Análise
Política em Angola: o memorando de consultas políticas com a Argélia e a estratégia de consolidação regional
A assinatura do Memorando de Consultas Políticas entre as Repúblicas de Angola e Argélia, a 16 de Abril de 2025, em Luanda, marca um momento significativo na política externa angolana, reforçando o compromisso do país com a diversificação de parcerias e a consolidação do seu papel como mediador regional e actor de estabilidade em África.
Este acordo, que visa estreitar o diálogo bilateral e promover coordenações regulares em matérias de interesse mútuo, insere-se numa estratégia mais ampla de fortalecimento da influência de Angola no continente, numa conjuntura marcada por desafios geopolíticos, económicos e de segurança. Este artigo analisa o contexto político interno de Angola, as implicações do memorando com a Argélia e o posicionamento estratégico de Luanda no cenário africano.
Contexto Político Interno de Angola
Angola, sob a liderança do Presidente João Lourenço desde 2017, tem atravessado um período de reformas estruturais com o objetivo de diversificar a economia, combater a corrupção e consolidar a governação democrática. Apesar de progressos, como a melhoria do ambiente de negócios e a redução da dependência do petróleo, o país enfrenta desafios internos significativos. A inflação persistente, o desemprego elevado (cerca de 30% em 2024, segundo o Banco Mundial) e as desigualdades socioeconómicas alimentam tensões sociais, especialmente entre a juventude urbana. A repressão de protestos, como os de 2023 em Luanda, e as críticas à concentração de poder no Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) levantam questões sobre a consolidação democrática.
No plano político, Lourenço tem procurado equilibrar a manutenção da hegemonia do MPLA com gestos de abertura, como a nomeação de figuras independentes para cargos ministeriais e o diálogo com a sociedade civil. Contudo, a oposição, liderada pela União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), intensificou críticas à governação, exigindo maior transparência eleitoral e descentralização administrativa. Este contexto interno pressiona o governo a reforçar a sua legitimidade através de sucessos na política externa, onde Angola tem ganhado destaque como mediador regional.
O Memorando de Consultas Políticas com a Argélia
O Memorando de Consultas Políticas assinado a 16 de abril de 2025 entre Angola e Argélia estabelece um quadro formal para diálogo bilateral regular, abrangendo áreas como cooperação económica, segurança regional, energia e governação. Segundo o Ministério das Relações Exteriores de Angola (MIREX), o acordo visa “fortalecer a parceria estratégica” entre os dois países, promovendo consultas ao nível de secretários de Estado e chanceleres. Este instrumento jurídico, descrito como um “novo impulso nas relações político-diplomáticas”, reflete a convergência de interesses entre Luanda e Argel no fortalecimento da estabilidade africana e na defesa de uma ordem multipolar.
Angola e Argélia partilham uma história de lutas anticoloniais e posições alinhadas em fóruns multilaterais, como a União Africana (UA) e o Movimento dos Não-Alinhados. Ambos os países defendem o princípio da soberania nacional e opõem-se a intervenções externas, uma postura reforçada pela liderança angolana na UA em 2025. A Argélia, um dos maiores produtores de gás natural em África e um actor influente no Magrebe, complementa os interesses angolanos no setor energético, onde Luanda busca diversificar parcerias para além da China e dos Estados Unidos. O memorando também abre portas para cooperação em áreas como defesa, com possíveis acordos para formação militar e troca de inteligência, e agricultura, onde a experiência argelina em culturas áridas pode beneficiar as províncias do sul de Angola.
Implicações do Acordo
O memorando insere-se na estratégia angolana de diversificação de parcerias externas, reduzindo a dependência de potências tradicionais como a China, que financia grande parte da dívida angolana (cerca de 20 mil milhões de dólares em 2024), e os EUA, que intensificaram laços com Luanda sob Joe Biden. A aproximação com a Argélia reflete o pragmatismo de Lourenço, que busca aliados com peso regional e alinhamento ideológico, mas sem os condicionalismos políticos impostos por potências ocidentais. Esta parceria também fortalece a posição de Angola como mediador em conflitos regionais, como o Processo de Luanda, que promove o diálogo entre a República Democrática do Congo e o Ruanda.
