Opinião
A gestão da percepção das políticas públicas em Angola

A formulação de políticas públicas em Angola tem sido, historicamente, um exercício que oscila entre a necessidade de atender às demandas reais da população e a busca por consolidar a popularidade dos líderes políticos. No entanto, muitas dessas políticas falham não por falta de recursos ou viabilidade técnica, mas porque não são percebidas como respostas directas às necessidades concretas do povo. A percepção pública, muitas vezes negligenciada na implementação de políticas, desempenha um papel determinante na sua aceitação e eficácia.
Como afirmam Berger e Luckmann (1966), “a realidade social é construída por meio da interacção e da percepção dos indivíduos”, o que significa que políticas públicas eficazes precisam de considerar não apenas indicadores económicos e administrativos, mas também a forma como são compreendidas pela sociedade. Quando há uma desconexão entre a política pública e a percepção popular, a consequência inevitável é a rejeição ou a indiferença, o que compromete os resultados esperados e enfraquece a confiança nas instituições.
A percepção popular e a Pirâmide de Maslow: necessidades não atendidas
A teoria da hierarquia das necessidades de Maslow ensina-nos que os seres humanos priorizam as necessidades básicas – como alimentação, segurança e saúde – antes de atenderem a demandas mais complexas, como reconhecimento social e autorrealização. Segundo Maslow (1943), “uma necessidade satisfeita deixa de ser um motivador do comportamento humano”. Ou seja, qualquer política pública que não resolva os problemas essenciais da população terá pouco impacto na melhoria da qualidade de vida e será percebida como irrelevante ou desconectada da realidade.
Em Angola, essa desconexão entre políticas e necessidades é evidente. Enquanto se promovem projectos de grande impacto mediático – como infra-estruturas de grande escala, eventos internacionais e programas de modernização tecnológica –, uma parte significativa da população enfrenta desafios diários como a falta de água potável, o acesso precário à electricidade e um sistema de saúde insuficiente. Como observa Amartya Sen (1999), “o desenvolvimento deve ser avaliado menos pelo crescimento do PIB e mais pela expansão das liberdades reais das pessoas”.
Esta abordagem sugere que políticas públicas eficazes devem priorizar a solução de problemas básicos antes de investir em projectos que, apesar de modernos e grandiosos, não resolvem os desafios quotidianos da população. No entanto, em muitos casos, a escolha das prioridades governamentais está mais alinhada com interesses políticos e eleitorais do que com a melhoria real das condições de vida.
Estudos de Sondagem Eleitoral e a Gestão Estratégica da Percepção
A política moderna depende fortemente da análise de dados e da compreensão das tendências da opinião pública. Estudos de sondagens eleitorais são ferramentas essenciais para avaliar a aceitação das políticas públicas, prever o comportamento do eleitorado e ajustar estratégias de comunicação. No entanto, em Angola, a percepção dos cidadãos sobre as políticas implementadas raramente é considerada no processo de decisão.
Segundo Pierre Bourdieu (1973), “a opinião pública não existe enquanto um conjunto homogéneo, mas é construída a partir das relações de poder e das percepções que se tornam dominantes”. O que se observa no país é a implementação de políticas públicas sem uma consulta efectiva aos cidadãos, sem estudos profundos sobre as suas reais preocupações e, muitas vezes, sem mecanismos eficazes de monitoramento e avaliação do impacto das decisões governamentais.
O resultado dessa abordagem? Políticas que são vistas como distantes, ineficazes ou mesmo como estratégias eleitorais disfarçadas de acções governativas. A sociedade percebe quando uma medida é adoptada apenas para gerar capital político e não para resolver problemas estruturais. Essa falta de alinhamento entre expectativa e realidade gera frustração, desconfiança e, em muitos casos, desobediência civil.
Popularidade vs. Eficácia das Políticas Públicas: Um equilíbrio frágil
A popularidade política pode ser artificialmente elevada através de discursos persuasivos, campanhas de marketing bem estruturadas e um controle estratégico da informação disseminada. No entanto, sem resultados concretos e visíveis para a população, esse efeito é efémero. Quando as políticas não conseguem produzir mudanças tangíveis, a percepção pública tende a deteriorar-se, e os líderes que antes gozavam de aceitação popular podem rapidamente perder credibilidade.
Como alerta Habermas (1984), “a legitimidade do poder político depende da sua capacidade de criar um consenso fundamentado no diálogo e na participação pública”. Isso significa que governos que ignoram a percepção popular e que não conseguem alinhar as suas políticas às reais necessidades do povo inevitavelmente enfrentarão crises de legitimidade.
Para evitar esse cenário, a gestão da percepção deve ser contínua e autêntica, baseada em pesquisas de campo, diálogo social e um acompanhamento real do impacto das políticas implementadas. Segundo David Easton (1965), “o sistema político sobrevive enquanto conseguir converter inputs sociais em políticas eficazes que gerem outputs aceites pela população”. Isso significa que a eficácia política não está apenas na formulação das medidas, mas na forma como são percebidas e apropriadas pelos cidadãos.
O perigo das Políticas Simbólicas: Quando a Propaganda substitui a acção
Outro problema recorrente na formulação de políticas públicas em Angola é a prevalência das chamadas políticas simbólicas, que são medidas adoptadas não para resolver um problema concreto, mas para transmitir uma mensagem política ou para responder a uma pressão social momentânea. Essas políticas, geralmente, são de curto prazo, têm pouca efectividade e visam mais a manutenção da imagem do governo do que a melhoria real da vida dos cidadãos.
Como destaca Gramsci (1971), “o verdadeiro poder não é apenas o poder do Estado, mas a capacidade de criar consenso e hegemonia na sociedade civil”. No entanto, quando a gestão da percepção se baseia apenas em estratégias de comunicação e não em políticas efectivas, a longo prazo, o descontentamento popular cresce, e os cidadãos tornam-se mais críticos e exigentes.
O problema das políticas simbólicas é que elas criam expectativas que não são cumpridas. Um exemplo clássico são os anúncios de grandes investimentos e reformas estruturais que nunca saem do papel ou que, quando implementados, não alcançam os resultados prometidos. Esse ciclo de promessas e frustrações contribui para a erosão da confiança nas instituições e reduz a capacidade do Estado de mobilizar a população em torno de objectivos colectivos.
Conclusão: o futuro das Políticas Públicas em Angola
A eficácia das políticas públicas em Angola não pode ser medida apenas pela sua execução técnica ou pelo seu impacto mediático. É essencial que as decisões governamentais sejam baseadas em dados reais, em análises aprofundadas da percepção popular e em um compromisso genuíno com a resolução dos problemas do povo.
A falta de alinhamento entre políticas públicas e necessidades reais tem consequências graves, incluindo o aumento da desigualdade social, a falta de confiança nas instituições e o enfraquecimento da participação cívica. Como afirma Amartya Sen (1999), “o desenvolvimento verdadeiro não pode ser imposto de cima para baixo, mas deve ser um processo inclusivo e participativo”.
Diante disso, fica o desafio para os formuladores de políticas: escutem a sociedade antes de decidir por ela. A popularidade pode ser construída com discursos, mas a legitimidade só se sustenta quando a percepção do povo reflete uma melhoria real nas suas condições de vida. O futuro da governação depende, portanto, da capacidade de transformar promessas em realidades e percepções em progresso concreto.