Opinião
O controlo de armas pelas empresas privadas de segurança em Angola: desafios e implicações

Nos últimos anos, Angola tem vindo a reforçar o controlo sobre a posse e uso de armas de fogo pelas empresas privadas de segurança. Este processo reflecte não só a necessidade de regulamentação de um sector vital para a protecção de bens e pessoas, mas também a tentativa do Estado de equilibrar a segurança privada com a política de desmilitarização progressiva. No entanto, a implementação destas medidas enfrenta desafios significativos, que vão desde questões económicas até lacunas institucionais que limitam a eficácia da fiscalização.
As empresas privadas de segurança desempenham um papel essencial na segurança de infraestruturas críticas, transporte de valores e protecção de personalidades, um reflexo da crescente necessidade de serviços especializados, sobretudo nas grandes cidades angolanas. No entanto, a posse de armamento por parte destas empresas levanta questões sensíveis relacionadas com o risco de desvio de armas para o crime organizado e a potencial erosão do monopólio da força pelo Estado.
O Novo Paradigma da Regulamentação
Actualmente, a legislação angolana regula de forma clara o tipo de armamento permitido às empresas privadas de segurança. O Decreto Presidencial n.º 225/17 estabelece que estas entidades podem possuir apenas armas de defesa, tais como pistolas semi-automáticas de calibre não superior a 7,65 mm, revólveres com cano inferior a 10 cm e espingardas de alma lisa de calibre moderado. Para actividades de transporte de valores, o arsenal pode incluir carabinas e espingardas de calibres específicos.
Estas restrições visam evitar que empresas privadas disponham de armamento que possa competir com as forças de Defesa e Segurança do Estado. Contudo, a realidade prática tem mostrado que muitas empresas ainda operam com armas de guerra, adquiridas antes da entrada em vigor da legislação atual. A transição para armamento menos letal tem sido lenta e, em muitos casos, economicamente inviável para diversas empresas, que alegam custos elevados na substituição das armas em uso.
Além da limitação do tipo de armamento, as empresas de segurança privada estão sujeitas a rigorosos processos de licenciamento. A autorização para aquisição de armas deve ser solicitada à Polícia Nacional, que pode limitar a quantidade de armamento por empresa, de acordo com uma análise de necessidade e risco. Os vigilantes, por sua vez, devem possuir uma licença individual de porte de arma, sujeita a renovação anual, com base em critérios como antecedentes criminais e formação específica.
Desafios e Riscos Associados
Apesar da estrutura legal bem definida, a fiscalização da aplicação das normas enfrenta desafios significativos. O primeiro grande entrave é a dificuldade em assegurar que todas as empresas privadas de segurança cumprem integralmente a legislação. Há relatos de empresas que continuam a utilizar armas de calibres proibidos, muitas vezes justificando a necessidade de maior poder de fogo para operar em áreas de alto risco.
Outro problema relevante é o risco de desvio de armas para o mercado negro. A existência de um grande volume de armamento nas mãos do setor privado aumenta a vulnerabilidade a furtos, extravios ou até corrupção interna, permitindo que armas acabem por alimentar o crime organizado. A implementação de mecanismos de rastreabilidade e controlo de inventário é essencial, mas, para ser eficaz, exige uma fiscalização constante e um investimento tecnológico que muitas empresas não estão dispostas a fazer.
A segurança privada, quando mal regulada, pode tornar-se um fator de instabilidade, sobretudo em contextos de crise política ou social. Em vários países africanos, há precedentes de empresas de segurança privada envolvidas em atividades paramilitares, assumindo funções que deveriam ser exclusivas do Estado. Embora este cenário não seja, até ao momento, uma realidade em Angola, é fundamental que a regulamentação evolua para evitar qualquer tipo de ameaça ao monopólio legítimo da força pelo Estado.
O Caminho para uma Segurança Privada Sustentável
O sector da segurança privada em Angola precisa de modernizar-se, garantindo que a sua actividade complementa a segurança pública sem representar um risco para a estabilidade nacional. Para tal, é necessário:
Reforço da fiscalização e aplicação da lei – A Polícia Nacional deve intensificar inspecções regulares às empresas privadas de segurança, assegurando que estas cumprem integralmente os requisitos legais sobre armamento.
Investimento na digitalização do controlo de armas – A introdução de tecnologias como rastreamento de armas por código QR ou sistemas de monitorização digital pode reduzir o risco de desvio de armamento para fins ilícitos.
Revisão da legislação com enfoque na sustentabilidade financeira – A substituição de armas de guerra por armamento menos letal deve ser uma prioridade, mas o Estado deve considerar incentivos fiscais ou linhas de crédito para empresas que comprovem dificuldades económicas na transição.
Melhoria da formação dos vigilantes – O nível de formação dos profissionais da segurança privada deve ser reforçado, garantindo que estes possuem não só treino adequado no uso de armas, mas também conhecimento sobre gestão de conflitos e direitos humanos.
Conclusão
A regulamentação da posse e uso de armas pelas empresas privadas de segurança em Angola representa um avanço importante no fortalecimento do Estado de Direito e na prevenção de riscos de militarização do setor privado. No entanto, a implementação das normas ainda enfrenta desafios significativos, desde a resistência do setor empresarial até à capacidade de fiscalização do Estado.
Para garantir que a segurança privada continue a desempenhar um papel positivo sem comprometer a estabilidade do país, é necessário um compromisso conjunto entre o governo, as empresas e a sociedade civil. Somente através de um equilíbrio entre segurança, transparência e desenvolvimento sustentável será possível criar um ambiente onde a segurança privada actua de forma eficiente e alinhada com os interesses nacionais.