Ligar-se a nós

Opinião

Separar a água da energia: uma solução estratégica para o colapso dos recursos em Angola?

Publicado

em

A gestão eficiente dos recursos naturais é fundamental para o desenvolvimento sustentável de qualquer nação. Em Angola, a distribuição de água potável e a geração de energia eléctrica são desafios estruturais que impactam directamente o crescimento económico e a qualidade de vida da população. Actualmente, ambos os sectores estão sob a responsabilidade do Ministério da Energia e Águas (MINEA), um modelo administrativo que centraliza a regulação, a formulação de políticas públicas e a implementação de projectos. No entanto, essa estrutura unificada pode apresentar limitações, já que a água e a energia possuem dinâmicas e desafios próprios, demandando estratégias e investimentos distintos.

A separação da gestão desses sectores poderia resultar em ganhos significativos em eficiência, transparência e especialização, possibilitando um melhor planeamento a longo prazo e uma maior capacidade de atracção de investimentos. Especialistas defendem que a especialização institucional é um factor determinante para o sucesso de políticas públicas eficazes. Segundo Elinor Ostrom (1990), vencedora do Prémio Nobel da Economia, “instituições públicas bem estruturadas e especializadas são mais eficazes na administração de bens comuns, pois reduzem conflitos de interesse e permitem uma governação mais adaptativa.”

Com o crescimento populacional e o aumento da procura por recursos essenciais, a modernização da governação hídrica e energética torna-se uma necessidade estratégica para Angola. Países com desafios semelhantes implementaram reformas institucionais que resultaram em melhorias significativas na prestação de serviços. Diante desse cenário, é essencial discutir se Angola deveria seguir o mesmo caminho, criando um Ministério específico para Recursos Hídricos e Saneamento, enquanto o MINEA se concentraria exclusivamente na gestão da energia.

Além disso, uma alternativa viável seria a incorporação do sector energético ao Ministério dos Recursos Minerais, Petróleo e Gás (MIREMPET), uma vez que as tendências globais apontam para uma crescente convergência entre os sectores de energia e recursos minerais, especialmente no que se refere à transição para energias renováveis. O MIREMPET é o departamento ministerial responsável pela formulação, condução, execução, controlo e acompanhamento da política do Executivo relativa às actividades geológicas e minerais, de petróleo, gás e biocombustíveis, abrangendo a prospecção, exploração, desenvolvimento e produção de minerais, petróleo bruto e gás, além da refinação, petroquímica, armazenagem, distribuição e comercialização de produtos minerais e petrolíferos. A integração da energia com os combustíveis fósseis e minerais estratégicos poderia fortalecer a diversificação da matriz energética e facilitar a atracção de investimentos para fontes sustentáveis, como solar, eólica e hidroeléctrica.

Os Desafios do Saneamento Básico em Angola e a Saúde Pública

O saneamento básico em Angola continua a ser um grande desafio para o desenvolvimento sustentável e para a saúde pública. A falta de infra-estruturas adequadas para o tratamento e distribuição de água potável, bem como para a gestão de resíduos e esgotos, impacta directamente a qualidade de vida da população. De acordo com Silva (2021), “o acesso limitado ao saneamento básico está directamente ligado ao aumento de doenças de origem hídrica, como a cólera, a diarreia e a malária, que afectam especialmente crianças e idosos em comunidades vulneráveis.”

Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que milhões de angolanos ainda vivem sem acesso a água tratada e sem sistemas adequados de esgoto, o que contribui para surtos de doenças e sobrecarga no sistema de saúde pública. A urbanização acelerada, sem planeamento adequado, tem levado ao crescimento de bairros informais sem redes de saneamento, agravando problemas de contaminação de águas subterrâneas e expondo a população a elevados riscos sanitários. Segundo Gleick (2003), “o fornecimento seguro de água e saneamento é um dos factores mais importantes para reduzir a mortalidade infantil e melhorar a qualidade de vida nos países em desenvolvimento.”

A separação da gestão da água e da energia poderia facilitar a implementação de políticas mais eficazes para o saneamento básico, permitindo maior investimento em infra-estruturas, programas de educação sanitária e fiscalização da qualidade da água. Além disso, um Ministério específico para Recursos Hídricos e Saneamento teria maior capacidade de articulação com o sector da saúde, promovendo soluções integradas para a redução de doenças e melhoria das condições de vida da população angolana.

