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Análise

O Estado viciado em dívida: o ciclo que pode arruinar Angola

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A recente emissão de 150 milhões de dólares em Obrigações do Tesouro pelo Ministério das Finanças, mais uma entre várias operações destinadas a garantir a execução do OGE 2025, expõe um fenómeno que, apesar de conhecido, raramente é discutido com a profundidade que merece: a dependência crónica de dívida para assegurar o funcionamento do Estado angolano. A prática tornou-se tão rotineira que muitos já a aceitam como política económica normal, quando, na verdade, estamos perante um sinal de alarme macroeconómico.

A literatura económica tem sido clara sobre este ponto. Joseph Stiglitz (2002) alertava que “os países que financiam défices estruturais com dívida recorrente criam vulnerabilidades que se acumulam silenciosamente até se tornarem crises inevitáveis”. É, justamente, este padrão que Angola parece seguir, especialmente quando novas dívidas são emitidas não para criar riqueza, mas para garantir liquidez temporária.

1. A Dívida como Estratégia de Sobrevivência, Não como Alavanca de Desenvolvimento

A dívida pública, em si, não é pecado económico. Países como EUA, Japão e França têm elevados níveis de endividamento. A diferença? Nestes países, a dívida financia:

inovação

infra-estruturas produtivas

sectores que multiplicam o crescimento

Em Angola, porém, grande parte da dívida serve para:

cobrir défices operacionais

garantir salários

pagar fornecedores atrasados

estabilizar tesouraria

compensar a volatilidade cambial

Isto representa o que Hyman Minsky (1986) chamou de “finanças Ponzi do Estado”, onde o governo não obtém retorno produtivo, mas apenas empurra compromissos para o futuro.

Reinhart & Rogoff (2010), na obra “This Time Is Different”, descrevem este ciclo como “um estágio avançado de fragilidade fiscal, onde o país já não controla a dívida, é a dívida que controla o país”.

2. A África tem exemplos suficientes para provar que o caminho é perigoso

Angola não está sozinha neste comportamento. Países africanos que seguiram estratégias semelhantes acabaram encurralados:

Zâmbia

Durante anos refinanciou a dívida com Eurobonds, até atingir uma pressão insustentável. Em 2020, entrou em default — o primeiro país africano em pandemia a fazê-lo. O economista zambiano Situmbeko Musokotwane chamou o processo de “colapso anunciado”.

Gana

Gana tornou-se referência negativa. Em 2022, acumulou dívida emitindo títulos internos e externos até que já não conseguia refinanciar-se. O Governo foi obrigado a reestruturar a dívida interna, atingindo directamente cidadãos.
George Ayittey, académico ganês, já havia alertado anos antes: “Os governos africanos não colapsam porque se endividam; colapsam porque não usam a dívida para produzir riqueza”.

Moçambique

O caso das dívidas ocultas é um dos mais estudados no continente. Moçambique entrou numa espiral de endividamento que ainda hoje corrói a sua credibilidade. O economista Carlos Nuno Castel-Branco afirmou que o país viveu “um ciclo vicioso em que a dívida alimentava o défice e o défice alimentava a dívida”.

Estes exemplos mostram uma lição evidente: pagar dívida com nova dívida não é estratégia — é adiamento da crise.

3. O Caso Angolano: Quando o Tesouro trabalha para os credores

A emissão de 150 milhões de dólares em plena pressão cambial indica que:

o Estado precisa de liquidez urgente

o OGE 2025 tem desequilíbrios que não se resolvem sem endividamento adicional

há insuficiência estrutural de receitas

a política fiscal carece de modernização e diversificação

a dívida externa em moeda forte continua a aumentar a vulnerabilidade do Kwanza

O economista angolano Carlos Rosado de Carvalho tem repetido que “o grande problema de Angola não é a dívida, é o modelo económico que a dívida tenta sustentar”.

Em termos simples: o Estado está a endividar-se porque o modelo económico não gera receitas suficientes para pagar o próprio funcionamento.

Ndulu (2021), numa análise sobre finanças públicas africanas, afirma que “os governos entram em modo de gestão diária quando a dívida serve para pagar salários, e não para construir riqueza nacional”. É precisamente esta situação que Angola enfrenta.

4. Riscos de Continuar no Caminho Actual

A estratégia de pagar dívida com dívida cria três ameaças concretas:

1. Aumento explosivo do serviço da dívida

Quanto mais dívida o país acumula, maior a pressão dos juros. Em pouco tempo, parte significativa do OGE passa a servir credores — e não cidadãos.
Stiglitz resume isto de forma simples: “A dívida tem prioridade sobre o desenvolvimento quando o Estado se torna refém dos credores”.

2. Vulnerabilidade cambial extrema

Ao emitir dívida em dólares, Angola compromete reservas cambiais futuras. A volatilidade do Kwanza multiplica o peso real da dívida.

3. Perda de espaço fiscal e político

Quando grande parte do orçamento vai para amortização e juros, sobra menos para:

educação

saúde

infra-estruturas

modernização administrativa

juventude

inovação

No limite, o Estado perde autonomia. Como diz Thabo Mbeki Jr. (2022): “Não há soberania possível quando a política fiscal é escrita pelos credores”.

5. Como Sair da Armadilha?

A saída existe, mas exige coragem, reformas e ruptura com hábitos antigos:

1. Reforma fiscal profunda

ampliar a base tributária

digitalizar a arrecadação

combater evasão e informalidade

rever isenções excessivas

2. Diversificação económica real

Abandonar o modelo petróleo → dívida → petróleo.
O petróleo financia o Estado, mas não sustenta o futuro.

3. Reforço da disciplina orçamental

Menos despesas improdutivas.
Mais investimento que gera retorno.

4. Desenvolvimento do mercado interno de capitais

Para que o Estado não dependa apenas de dívida externa.

5. Transparência e responsabilização

A confiança fiscal nasce da informação clara e pública.

Conclusão: O Futuro Não Pode Continuar a Pagar o Passado

Emitir dívida não é um erro em si. O erro é usar a dívida para financiar necessidades correntes, aliviando hoje para agravar amanhã. O país transforma o futuro num cartão de crédito sem limite, mas com juros altos.

Como alertam Reinhart & Rogoff, “a dívida é silenciosa, mas o momento da fatura é ensurdecedor”.

Se Angola continuar no ritmo actual, arrisca-se a repetir o destino de Gana, Zâmbia ou Moçambique — países que pagaram caro pela crença de que a dívida podia sempre ser renovada indefinidamente.

A matemática é simples:
não há país que se desenvolva vivendo de dívida para pagar dívida.

É tempo de quebrar o ciclo, antes que o ciclo quebre Angola.

Denílson Adelino Cipriano Duro é Mestre em Governação e Gestão Pública, com Pós-graduação em Governança de TI. Licenciado em Informática Educativa e Graduado em Administração de Empresas, possui uma sólida trajectória académica e profissional voltada para a governação, gestão de projectos, tecnologias de informação, marketing político e inteligência competitiva urbana. Actua como consultor, formador e escritor, sendo fundador da DL - Consultoria, Projectos e Treinamentos. É autor de diversas obras sobre liderança, empreendedorismo e administração pública, com foco em estratégias inovadoras para o desenvolvimento local e digitalização de processos governamentais.

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