunidades concretas de desenvolvimento.

Segundo Porter (1990), a competitividade de uma economia depende da capacidade das suas empresas de inovar e melhorar continuamente. No caso de Angola, essa premissa deve ser aplicada a nível municipal, garantindo que cada localidade desenvolva um ambiente de negócios favorável e sustentável. O grande desafio, contudo, está na falta de infra-estruturas, na burocracia excessiva, no limitado acesso ao crédito e na baixa qualificação da mão-de-obra, factores que dificultam o florescimento do sector privado.

Dessa forma, torna-se essencial a implementação de políticas públicas e iniciativas privadas que promovam o desenvolvimento empresarial nos municípios, aproveitando as suas potencialidades locais. Este artigo propõe estratégias para impulsionar o empresariado angolano, com base na descentralização económica, melhoria das infra-estruturas, qualificação profissional e incentivo ao empreendedorismo.

1. Descentralização e Incentivo ao Empresariado Local

A forte centralização das oportunidades económicas em Luanda limita o desenvolvimento equilibrado do país. De acordo com Acemoglu e Robinson (2012), economias que concentram o poder e os recursos numa única região tendem a gerar desigualdades estruturais e a dificultar o crescimento sustentável. Para que Angola cresça de maneira equitativa, é fundamental descentralizar os investimentos, fortalecendo o empresariado local nos municípios.

Isso pode ser feito por meio de incentivos fiscais específicos para empresas que actuem fora da capital, criação de bancos de fomento regionais e linhas de crédito direccionadas aos pequenos e médios empresários. Além disso, programas de capacitação e incubação de negócios podem preparar os empreendedores locais para actuarem com maior eficiência e inovação.

A experiência de países como o Brasil e a África do Sul mostra que o fortalecimento do empresariado local contribui para a geração de emprego e aumento da renda per capita. Em Angola, os governos municipais precisam de desempenhar um papel mais activo na atracção de investimentos e na facilitação do ambiente de negócios, reduzindo a burocracia e promovendo parcerias estratégicas com o sector privado.

2. Infra-estruturas e Ambiente de Negócios

A falta de infra-estruturas é um dos principais entraves ao crescimento empresarial em Angola. Estradas precárias, falta de electricidade fiável e acesso limitado à internet tornam a operação de negócios mais cara e ineficiente. Como argumenta Sachs (2005), o desenvolvimento económico sustentável requer investimentos significativos em infra-estruturas, pois estas são a base sobre a qual as empresas podem crescer e prosperar.

É essencial que o governo angolano priorize investimentos em infra-estruturas, utilizando parcerias público-privadas (PPPs) para viabilizar projectos de grande porte. Além disso, é necessário melhorar o ambiente regulatório, simplificando os processos para abertura e operação de empresas. O Doing Business Report do Banco Mundial (2020) aponta que Angola ocupa uma posição desfavorável no ranking de facilidade para fazer negócios, principalmente devido à burocracia e à instabilidade normativa.

A digitalização dos serviços públicos e a implementação de plataformas electrónicas para registos empresariais e pagamentos de impostos podem reduzir significativamente a informalidade e aumentar a eficiência administrativa. A experiência de países como o Ruanda, que adoptou um sistema de registo empresarial 100% digital, demonstra que a modernização da administração pública pode impulsionar o crescimento do sector privado.

3. Valorização das Potencialidades Locais

Cada município angolano possui características e recursos próprios que podem ser explorados para o desenvolvimento empresarial. A teoria das vantagens comparativas, proposta por Ricardo (1817), afirma que regiões devem focar na produção de bens e serviços nos quais possuem maior eficiência produtiva. No contexto angolano, isso significa que os municípios devem identificar e investir nas suas vocações naturais, seja na agricultura, turismo, mineração ou manufactura.

Por exemplo, as províncias do Bié e do Huambo têm um forte potencial agrícola, podendo tornar-se polos de produção e processamento de alimentos para abastecer o mercado nacional e internacional. Já regiões costeiras como Benguela e Namibe possuem grande potencial para o turismo, podendo atrair investimentos no sector da hotelaria, restauração e ecoturismo.

