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Análise

Sem INE independente, não há governação moderna

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As nações que melhor planificam são as que melhor governam. E as que melhor governam são aquelas capazes de compreender a sua realidade interna através de dados fiáveis, regulares e tecnicamente protegidos de interferências. Esta ideia, defendida por Amartya Sen (1999), quando aborda a importância da informação para o desenvolvimento humano, aplica-se de forma directa aos institutos nacionais de estatística. O Brasil tem o IBGE. Angola tem o INE. A África do Sul tem o Stats SA.

Três países, três histórias, três configurações institucionais e três níveis de maturidade que explicam por que alguns avançam com maior rapidez na modernização da governação.

1. A força institucional como fundamento da credibilidade

Max Weber (1922) afirmava que o Estado moderno depende da burocracia racional, estruturada, permanente e baseada na competência técnica. Um instituto nacional de estatística é exactamente isto. Uma burocracia racional ao serviço da verdade factual. Países cuja produção estatística é fraca produzem políticas públicas cegas, improvisadas e pouco avaliadas.

Neste contexto, o IBGE do Brasil destaca-se como um dos sistemas estatísticos mais fortes do hemisfério sul. O Stats SA da África do Sul consolida-se como referência africana em autonomia técnica e inovação metodológica. E o INE de Angola encontra-se numa trajectória de modernização, mas ainda sujeito a desafios estruturais.

2. IBGE do Brasil como infraestrutura de Estado

Criado em 1936, o IBGE tornou-se, segundo Paiva e Britto (2018), um pilar da produção estatística latino-americana. A sua configuração institucional combina autonomia técnica, orçamento próprio, carreiras profissionais permanentes, unidades espalhadas por todos os estados do país, uma Escola Nacional de Ciências Estatísticas para formação especializada e uma forte dimensão geográfica ligada à cartografia e geoinformação.

Esta robustez permite ao Brasil trabalhar com pesquisas regulares. Entre elas a PNAD, o IPCA, o PIB trimestral, a pesquisa agrícola e as contas nacionais. São indicadores que servem diariamente governos, empresas, universidades e sociedade em geral. O IBGE tornou-se, como refere Castells (2012), parte da governação informacional que sustenta a modernidade.

3. Stats SA da África do Sul como modelo africano consolidado

A África do Sul dispõe de um dos institutos de estatística mais avançados do continente. O Statistics South Africa é amplamente reconhecido pela ONU como referência africana em independência metodológica, recolha digital, transparência dos microdados, formação contínua e regularidade na produção de indicadores socioeconómicos.

O Stats SA, a partir de reformas institucionais posteriores ao apartheid, consolidou um modelo guiado pelo princípio defendido por Stiglitz, Sen e Fitoussi (2009): a estatística deve servir o que realmente conta para a vida das pessoas. Por esta razão produz indicadores de pobreza multidimensional, desigualdades, condições de vida, mercado de trabalho e cartografia avançada com forte compromisso de prestação de contas ao público.

Hoje o Stats SA é visto como referência continental, especialmente para os países da SADC, oferecendo seminários, capacitação e apoio técnico.

4. INE de Angola. Potencial elevado mas institucionalidade ainda em construção

O Instituto Nacional de Estatística de Angola, apesar de avanços notáveis, sobretudo o recenseamento de 2014 e o processo digitalizado do Censo de 2024, ainda enfrenta desafios estruturais que comprometem a sua plena maturidade institucional.

Entre estes desafios, destacados por autores como Tvedten (2021) e Hodges (2004), encontram-se a dependência política do executivo, a insuficiência de autonomia técnica, a irregularidade de pesquisas económicas e sociodemográficas, a limitação de financiamento e a oferta restrita de dados abertos para a academia e a sociedade civil.

Contudo, o INE tem vantagens estratégicas. É um órgão jovem, flexível e alinhado com padrões internacionais, o que lhe permite absorver tecnologias modernas de recolha e análise de dados com maior rapidez do que institutos mais antigos. A grande reforma necessária não é técnica. É institucional.

5. Comparação institucional entre IBGE, Stats SA e INE

Autonomia e estabilidade

IBGE. Elevada autonomia técnica, direcção com mandato e blindagem contra interferências políticas.
Stats SA. Autonomia média alta, forte cultura de transparência e prestação de contas.
INE. Autonomia moderada, dependente da tutela do Ministério da Economia e Planeamento.

Regularidade de pesquisas

IBGE. Produz indicadores mensais, trimestrais e anuais.
Stats SA. Mantém pesquisas contínuas e microdados abertos ao público.
INE. Pesquisas espaçadas, avanços nos censos e insuficiência de bases contínuas.

Capacidade tecnológica

IBGE. Tecnologia avançada, plataforma SIDRA e forte geoinformação.
Stats SA. Recolha digital, georreferenciação e painéis de dados públicos.
INE. Evolução significativa no Censo de 2024, mas ainda com limitações na integração digital nacional.

Relevância continental

IBGE. Referência da América Latina.
Stats SA. Referência do continente africano.
INE. Potencial para se tornar referência na África Central, desde que consolide reformas institucionais.

6. Por que Angola deve aprender com Brasil e África do Sul

A teoria de governação de dados públicos de Pollitt e Bouckaert (2017) afirma que governos que não medem não podem gerir.
Neste sentido, Angola precisa de conceder maior autonomia técnica ao INE, garantir regularidade de pesquisas, criar carreiras estatísticas permanentes, abrir microdados para universidades e fortalecer a cartografia nacional, elemento crucial para o ordenamento do território e políticas urbanas.

A comparação internacional demonstra que países com forte governação estatística, como Canadá, Brasil, África do Sul e Portugal, apresentam maior eficiência governativa e políticas públicas mais bem avaliadas.

7. A conclusão inevitável

Um país que não produz dados regulares e fiáveis sobre a sua população, o seu território e a sua economia governa às cegas. A estatística é a luz que ilumina as decisões. A institucionalidade é o fio eléctrico que garante que essa luz se mantém acesa.

Ismail Serageldin recorda que se não medirmos, não podemos melhorar. Pierre Bourdieu afirma que a autoridade do Estado deriva da credibilidade das suas instituições.

Defender um INE forte, autónomo e modernizado é defender Angola.
É defender a verdade dos números.
É defender políticas públicas baseadas na realidade e não na intuição.

Angola só terá governação moderna quando tiver estatística moderna. E só terá estatística moderna quando transformar o INE numa verdadeira instituição de Estado, tal como o IBGE no Brasil e o Stats SA da África do Sul já o são.

Denílson Adelino Cipriano Duro é Mestre em Governação e Gestão Pública, com Pós-graduação em Governança de TI. Licenciado em Informática Educativa e Graduado em Administração de Empresas, possui uma sólida trajectória académica e profissional voltada para a governação, gestão de projectos, tecnologias de informação, marketing político e inteligência competitiva urbana. Actua como consultor, formador e escritor, sendo fundador da DL - Consultoria, Projectos e Treinamentos. É autor de diversas obras sobre liderança, empreendedorismo e administração pública, com foco em estratégias inovadoras para o desenvolvimento local e digitalização de processos governamentais.

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