Opinião
A nova arquitectura de intervenção pública em instituições financeiras
Num prisma prático-legal, porventura, se pode afirmar que a intervenção pública em Instituições Financeiras Bancárias observa dois momentos distintos, conquanto correlacionados – um, pelo simples exercício dos poderes de supervisão (prudencial) e outro, condicionado, em parte, pela verificação de eventos adversos ao bom funcionamento do sistema financeiro – a intervenção stricto sensu a que se reporta o tema em análise. Dito de outro modo, na intervenção em Instituições Financeiras Bancárias (IFB’s), o Banco Nacional de Angola actua nas vestes de Autoridade de Supervisão (AS) e de Autoridade de Resolução (AR).
A supervisão bancária, diga-se, é igualmente vetusta tal e qual a actividade bancária – a existência desta suscitou a necessidade de criação daquela, no intuito de instituir regras que estabelecessem certa ordem na actividade e a consequente segurança nas relações daí advindas.
Enquanto AS, o Banco Nacional de Angola, na sua relação com as IFB’s, emite instrumentos jurídico-organizacionais, relacionais e funcionais, a que devem rigorosamente conformar, sob pena de incorrerem em infracção e desencadearem riscos para a actividade.
Neste âmbito, para que uma instituição seja constituída, o Banco Nacional de Angola estabelece determinados requisitos, tais como: caracterizar o tipo de instituição financeira bancária a constituir e apresentar projecto de estatutos; identificar os accionistas, directos e indirectos, pessoas singulares ou colectivas, que detenham participações qualificadas e os montantes dessas participações, incluindo a identidade do último beneficiário ou beneficiários efectivos, ou, caso não existam participações qualificadas, identificação de todos os accionistas; exposição fundamentada sobre a adequação da estrutura accionista à estabilidade da instituição financeira bancária.
Impõe-se-lhes também a apresentação de documentos comprovativos da idoneidade dos accionistas, incluindo beneficiários efectivos últimos, no que for susceptível de, directa ou indirectamente, exercer influência significativa na actividade da instituição, bem como, comprovativo da proveniência dos fundos utilizados na subscrição do capital.
Uma vez concedida a autorização, o Banco Nacional de Angola exerce supervisão «sucessiva», orientada pelos objectivos da regulação e supervisão observando as recomendações emanadas pelos organismos internacionais de referência em matéria de supervisão, designadamente: preservação da solvabilidade e da liquidez das Instituições Financeiras e prevenção de riscos; prevenção de riscos sistémicos; controlo da idoneidade dos membros dos órgãos de administração, gestão e fiscalização, das pessoas que gerem efectivamente a actividade das instituições financeiras e dos detentores de participações qualificadas, de acordo com os critérios definidos no Regime Geral das Instituições Financeiras (LRGIF), aprovado pela Lei n.º 14/21, de 19 de Maio, respectivos regulamentos e em legislação complementar, com vista à manutenção, a tempo integral, de uma gestão sã e prudente da instituição financeira. Sendo, aliás, que as IFB’s devem nortear a sua actividade pelo princípio geral relativo as normas prudenciais, que consiste em “aplicar os fundos de que dispõem de modo a assegurar a todo o tempo níveis adequados de liquidez e solvabilidade”.
Com a emissão de normas prudenciais, o Banco Nacional de Angola fiscaliza a actividade por meio de inspecções off-site e on-site, e em caso de identificação de irregularidades, pode «intervir» para corrigir ou nomear administradores provisórios.
Ora, a intervenção pública pode ser feita por três vias: intervenção correctiva, administração provisória e resolução.
I. Intervenção Correctiva
Trata-se de uma medida de intervenção pública, que num quadro de superficial desequilíbrio de uma instituição financeira, quiçá se afigure mais conveniente accionar.
Sendo, porventura, a medida de intervenção pública menos intrusiva, a intervenção correctiva consiste na adopção de medidas susceptíveis de fazer face à volatilidade financeira da instituição que se verifique intermitentemente ou se prolongue por períodos que suscitem preocupação por parte do organismo de supervisão, mas que não obriguem já aplicação de medida mais enérgica.
A intervenção correctiva tem fundamento legal no n.º 1 do artigo 242.º do RGIF, nos termos do qual, «quando uma Instituição Financeira se encontre numa situação de desequilíbrio financeiro ou em risco de o ficar, não cumprir, esteja em risco de não cumprir, normas legais ou regulamentares que disciplinem a sua actividade». Decorre da necessidade de, após diagnóstico negativo da situação financeira de uma instituição, acompanhá-la mais proximamente, de formas a contornar a situação e evitar a agudização. Suscita, pois, preocupação, uma vez que os fundos próprios se reduziram para um nível inferior ao mínimo legal ou ter-se-á incumprido os rácios de solvabilidade ou de liquidez aplicáveis. Reputa-se a factos eventualmente considerados efémeros, conquanto inquietantes, que justificam acompanhamento mais detido.