Por que separar a Gestão da Água e da Energia?

A gestão integrada da água e da energia pode gerar conflitos administrativos, pois ambos os sectores competem por recursos financeiros, investimentos e atenção política. Para Naughton (2018), sistemas administrativos sobrecarregados tendem a ser menos eficientes, pois lidam com múltiplas demandas que exigem soluções técnicas especializadas. Ao dividir as responsabilidades, cada ministério poderia desenvolver políticas mais focadas, maximizando o impacto das acções governamentais.

A criação de um Ministério específico para Recursos Hídricos e Saneamento permitiria um planeamento mais detalhado das infra-estruturas de abastecimento, reduzindo perdas de água e ampliando a cobertura para áreas rurais e urbanas. Além disso, uma estrutura exclusiva para a regulação do sector hídrico facilitaria a implementação de um sistema de monitorização e fiscalização mais eficaz, combatendo problemas como desperdício e falta de manutenção das redes de distribuição.

No sector energético, a especialização do MINEA poderia resultar em avanços na diversificação da matriz energética e na ampliação da electrificação nacional. No entanto, outra abordagem mais alinhada às tendências globais seria a transferência da gestão energética para o MIREMPET. Com a crescente transição para energias renováveis e o aproveitamento de recursos naturais estratégicos, essa fusão permitiria uma gestão mais integrada das infra-estruturas de exploração, produção e distribuição de energia, optimizando investimentos e garantindo um planeamento energético mais sustentável. Segundo Pahl-Wostl et al. (2007), “a governação eficaz dos recursos naturais depende de instituições flexíveis e bem delimitadas, capazes de se adaptar às mudanças tecnológicas e ambientais.”

Os Benefícios de um Modelo mais Especializado

1. Foco e Especialização: Cada ministério poderia concentrar-se exclusivamente nos desafios do seu sector, garantindo mais eficiência na implementação de políticas públicas. Segundo North (1990), sistemas institucionais bem estruturados reduzem custos de transacção e melhoram a previsibilidade das políticas públicas.

2. Governação Transparente e Eficiente: A alocação de recursos seria feita de forma mais clara e objectiva, sem conflitos de interesse entre os sectores da água e da energia. Williamson (1996) argumenta que a governação eficiente exige regras bem definidas e uma separação clara de competências.

3. Maior Capacidade de Investimento: A clareza institucional aumenta a confiança de investidores e parceiros internacionais, facilitando a captação de recursos para infra-estruturas. Segundo Mazzucato (2013), um ambiente institucional sólido é fundamental para atrair investimentos de longo prazo.

4. Eficiência Operacional e Regulatória: Projectos estratégicos, como a construção de barragens para abastecimento humano e geração hidroeléctrica, poderiam ser coordenados de forma mais eficaz entre dois ministérios distintos. Gleick (2003) destaca que a descentralização na gestão dos recursos hídricos melhora a resiliência do sistema e reduz riscos operacionais.

Portanto, a separação da gestão da água e da energia pode ser vista não apenas como uma medida administrativa, mas como um passo estratégico em busca de maior eficiência, especialização e uma governação mais transparente e responsiva. Se implementada de forma cuidadosa e com a devida atenção às especificidades de cada sector, essa reforma poderá criar as condições necessárias para que Angola avance para um futuro mais sustentável, resiliente e inclusivo.

Denílson Adelino Cipriano Duro é Mestre em Governação e Gestão Pública, com Pós-graduação em Governança de TI. Licenciado em Informática Educativa e Graduado em Administração de Empresas, possui uma sólida trajectória académica e profissional voltada para a governação, gestão de projectos, tecnologias de informação, marketing político e inteligência competitiva urbana. Actua como consultor, formador e escritor, sendo fundador da DL - Consultoria, Projectos e Treinamentos. É autor de diversas obras sobre liderança, empreendedorismo e administração pública, com foco em estratégias inovadoras para o desenvolvimento local e digitalização de processos governamentais.

Radio Correio Kianda




© 2017 - 2022 Todos os direitos reservados a Correio Kianda. | Este material não pode ser publicado, transmitido por broadcast, reescrito ou redistribuído sem prévia autorização.
Ficha Técnica - Estatuto Editorial RGPD