Crónica ideal ao Domingo
Quando o homem quer ser máquina e a máquina ria-se dele!…
Há frases que carregam um aviso maior do que qualquer manual de sobrevivência no século XXI. Uma delas é: “Tudo o que as tecnologias podem fazer, não faças tu nem concorras, para não acabares envergonhado no cadafalso de Galileu e Galileia.”
Vivemos um tempo em que muitos ainda acreditam que podem competir com algoritmos, que podem ser mais rápidos que os computadores, mais precisos que a inteligência artificial ou mais resistentes que as máquinas industriais. Esquecem-se, porém, que a tecnologia não dorme, não pede salário, não entra em greve nem tem saudades da família. A cada linha de código, a cada chip inventado, o ser humano fica um passo atrás quando insiste em medir forças no território que já não lhe pertence.
O erro está em não perceber a essência. A máquina é ferramenta, não identidade. Ela existe para ampliar o nosso alcance, não para substituir a nossa humanidade. O perigo nasce quando o homem, movido pela vaidade ou pelo medo de ser ultrapassado, tenta competir com o que não tem carne, sangue nem consciência. O resultado é a vergonha pública, como se fosse exposto num cadafalso moderno, os tribunais das redes sociais, os olhos impiedosos do mercado de trabalho, a frieza dos números que provam a sua inutilidade.
O apelo ao nome de Galileu não é inocente. O cientista foi condenado por dizer a verdade antes do tempo, perseguido porque ousou pensar diferente. A “Galileia” acrescentada à frase abre espaço para a dimensão simbólica, a herança de um julgamento que atravessa séculos, onde quem ousa ou erra fica pendurado perante o olhar implacável da multidão. Hoje, esse julgamento acontece em público digital, onde a humilhação é instantânea e global.
O desafio do nosso tempo, portanto, não é competir com a máquina, mas escolher o que só nós podemos fazer: criar, imaginar, sonhar, sentir, amar, perdoar, governar com valores, gerir com ética. Porque se tentarmos ser aquilo que a tecnologia já é, cairemos na vergonha de tentar ser cópia de uma cópia, sombra de uma sombra.
O futuro não pertence ao homem que imita a máquina, mas ao homem que a guia. No fim, a frase é um grito filosófico: deixemos a máquina ser máquina e sejamos, nós, plenamente humanos.