O fortalecimento das cadeias produtivas locais é essencial para evitar a dependência excessiva das importações e estimular o consumo da produção nacional. Como destaca Krugman (1991), a criação de clusters empresariais – agrupamentos de empresas de um mesmo sector numa determinada região – pode gerar um ambiente de cooperação e inovação, aumentando a competitividade da economia.

Na província da Huíla, por exemplo, a diversificação económica enfrenta desafios significativos, apesar do seu elevado potencial agropecuário e turístico. Municípios como Lubango, Matala e Quipungo têm vocação agrícola, mas enfrentam dificuldades devido à fraca mecanização e ao acesso limitado a mercados consumidores. O turismo, particularmente em locais como a Fenda da Tundavala e as Cascatas da Huíla, ainda carece de investimentos estruturais que melhorem a acessibilidade e os serviços de apoio ao visitante. A falta de incentivos fiscais e de crédito para pequenas e médias empresas locais também é um entrave à expansão do sector privado na província.

4. Formação e Qualificação da Mão-de-obra

A qualificação profissional é um factor crítico para o desenvolvimento do empresariado. De acordo com Becker (1964), o capital humano – isto é, a educação e as competências dos trabalhadores – é um dos principais motores do crescimento económico. Em Angola, a falta de mão-de-obra qualificada representa um grande obstáculo para o avanço das empresas, que muitas vezes precisam de contratar profissionais estrangeiros devido à escassez de especialistas locais.

Para reverter essa situação, é necessário investir na expansão e modernização do ensino técnico e profissional. Parcerias entre universidades, centros de formação e o sector privado podem garantir que os currículos académicos estejam alinhados às demandas do mercado. Além disso, programas de estágio e aprendizagem prática podem permitir que jovens adquiram experiência e aumentem a sua empregabilidade.

A experiência de países como a Alemanha e Singapura, que possuem sistemas educacionais fortemente voltados para a qualificação técnica, demonstra que a formação de mão-de-obra especializada pode impulsionar a produtividade e a inovação empresarial.

5. Fomento ao Empreendedorismo e às Startups Locais

O fortalecimento do ecossistema empreendedor é uma estratégia essencial para diversificar a economia angolana e reduzir a dependência do petróleo. Segundo Schumpeter (1942), o empreendedorismo é o principal agente da destruição criativa, promovendo a inovação e o dinamismo económico.

Para incentivar o surgimento de novas empresas, Angola precisa de investir em incubadoras de startups, fundos de capital de risco e programas de aceleração de negócios. Além disso, a simplificação dos processos para registo e formalização das empresas pode estimular o empreendedorismo, reduzindo as barreiras para que novos negócios entrem no mercado.

A experiência de países como a Nigéria e o Quénia, que têm ecossistemas de startups em crescimento acelerado, demonstra que a inovação e a digitalização podem ser motores poderosos para o desenvolvimento económico. Angola pode seguir esse caminho ao criar um ambiente mais favorável para a tecnologia e a inovação.

Finalmente, como destaca Sen (1999), o desenvolvimento não pode ser medido apenas pelo crescimento do PIB, mas sim pela ampliação das liberdades e oportunidades para os cidadãos. Fortalecer o sector empresarial nos municípios angolanos é indispensável para construir um futuro mais próspero e equitativo para o país. Afinal, enquanto políticas públicas ineficazes persistirem, os empresários continuarão a depender mais de milagres do que de estratégias governamentais concretas.

Dinheiro Inteligente – Todas as quintas-feiras, a partir das 07:30, com texto no portal e comentário no programa Capital Central, da Rádio Correio da Kianda, em 103.7 ou www.correiokianda.info

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Denílson Adelino Cipriano Duro é Mestre em Governação e Gestão Pública, com Pós-graduação em Governança de TI. Licenciado em Informática Educativa e Graduado em Administração de Empresas, possui uma sólida trajectória académica e profissional voltada para a governação, gestão de projectos, tecnologias de informação, marketing político e inteligência competitiva urbana. Actua como consultor, formador e escritor, sendo fundador da DL - Consultoria, Projectos e Treinamentos. É autor de diversas obras sobre liderança, empreendedorismo e administração pública, com foco em estratégias inovadoras para o desenvolvimento local e digitalização de processos governamentais.

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