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Análise

Juventude e governação participativa: a hora de Angola é agora

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Recentemente, tive a honra de partilhar com os jovens do Otyoto um momento de reflexão profunda sobre Gestão e Governação Participativa em Angola. A sala estava repleta de energia, curiosidade e sede de mudança, sinais claros de que a nova geração não quer ser mera espectadora, mas protagonista na construção do futuro do país.

Em Angola, a Constituição da República consagra, no seu artigo 2.º, que somos um Estado democrático e de direito, fundado na soberania popular. No entanto, como sublinhei no workshop, a soberania só é real quando o cidadão participa activamente na definição e fiscalização das políticas públicas. Votar é importante, mas participar vai muito além da urna. Significa influenciar continuamente o curso das decisões que afectam as nossas vidas. Pierre Rosanvallon (2008) lembra que “participar não é apenas votar, mas influenciar continuamente o curso das acções públicas”.

1. A governação participativa como caminho

A governação participativa não é um luxo, mas uma exigência do nosso tempo. Ela garante que a voz da comunidade, sobretudo da juventude, ecoe nas estruturas de poder. Não basta gerir recursos com eficiência. Como defendem Koontz e O’Donnell (2012), gestão é “planear, organizar, liderar e controlar recursos para atingir objectivos”. É preciso ir além: governar com abertura, transparência e responsabilidade, criando canais de escuta e acção conjunta com a sociedade.

No workshop, destacámos que a governação participativa assenta em quatro princípios-chave: inclusão, transparência, responsabilização e eficácia. Sem eles, a democracia corre o risco de se tornar meramente formal. Como alerta Amartya Sen (1999), “a liberdade política carece de valor prático se não for acompanhada da capacidade real de participar nas escolhas colectivas”.

2. Ferramentas para uma participação efectiva

Os jovens do Otyoto compreenderam que existem mecanismos concretos para tornar a governação participativa uma realidade tangível:

Audiências Públicas, previstas na CRA pelo direito de petição (art. 105.º);

Orçamento Participativo, experiência que, como demonstrou Porto Alegre, no Brasil, aumentou a eficiência da aplicação dos recursos e a satisfação social;

Conselhos Comunitários, que, segundo Boaventura de Sousa Santos (2002), representam “o laboratório mais fértil para a reinvenção participativa do Estado”;

Consultas Populares e Referendos, garantidos pelo art. 159.º da CRA;

Plataformas Digitais, que, como lembra Manuel Castells (2000), “transformam o espaço público e potencializam a cidadania, mas podem excluir quem não tem acesso ou literacia digital”.

Estas ferramentas, porém, só terão impacto se houver cidadãos informados e preparados para utilizá-las. Aqui, o papel da educação cívica é central.

3. Desafios que precisamos enfrentar

Ainda enfrentamos grandes barreiras à participação cidadã: uma cultura política centralizada e vertical, défices de literacia cívica (INE, 2021), baixa conectividade e ausência de regulamentações robustas para alguns mecanismos de participação. Todavia, como recorda Paulo Freire (1970), “a educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo”.

É exactamente esta transformação que precisamos: uma juventude informada, capaz de fiscalizar, propor e agir colectivamente. O Otyoto pode e deve ser este espaço de formação e mobilização cívica.

4. As autarquias como oportunidade

O futuro próximo trará a implementação das autarquias locais, previstas no artigo 213.º da CRA e regulamentadas pela Lei n.º 15/17. Elas serão o nível de governação mais próximo do cidadão. Rondinelli (1999) observa que “a descentralização fortalece a democracia quando acompanhada de autonomia financeira, administrativa e política”. Para Angola, isto significa garantir que as autarquias não sejam apenas extensões do poder central, mas verdadeiros espaços de decisão local, com recursos e competências próprias.

5. A urgência da acção juvenil

Terminei o encontro citando Kofi Annan (2004): “Sem boa governação, não há desenvolvimento sustentável, nem democracia verdadeira”. Acrescentaria que sem juventude activa não há governação participativa real.

A juventude angolana precisa assumir o protagonismo histórico que lhe cabe. Como afirmou Nelson Mandela, “a educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo”. O conhecimento sobre gestão e governação participativa é parte dessa arma.

O Otyoto mostrou que Angola tem uma geração pronta para assumir este papel. O desafio agora é transformar potencial em prática, esperança em acção e discurso em resultados concretos. Não é apenas a hora de Angola, é a hora dos jovens angolanos.

Denílson Adelino Cipriano Duro é Mestre em Governação e Gestão Pública, com Pós-graduação em Governança de TI. Licenciado em Informática Educativa e Graduado em Administração de Empresas, possui uma sólida trajectória académica e profissional voltada para a governação, gestão de projectos, tecnologias de informação, marketing político e inteligência competitiva urbana. Actua como consultor, formador e escritor, sendo fundador da DL - Consultoria, Projectos e Treinamentos. É autor de diversas obras sobre liderança, empreendedorismo e administração pública, com foco em estratégias inovadoras para o desenvolvimento local e digitalização de processos governamentais.

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