Análise
União Africana no G20: o reposicionamento estratégico de África no tabuleiro global
A entrada da União Africana (UA) como membro permanente do G20, formalizada na cimeira de Nova Deli em 2023, marca um dos movimentos geopolíticos mais relevantes da última década. Representando 55 Estados e cerca de 1,2 mil milhões de habitantes, o continente africano passa a ocupar, pela primeira vez, um assento institucionalizado no principal fórum de coordenação económica global.
A decisão rompe com um longo período em que a África do Sul figurava como a única voz africana entre as grandes economias. A presença da UA altera, assim, a geometria do poder dentro do G20, acrescentando um bloco demográfico e económico de peso crescente — um mercado avaliado em 2,8 biliões de dólares e detentor de recursos estratégicos essenciais para as cadeias de valor do século XXI.
Criado em 1999, o G20 reúne actores centrais como China, Estados Unidos, Índia, Rússia, Turquia e outros. Juntos, concentram dois terços da população mundial e cerca de 75% do comércio global. A incorporação da União Africana não apenas reforça a legitimidade do grupo, mas responde a uma pressão internacional crescente por maior representatividade do Sul Global nos processos de decisão global.
A cimeira de Johanesburgo — a primeira em território africano — simbolizou esse novo momento. Sob o lema “solidariedade, equidade e sustentabilidade”, o encontro destacou prioridades que dialogam directamente com os desafios africanos: resiliência climática, sustentabilidade da dívida e financiamento da transição energética. A centralidade desses temas evidencia a tentativa de alinhar a agenda global com as necessidades reais dos países do Sul global.
Para África, a integração no G20 representa novas oportunidades. Além de dar aos investidores estrangeiros uma porta de entrada mais directa nos mercados africanos, oferece ao continente um espaço para influenciar políticas comerciais, defender acordos mais equitativos e fortalecer a cooperação económica global. A UA ganha também uma posição estratégica para impulsionar iniciativas como a Zona de Comércio Livre Continental Africana (AfCFTA).
Durante a cimeira de Johanesburgo, a líder namibiana Netumbo Nandi-Ndaitwah sintetizou o sentimento africano ao afirmar: “Não estamos à procura de dinheiro gratuito; queremos oportunidades de financiamento justas e iguais. Precisamos de instituições financeiras globais mais justas e sérias. ”
Com voz própria no G20, a União Africana passa a ter mais força para negociar, influenciar e defender os interesses de um continente que representa um sexto da população mundial — e um dos maiores potenciais económicos do século XXI.
