Opinião
Governança judicial em Angola: justiça independente ou cativa do poder político?

A governança judicial é um dos pilares fundamentais do Estado de Direito e da democracia, pois garante a previsibilidade das decisões, a segurança jurídica e a protecção dos direitos fundamentais. Um sistema de justiça eficiente, transparente e acessível contribui significativamente para o desenvolvimento sustentável e a estabilidade social de uma nação (Ferraz Jr., 2003).
Em Angola, a administração da justiça é assegurada por duas entidades principais: o Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ) e o Conselho Superior da Magistratura do Ministério Público (CSMMP). Estes órgãos são responsáveis pela gestão da magistratura e pela defesa da independência dos tribunais, funcionando como pilares do sistema judicial. No entanto, o Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos (MINJDH) também desempenha um papel crucial, ao definir políticas públicas para a modernização do sector, gerir infra-estruturas judiciais e regulamentar os serviços de registo e notariado.
Apesar dos mecanismos institucionais existentes, Angola enfrenta desafios significativos no sector da justiça. A morosidade processual, a falta de padronização das decisões judiciais, a insuficiência de recursos humanos e materiais e a interferência política no sistema judicial são questões que comprometem a confiança dos cidadãos na justiça. Segundo Barzelay (2001), uma governança pública eficaz deve assegurar processos céleres, previsíveis e acessíveis, características que ainda carecem de fortalecimento no sistema judicial angolano.
Este artigo examina os diferentes modelos de administração dos tribunais a nível global, o papel do MINJDH na governança da justiça, os desafios da autonomia administrativa e financeira do Judiciário e a necessidade de melhorias na composição e actuação do Conselho Superior da Magistratura Judicial. O objectivo é propor reformas para um sistema mais eficiente, transparente e independente, capaz de responder às necessidades da sociedade angolana.
Modelos de Administração dos Tribunais no Mundo
A administração da justiça varia consoante a estrutura de governança adoptada por cada país. Segundo Sadek (2016), existem quatro modelos principais de gestão dos tribunais:
1. Modelo Judicial (Self-Administration): O próprio Poder Judicial gere os seus recursos, estabelece políticas administrativas e define o funcionamento interno dos tribunais. Países como Alemanha, Itália e Portugal adoptam este modelo, garantindo autonomia total aos tribunais e reduzindo a interferência do Executivo.
2. Modelo Executivo: A administração da justiça é da responsabilidade do Poder Executivo, geralmente através do Ministério da Justiça. Este modelo, utilizado na França e na Argentina, pode comprometer a independência judicial, na medida em que permite ao governo exercer influência directa sobre o funcionamento do sistema judicial.
3. Modelo de Conselho Superior da Magistratura: Um órgão independente, composto por magistrados e representantes de outras instituições, gere o sistema judicial. Este modelo, presente em países como Angola, Brasil, Espanha e França, visa equilibrar autonomia e controlo externo, reduzindo a influência do Executivo sobre o Judiciário.
4. Modelo Híbrido: Combina características dos modelos anteriores, permitindo diferentes níveis de participação do Judiciário e do Executivo. Países como Reino Unido e Canadá seguem esta abordagem, adaptando-a às suas especificidades institucionais.
O modelo angolano, baseado no Conselho Superior da Magistratura Judicial, procura garantir a autonomia do Poder Judicial. No entanto, enfrenta desafios estruturais que comprometem a sua plena efectividade. Segundo Cunha (2019), a independência judicial em Angola é limitada, pois o Executivo mantém forte influência na nomeação e gestão dos magistrados, o que pode comprometer a imparcialidade do sistema.
O Papel do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos
O Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos (MINJDH) desempenha um papel fundamental na administração da justiça em Angola, embora a gestão dos tribunais esteja a cargo do CSMJ e do CSMMP. As suas responsabilidades incluem:
1. Gestão Administrativa e Infra-estruturas Judiciais
O MINJDH é responsável pela construção, manutenção e modernização das infra-estruturas judiciais, assegurando que os tribunais disponham de instalações adequadas, equipamentos modernos e recursos humanos qualificados. Segundo Ferreira (2018), a eficiência da justiça não depende apenas dos magistrados, mas também de uma administração bem estruturada e de recursos adequados.
2. Modernização e Digitalização da Justiça
A modernização do sistema judicial é essencial para a redução da burocracia e o aumento da eficiência dos tribunais. Mendes (2017) sublinha que a digitalização dos processos judiciais permite maior celeridade na tramitação dos casos. Entre as iniciativas do MINJDH, destacam-se:
Implementação de um sistema de tramitação electrónica de processos, agilizando a gestão judicial e reduzindo a morosidade processual.
Criação do registo civil digital para facilitar o acesso dos cidadãos aos serviços jurídicos.
Expansão dos tribunais de comarca para garantir maior proximidade da justiça à população.
3. Formação e Capacitação de Magistrados e Profissionais da Justiça
O MINJDH, em colaboração com o CSMJ e o CSMMP, promove programas de formação para magistrados e outros profissionais da justiça. O objectivo é garantir uma actualização contínua sobre novas práticas judiciais, garantindo maior qualidade nas decisões.
A Composição e Actuação do Conselho Superior da Magistratura Judicial
O Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ) é o órgão responsável pela gestão da magistratura, nomeação e disciplina dos juízes. A sua composição actual inclui:
O Presidente do Tribunal Supremo, que também preside o CSMJ.
Magistrados judiciais eleitos pelos seus pares.
Representantes designados pelo Presidente da República e pela Assembleia Nacional.
Para tornar o Conselho mais democrático e independente, recomenda-se a inclusão de representantes da sociedade civil e da academia, garantindo maior pluralidade e transparência. A participação de juristas, professores universitários e membros de organizações da sociedade civil permitiria uma visão mais abrangente e menos corporativa na administração da justiça.
Este modelo contribuiria para um Conselho mais autónomo, menos politizado e mais comprometido com os interesses da sociedade. Além disso, para garantir um órgão verdadeiramente independente, seria necessário:
Reduzir a influência do Executivo na composição do CSMJ, aumentando a participação de magistrados eleitos e membros independentes.
Estabelecer mandatos não renováveis para os membros para evitar possíveis interferências políticas.
Criar mecanismos de transparência na nomeação e avaliação dos juízes para assegurar que as decisões do Conselho sejam públicas e justificadas.
Conclusão e Recomendações
A governança judicial em Angola necessita de reformas estruturais para garantir maior eficiência, transparência e independência. O MINJDH tem um papel fundamental na modernização do sistema, mas é essencial que o CSMJ tenha mais autonomia administrativa e financeira.
Para superar os desafios, recomenda-se:
Reforma na composição do CSMJ para incluir a sociedade civil e a academia.
Autonomia orçamental para o Judiciário para reduzir a dependência do Executivo.
Investimento na digitalização dos processos.
Se Angola avançar nessas reformas, poderá consolidar um sistema judicial mais eficiente, independente e digno da confiança dos cidadãos.