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Opinião

Quando a monografia se torna uma prisão: O Ensino Superior em Angola está a estagnar sonhos?

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Em qualquer sistema de ensino superior saudável, o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), a dissertação de mestrado ou a tese de doutoramento são concebidos como momentos de maturidade intelectual, nos quais o estudante aplica os conhecimentos adquiridos na solução de problemas concretos da sociedade. Porém, em Angola, essas etapas — cruciais para o avanço académico e profissional — têm-se transformado em verdadeiros entraves estruturais e emocionais, atrasando por anos o percurso académico de milhares de estudantes, tanto em instituições públicas como privadas.

O problema, embora mais visível na fase da licenciatura, alcança com igual gravidade os níveis de mestrado e doutoramento, onde o cenário de abandono, atraso e bloqueio institucional repete-se com frequência preocupante. A ausência de mecanismos reguladores eficazes, o défice de orientadores capacitados e os elevados custos financeiros tornam o percurso académico um campo de resistência em vez de uma jornada de saber.

1. A contradição do sistema: formado, mas sem certificado

Muitos estudantes que completam com sucesso a fase curricular da licenciatura, do mestrado ou do doutoramento ficam literalmente “empacados” na fase final do processo, aguardando por orientadores, aprovação de temas, marcação de defesas ou liberação de notas. Este fenómeno não ocorre apenas nas universidades privadas — muitas instituições públicas de referência enfrentam os mesmos desafios, o que revela um problema sistémico nacional.

Essa realidade é confirmada por diversos relatos e por organizações estudantis, que denunciam o facto de centenas de finalistas se encontrarem paralisados por questões administrativas e financeiras, mesmo tendo cumprido todas as etapas obrigatórias do seu plano de estudos. A este respeito, o jornal Valor Económico (2021) destacou que:

“Muitos estudantes que terminaram a fase curricular do ensino superior continuam a enfrentar dificuldades em concluir a monografia devido aos custos elevados do trabalho. Organizações estudantis afirmam que a situação acontece por falta de acompanhamento do Governo aos abusos e excessos cometidos pelas instituições de ensino.”

2. Quando o TCC se transforma numa barreira institucional

O que deveria ser um processo orientado, planeado e pedagógico — a elaboração de um trabalho final de curso — torna-se uma experiência frustrante, marcada por silêncio institucional, opacidade nos trâmites, e desorganização nas orientações. No nível da licenciatura, há casos de estudantes que aguardam dois a quatro anos para conseguir defender. No mestrado e doutoramento, a situação agrava-se: a complexidade dos temas exige ainda mais acompanhamento, mas o número de orientadores disponíveis é escasso, e muitos orientadores não possuem tempo ou dedicação efectiva.

Em várias instituições, os estudantes não sabem quem será o seu orientador, nem quando poderão defender suas dissertações ou teses, mesmo após cumprirem os módulos obrigatórios. Em muitos casos, os orientadores são atribuídos tardiamente, há escassez de professores com grau de doutor, e os que existem estão sobrecarregados. O resultado é uma cadeia de atraso que cristaliza o subdesenvolvimento da investigação científica nacional.

3. O impacto financeiro e emocional: um preço alto para continuar

Mesmo após a abolição das taxas de defesa em instituições públicas através do programa Simplifica 2.0, os encargos indirectos permanecem altos. Os estudantes precisam de suportar custos com impressão de exemplares, revisão linguística e científica, encadernação, aquisição de becas e transporte para as defesas presenciais. No caso do mestrado e doutoramento, há ainda custos adicionais com sessões de pré-defesa, publicação de artigos e pareceres externos, que não são subsidiados nem regulados.

Esses encargos acabam por adiar indefinidamente a defesa, criando frustração, ansiedade e abandono académico silencioso. Muitos, por não conseguirem pagar os custos da fase final, desistem do percurso de pós-graduação ou atrasam sua inserção em programas de docência e pesquisa.

4. O reflexo nas metas nacionais de qualificação e produção científica

A estagnação nas etapas finais da formação universitária tem efeitos profundos para o desenvolvimento do país. A meta do Executivo angolano de formar mais mestres e doutores até 2030, conforme o Plano Nacional de Formação de Quadros, não poderá ser atingida enquanto persistirem as barreiras estruturais e financeiras que afectam o TCC, a dissertação e a tese.

Estudos como o de Craig et al. (2023) demonstram que os obstáculos na supervisão e na conclusão dos projectos de investigação são uma das maiores causas de fracasso nos programas de pós-graduação em África. O atraso generalizado de dissertações e teses, associado à fraca produção científica, compromete também a acreditação internacional dos cursos e reduz a competitividade académica das universidades angolanas.

5. Modelos internacionais e experiências alternativas

Países como a Alemanha, Estados Unidos, Reino Unido e até Moçambique têm avançado com reformas que tornam o processo de conclusão da graduação e da pós-graduação mais célere e eficiente. Nestes países, o trabalho final é submetido em prazos definidos, com orientação sistematizada e recursos tecnológicos que asseguram transparência.

Angola pode inspirar-se, por exemplo, no modelo da Universidade Metodista de Angola, que permite que o estudante opte por artigos científicos, projectos aplicados ou relatórios de estágio supervisionado como alternativas à monografia clássica — um passo importante para desburocratizar e diversificar os formatos avaliativos.

6. Recomendações para uma reforma urgente

1. Criação de um regulamento nacional de prazos máximos para a conclusão de TCCs, dissertações e teses, com penalidades para instituições que não cumpram.
2. Implementação de plataformas digitais unificadas para submissão, acompanhamento e defesa de trabalhos científicos em todos os níveis.
3. Capacitação de orientadores e supervisores em todos os níveis, com incentivos financeiros, reconhecimento institucional e redução de carga lectiva.
4. Diversificação dos formatos avaliativos, incluindo artigos, produtos tecnológicos, estudos de caso e projectos aplicados, em linha com os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável.
5. Criação de um fundo nacional de apoio à investigação final, destinado a estudantes economicamente carenciados nos níveis de licenciatura, mestrado e doutoramento.

Finalmente, é importante referir que o problema dos atrasos na conclusão do TCC, dissertações e teses em Angola não é apenas uma falha administrativa: é uma urgência nacional. A perpetuação deste cenário compromete os objectivos do país em termos de qualificação de quadros, avanço científico e inserção académica internacional.

É chegada a hora de olhar para esta realidade com seriedade e responsabilidade. O trabalho final de curso deve ser uma ponte, não um muro; uma porta de entrada, e não uma cela de espera. Angola precisa de um ensino superior eficiente, transparente, acessível e orientado para resultados, e isso começa por garantir que nenhum estudante fique retido onde deveria avançar.

Denílson Adelino Cipriano Duro é Mestre em Governação e Gestão Pública, com Pós-graduação em Governança de TI. Licenciado em Informática Educativa e Graduado em Administração de Empresas, possui uma sólida trajectória académica e profissional voltada para a governação, gestão de projectos, tecnologias de informação, marketing político e inteligência competitiva urbana. Actua como consultor, formador e escritor, sendo fundador da DL - Consultoria, Projectos e Treinamentos. É autor de diversas obras sobre liderança, empreendedorismo e administração pública, com foco em estratégias inovadoras para o desenvolvimento local e digitalização de processos governamentais.

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