Compreende um rol mais ou menos extenso de medidas, como a necessidade de elaboração de plano de recuperação por parte da IFB objecto da medida, pelo que se pode afirmar que constitui fase avançada do acompanhamento directo levado a cabo pela supervisão prudencial, com a diferença de a primeira estar condicionada à verificação de certo evento nefasto e a segunda ocorrer pelo simples exercício dos poderes de supervisão, visto que as medidas que a materializam, embora já num momento mais sensível, não sejam, especificamente tão gravosas como as homólogas de administração provisória e, sobretudo, de resolução.
Da aplicação da medida de intervenção correctiva pode resultar a destituição ou substituição dos membros dos órgãos de administração e fiscalização, se os mesmos deixarem de preencher os requisitos de idoneidade, qualificação profissional, independência ou disponibilidade. Note-se, que, a destituição ou substituição está condicionada à verificação dos factos supra referenciados, e não goza da mesma autonomia que na medida de Administração Provisória.
II. Administração Provisória
Entre a medida de intervenção correctiva e a medida de administração provisória há, de certo modo – embora não estritamente condicionada -, relação de precedência – pelo menos é a inferência que se pode ter da letra da alínea a) do n.º 1 do artigo 246.º “O Banco Nacional de Angola pode suspender ou destituir membros do órgão de administração da Instituição Financeira Bancária quando: a) As medidas de intervenção correctiva previstas no artigo 242.º, se revelem insuficientes ou exista o justo receio da sua insuficiência para ultrapassar a situação de deterioração significativa da instituição e a respectiva recuperação financeira”.
A Administração Provisória ocorre num momento em que a situação de desequilíbrio financeiro ter-se-á agudizado ou, simplesmente, pelo facto de, diante da situação, os membros dos órgãos de gestão ou de fiscalização não oferecerem segurança, capacidade técnica ou idoneidade para continuarem a exercer as funções na instituição.
De referir que, os demais órgãos sociais mantêm as funções, porém, pode a administração provisória vetar as suas deliberações. Os poderes da administração provisória são voláteis, reduzem-se a uma actuação necessária à prossecução das actividades, sobretudo tendentes a conter e contornar breve e possível, a situação de desequilíbrio, pelo que o Banco Nacional de Angola pode a qualquer momento destituir os administradores, ficando estes obrigados a fornecer de imediato as informações, bem como prestar a colaboração que lhe seja exigida.
Entretanto, não sendo, com a intervenção correctiva e a administração provisória resolvidas as irregularidades, a IFB a qual sejam identificados problemas financeiros, passa aos cuidados da AR.
III. Resolução
As medidas de resolução, surgem no dealbar da segunda década do século XXI, que foi particularmente desafiante para o subsector bancário, devido a factos herdados da primeira, a crise financeira 2007-2008, que, consequentemente, despoletaram a falência em massa de instituições financeiras bancárias, convocando as autoridades internacionais de supervisão a uma ponderação sobre a eficácia dos moldes da supervisão bancária e do exercício do próprio poder de supervisão.
Foi, pois, neste sentido, que, após a sua criação, em 2009, o Financial Stability Board (Conselho de Estabilidade Financeira), assumiu papel fundamental na promoção de reforma da regulação e da supervisão financeira internacional, tendo, hoje, como atribuições de extremo – dentre outras – estabelecer padrões internacionais à gestão de crises e regimes de resolução – igualmente conhecidas, tipicamente, como o título da abordagem sugere.
Ora, num confronto entre as disposições dos artigos 4.º (Bases de confiança, solidez e estabilidade) e 26.º (Objectivos da regulação e supervisão) com as do n.º 1 do artigo 240.º (Princípios gerais), todos do RGIF, inferiremos estarem as medidas de intervenção pública relacionadas aos princípios gerais e orientadores da regulação e supervisão, bem assim aos objectivos da regulação e supervisão. Atente-se que umas e outras fundam-se na «solidez das Instituições Financeiras, nos interesses dos depositantes e na estabilidade do sistema financeiro», o que nos leva, por osmose, a inferir haver harmonia entre as acções de supervisão a montante e a jusante.
Às medidas de resolução, dado visarem, por um lado, conter ou frustrar acções que potencialmente comprometam o normal funcionamento de uma IFB e do sistema financeiro e melhorar a saúde financeira, por outro lado, pôr término a actividade apartando o Estado do ónus de financiar as medidas, é possível, eventualmente, atribuir-se-lhes, pendor regenerador-peremptório.