No plano económico, o acordo pode impulsionar o comércio bilateral, atualmente limitado (inferior a 500 milhões de dólares em 2023), mas com potencial em setores como petróleo, gás e minerais. A Argélia, que exportou 2,76 mil milhões de dólares para o Brasil em 2019, demonstra capacidade para parcerias comerciais robustas em África. Para Angola, a colaboração com Argel pode atrair investimentos em infraestruturas, como o Corredor do Lobito, um projecto estratégico apoiado pela UE e pelos EUA.
No entanto, a implementação do memorando enfrenta desafios. A burocracia angolana, a corrupção persistente e a instabilidade política na Argélia, onde a transição pós-Bouteflika permanece frágil, podem limitar os resultados práticos. Além disso, a falta de clareza sobre os mecanismos de consulta como a periodicidade das reuniões ou os setores prioritários pode relegar o acordo a um gesto simbólico, caso não haja compromisso político sustentado.
Angola como Actor Regional
O memorando com a Argélia reforça a ambição de Angola de se afirmar como um pilar de estabilidade em África. A presidência de Lourenço na UA em 2025 e o seu papel como facilitador designado para o diálogo Congo-Ruanda conferem a Luanda uma plataforma para influenciar a agenda continental. A política externa angolana, descrita como uma “diplomacia de jogo de cintura”, equilibra relações com potências globais (EUA, China, Rússia) e regionais (Argélia, África do Sul), mantendo a soberania como prioridade. Este pragmatismo é evidente em parcerias como o Global Gateway da UE, que inclui o Corredor do Lobito e o corredor logístico Sines-Barra do Dande com Portugal.
A parceria com a Argélia também posiciona Angola como um elo entre a África Subsariana e o Norte de África, regiões historicamente desconectadas. Esta ponte pode fortalecer a influência da UA em questões como a segurança no Sahel, onde a Argélia desempenha um papel central, e a transição energética, um tema prioritário para ambos os países face à pressão global por fontes renováveis.
Crítica à Estratégia Angolana
Embora o memorando seja um passo positivo, a política externa angolana enfrenta críticas por priorizar gestos diplomáticos em detrimento de resultados tangíveis. A diversificação de parcerias, embora estratégica, não tem traduzido em benefícios económicos imediatos para a população, que continua a lidar com a pobreza (cerca de 40% vivem abaixo do limiar da pobreza, segundo o PNUD). Além disso, a ênfase na estabilidade regional pode desviar recursos de reformas internas urgentes, como a melhoria do sistema de saúde e educação.
A aproximação com a Argélia, embora promissora, também levanta questões sobre a compatibilidade de interesses. A Argélia, focada em consolidar a sua influência no Magrebe e no Sahel, pode não priorizar Angola em igual medida, especialmente face às suas tensões com Marrocos e à instabilidade interna. Para que o memorando seja eficaz, Angola deve investir em mecanismos robustos de acompanhamento, como comissões bilaterais permanentes, e alinhar a parceria com as metas da Agenda 2063 da UA.
Conclusão
O Memorando de Consultas Políticas com a Argélia, assinado a 16 de Abril de 2025, é um marco na política externa angolana, reforçando o papel de Luanda como mediador regional e actor estratégico em África. O acordo alinha-se com a estratégia de diversificação de parcerias e consolidação da influência continental, mas a sua eficácia dependerá da capacidade de traduzir compromissos diplomáticos em resultados concretos. Num contexto de desafios internos, como desigualdades e pressões democráticas, Angola deve equilibrar a sua ambição regional com investimentos na governação doméstica. A parceria com a Argélia, se bem gerida, pode fortalecer a posição de Angola como ponte entre regiões africanas e defensor de uma ordem multipolar, mas exige pragmatismo, transparência e compromisso mútuo para alcançar o seu pleno potencial.