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Opinião

Seguranca Pública electrónica: sem CISP, o cidadão está exposto?

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A recente operação da Administração Municipal do Sambizanga, que resultou no encerramento de uma hospedaria clandestina no interior do Estádio Mário Santiago, trouxe à tona uma questão estrutural e profundamente preocupante: o uso indevido e não autorizado de sistemas de videovigilância em espaços públicos e a ausência de uma fiscalização eficaz por parte das autoridades competentes. No local, foi encontrado um sistema de circuito interno de televisão cuja instalação e operação ocorreram à margem da lei e da supervisão estatal, com suspeitas graves de gravações em quartos de hospedagem.

Este episódio, embora à primeira vista pareça isolado, é o reflexo de um problema nacional latente: a fragilidade do sistema de controlo e integração das tecnologias de vigilância electrónica no país, especialmente por parte da Polícia Nacional, que, segundo a legislação vigente, é o órgão competente para autorizar e fiscalizar a instalação de câmaras em espaços públicos ou de confluência populacional.

Segundo José Maria Neves (2017), especialista em segurança pública, “não há segurança sem controlo democrático e técnico dos meios utilizados pelas instituições públicas e privadas”. Isto significa que, num Estado que se afirma democrático e de direito, como Angola, nenhum cidadão pode ser filmado sem a sua autorização, e nenhuma empresa ou entidade pode operar sistemas de vigilância sem supervisão legal clara e transparente.

A Obrigação Legal: Constituição, Protecção de Dados e Habeas Data

O Artigo 69.º da Constituição da República de Angola (CRA) consagra o direito ao Habeas Data, assegurando a todo o cidadão o direito de conhecer, retificar e proteger os dados pessoais que lhe digam respeito, armazenados em bases de dados públicas ou privadas. Este direito é reforçado pela Lei n.º 22/11, Lei da Protecção de Dados Pessoais, que estabelece que “o tratamento de dados sensíveis, como imagens e sons que permitam identificar pessoas, deve ser realizado com o consentimento do titular e mediante autorização da autoridade nacional competente”.

Portanto, a instalação e operação de câmaras no interior de uma infraestrutura pública, sem qualquer registo, controlo ou autorização do Estado, representa uma violação clara destes dispositivos legais e constitucionais, configurando uma infracção não apenas administrativa, mas também potencialmente criminal, sobretudo se for provado que houve captação de imagens em situações íntimas, como nos quartos da referida hospedaria clandestina.

O Papel do CISP e a Integração Tecnológica

Desde a criação do Centro Integrado de Segurança Pública (CISP), Angola tem procurado centralizar os sistemas de resposta rápida e vigilância urbana, com o objectivo de integrar dados de diferentes fontes, câmaras, chamadas de emergência, sensores, entre outros, de forma a permitir uma actuação coordenada e eficaz das forças de segurança.

Todavia, como observa Cláudio Beato (2015), um dos mais conceituados estudiosos de segurança pública na Lusofonia, “não basta investir em tecnologia; é preciso garantir que ela funcione dentro de uma arquitectura institucional robusta e legalmente controlada”. Em outras palavras, todo sistema de segurança electrónica, seja ele estatal ou privado, deve obrigatoriamente ser autorizado e interligado ao CISP, para garantir não apenas a eficácia operacional, mas também a legalidade e a protecção dos direitos dos cidadãos.

Se o sistema de videovigilância instalado na hospedaria do Sambizanga estivesse registado, fiscalizado e interligado ao CISP, seria possível não apenas prevenir possíveis crimes, mas também garantir a rastreabilidade dos dados captados e a salvaguarda da privacidade dos utentes daquele espaço.

Falência da Fiscalização: A Reação Tardia da Polícia Nacional

A Polícia Nacional, como órgão primário de fiscalização da segurança interna, tem falhado em adoptar uma postura proactiva na supervisão das tecnologias de vigilância privadas. No caso de Sambizanga, a actuação policial só ocorre depois da denúncia e intervenção administrativa. É o retrato de um sistema de fiscalização que vive de reações, e não de prevenção.

Luis Eduardo Soares (2010), ex-Secretário Nacional de Segurança Pública do Brasil, alerta que “segurança pública ineficaz é aquela que só descobre o crime depois que ele se consuma e a sociedade se revolta”. É exactamente este o cenário angolano: um vazio normativo na prática, uma cultura institucional passiva, e uma ausência gritante de fiscalização real dos equipamentos de videovigilância urbana e corporativa.

Conclusão: O que está em jogo?

Mais do que a existência de uma hospedaria clandestina, o caso do Estádio Mário Santiago revela a urgência de uma política nacional clara e executiva sobre videovigilância, integrando todos os sistemas privados e públicos ao CISP, sob a supervisão direta da Polícia Nacional. Essa política deve incluir:

Obrigatoriedade de registo de qualquer sistema de vigilância

Integração com as plataformas do CISP

Fiscalização técnica periódica

Formação especializada das autoridades locais

Sanções exemplares para os operadores ilegais

Se não tomarmos medidas imediatas e estruturais, veremos a proliferação de mini centros de espionagem por todo o território nacional, com cidadãos cada vez mais expostos e desprotegidos, enquanto as instituições públicas assistem em silêncio e, pior ainda, em atraso.

A segurança electrónica deve ser aliada do Estado, mas jamais uma arma nas mãos de aventureiros.

Denílson Adelino Cipriano Duro é Mestre em Governação e Gestão Pública, com Pós-graduação em Governança de TI. Licenciado em Informática Educativa e Graduado em Administração de Empresas, possui uma sólida trajectória académica e profissional voltada para a governação, gestão de projectos, tecnologias de informação, marketing político e inteligência competitiva urbana. Actua como consultor, formador e escritor, sendo fundador da DL - Consultoria, Projectos e Treinamentos. É autor de diversas obras sobre liderança, empreendedorismo e administração pública, com foco em estratégias inovadoras para o desenvolvimento local e digitalização de processos governamentais.

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