As medidas de resolução são actos administrativos exercitáveis no âmbito de poderes discricionários, ou seja, praticados por mérito administrativo. Assiste a ar ponderar os aspectos relativos à conveniência e à oportunidade do acto., avaliar a conveniência e a oportunidade relativas ao motivo e ao objecto, inspiradoras da prática do acto discricionário, pelo que, não são objecto de sindicância, no que a competência, a finalidade e a forma respeita, conquanto é lícito valorar os factores que integram o motivo e constituem o seu objecto.
A resolução bancária é accionada “quando uma fnstituição financeira bancária esteja em risco iminente e sério de falência e que desse facto resulte o risco de contágio para outras fnstituições financeiras que operam no mercado ou coloque em risco a continuidade da prestação de serviços indispensáveis à economia (funções críticas).
Medidas de Resolução – Tipos e Fundamento Legal
As medidas de resolução – alienação parcial ou total da actividade a outra instituição autorizada a desenvolver a actividade em causa; transferência, parcial ou total, da actividade a uma ou mais Instituições Bancárias de transição; segregação e transferência parcial ou total da actividade para veículos de gestão de activos; e recapitalização interna «bail-in» – são aplicadas no propósito de prosseguir as finalidades previstas no artigo 249.º do RGIF, quais sejam: assegurar a continuidade da prestação dos serviços financeiros relevantes para a economia; acautelar o risco sistémico prevenindo a ocorrência de consequências graves para a estabilidade financeira, e mantendo a disciplina no mercado; salvaguardar os interesses dos contribuintes e do erário público minimizando o recurso a apoio financeiro público extraordinário; salvaguardar a confiança dos depositantes, protegendo os depósitos que estejam garantidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos; e proteger os fundos e os activos detidos pelas Instituições Bancárias em nome e por conta dos seus clientes e a prestação dos serviços de investimento relacionados.
Ficam, desta sorte, dependentes do preenchimento de diversos pressupostos, além dos previstos no n.º do artigo 251.º do RGIF, a saber: que tenha sido declarado pelo Banco Nacional de Angola, no exercício das suas funções de autoridade de supervisão ou de resolução, que uma Instituição Financeira Bancária está em risco ou em situação de insolvência; não seja previsível que a situação de insolvência seja evitada num prazo razoável através do recurso a medidas executadas pela própria Instituição Financeira Bancária, da aplicação de medidas de intervenção correctiva ou do exer- cício dos poderes previstos no artigo 255.º; as medidas de resolução sejam necessárias e proporcionais à prossecução de alguma das finalidades previstas no n.º 1 do artigo 249.º; a entrada em liquidação da Instituição Financeira Bancária, por força da revogação da autorização para o exercício da sua actividade, não permita atingir com maior eficácia as finalidades previs- tas no n.º 1 do artigo 249.º.
O risco sério de não cumprir os requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da sua actividade, verifica-se quando: a Instituição Financeira Bancária tiver tido prejuízos ou haja fundadas razões para considerar que a curto prazo possa vir a ter prejuízos susceptíveis de consumir o respectivo capital social; os activos da Instituição Financeira Bancária se tornem inferiores ou haja fundadas razões para considerar que a curto prazo se tornem inferiores às respectivas obrigações; a Instituição Financeira Bancária estiver impossibilitada de cumprir as suas obrigações, ou haja fundadas razões para considerar que a curto prazo o possa ficar; plano de reestruturação, não for suficiente para a resolução dos problemas da Instituição; seja necessária a concessão de apoio financeiro público extraordinário, excepto quando esse apoio se destine a prevenir ou conter uma perturbação grave da economia e haja necessidade de preservar a estabilidade financeira, consista na: i. concessão, pelo Estado, de garantias pessoais ao cumprimento das obrigações assumidas em contratos de financiamento, incluindo em operações de crédito junto do Banco Nacional de Angola e em novas emissões de obrigações; ii. na realização de operações de capitalização, com recurso ao investimento público, de acordo com a legislação aplicável, desde que não se verifique, no momento em que o apoio público extraordinário é concedido, alguma das circunstâncias referidas no RGIF.
Em suma, as medidas de intervenção pública em IFB’s, embasam-se nos princípios da proporcionalidade, necessidade e adequação e são limitadas pelas próprias finalidades; por outro lado, reportam-se a questões de interesse público e, embora não na proporção integral idealizável, constituem, com realce para a resolução, mais-valia, dado exonerarem o Estado de despesas advindas de actos de negligencia e irresponsabilidade de terceiros e contribuírem para a estabilidade do sistema financeiro.
