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“Nem todos tínhamos o mesmo tipo de sonho sobre a independência”

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Angola celebra hoje, 11 de Novembro, 45 anos desde que se libertou, em 1975, do colonialismo português, depois de cerca de cinco séculos de dominação. Para assinalar a data histórica, o Correio da Kianda traz aos seus leitores, entrevistas com nacionalistas dos três movimentos independentistas – MPLA, UNITA e FNLA – agora partidos políticos, a falarem de Angola de ontem, de hoje e do futuro.

Marcolino Moco, nacionalista do MPLA, antigo primeiro ministro angolano, entre 1992 e 1996, defende que a falta de entendimento entre os angolanos que compunham os três movimentos de libertação, terá prejudicado o futuro de Angola, sonhado em 1975.

Saiba como abaixo

A luta pela independência nacional intensificou-se em 1961 e veio a culminar com a proclamação da independência, em Novembro de 1975. Passados 45 anos, Angola que se tem é a sonhada naquela época?

No quadro da máxima “cada cabeça a sua sentença”, nem todos tínhamos o mesmo tipo de sonho sobre a independência. E o grande problema é que sendo Angola moderna uma recente criação conjunta, entre colonizadores e colonizados de diferentes etnias, sem unidades político-administrativas preexistentes definidas (as unidades definidas foram desestruturadas pelo colonizador europeu) cada um dos três movimentos de libertação trazia um conceito diferente do que devia ser a Angola independente. No que o êxodo massivo e repentino da população branca que participou e orientou a criação da Angola moderna se constituiu no principal factor de um desastre destruidor de sonhos. Claro que isso também era uma consequência de outras causas.

Que avanços a história de Angola já registou, e que contribuição para a afirmação de uma Angola melhor?

Aqui também a resposta é subjectiva. Vamos dizer que a independência, em si, foi um salto positivo, em relação à anterioridade colonial. Mas, eu próprio, que na adolescência e juventude me tornei um grande entusiasta da independência, pergunto-me, hoje, se não poderíamos ter seguido um caminho mais racional, em face das consequências que resultaram da trapalhada transaccional que temos vivido até hoje. A minha própria resposta é que, naquelas circunstâncias, era quase impossível.

Como é que caracteriza a juventude angolana?

Com a idade que tenho, vendo crescer já duas gerações de jovens que não assistiram ao parto conturbado da moderna nacionalidade angolana, só posso imaginar que se vive ali, consciente ou inconscientemente, uma gama variada de perplexidades e perguntas sem respostas. Especialmente quando se afere o insistente discurso auto-laudatório de libertadores-vencedores (alguns dos quais são seus próprios pais e avós) pelas perturbações sucessivas que temos vivido. Reprovariam, certamente, os seus bisavós das comunidades tradicionais que, mal tinham terminado a primeira década da independência, já perguntavam “quando é que a independência ia acabar”, o que corresponde exactamente à mesma pergunta de um grande intelectual africano, o historiador congolês Elíkia Mbokolo, sobre se as independências dos estados modernos africanos corresponderiam, exactamente aos sonhos de quem viveu a África pré-colonial e colonial.

Angola vive nos dias actuais uma tensão politica com manifestações constantes. Como olha para esses movimentos?

As manifestações estão hoje na ordem do dia, a nível universal, nos chamados países de democracia pluralista, e não só. E até na China (Hong Kong), um país onde essa prática não se compagina com a orientação ideológica do Estado. O que se passa em Angola, neste momento, só me preocupa porque fruto da cegueira dos jogos políticos, tanto da oposição como, especialmente do Executivo, parece pretender-se canalizar para ali as consequências de uma má gestão política das coisas. Não estou a falar de gestão económica, área em que não sou perito, mas, da gestão política de uma transição complexa que deveríamos conduzir melhor, abstraindo de pequenos interesses de grupo.

Marcolino Moco

A saída dos jovens às ruas,  numa altura em que o país vive o que podemos até agora considerar como o pico da pandemia, demonstra maturidade política, desespero da vida social ou ignorância às medidas de prevenção contra a covid-19?

Se os responsáveis políticos deste país, particularmente os do Executivo, e mesmo vocês, os jornalistas, estão atentos, sabem que, independentemente da covid-19, a situação é extremamente grave, em termos de necessidades básicas. Bom, mas Angola não sendo o único país com covid-19, também não é o único país com manifestações, como já disse, sendo que algumas delas são dirigidas, até, contra as próprias medidas sanitárias.

Como enxerga as últimas fricções entre o MPLA e a UNITA, em consequência das manifestações?

Está em jogo o interesse de um querer permanecer no poder e outro querer assumir o poder. Não há nada de estranho. O problema é que tendo sido o povo angolano submetido a tantas vicissitudes durante tanto tempo, admira que ainda não haja consciência de que é preciso primeiro estabelecermos uma transição construtiva para só mais tarde podermos brincar a jogos tão lamentáveis. Mas quem segue as minhas intervenções, dentro ou fora das instituições que frequento e ou frequentei, sabe que sempre levantei a questão de que quem governa é quem tem a maior responsabilidade para estabilizar as emoções. Por isso admira que quando, inicialmente, vimos todos que a abertura e a transparência mais favoreciam a popularidade do Executivo e do novo presidente João Lourenço, agora assistimos, aparentemente, ao retorno às anteriores “fechaduras” do “antigo regime”.

A luta contra a corrupção está no bom caminho?

A luta contra a corrupção, com aspectos claros de perseguição política e vinganças pessoais e, sobretudo, sem uma estratégia previamente estabelecida de forma consensualizada, quando ela envolveu – o mais caricato é que continua a envolver e em novos factos – muito boa gente, e sem se importar com as consequências económicas e sociais, nunca poderia estar num bom caminho. Curioso que da parte de sectores importantes da oposição e da sociedade civil (máxima de igrejas, sobretudo da influente Igreja Católica), havia (há) uma posição mais ponderada, sobre o assunto. Espero que o Presidente da República, portador dos tantos poderes que detém, ainda vá a tempo, francamente, de inverter a situação.

Teve contacto com o OGE 2021 em discussão? Que sugestões ou reparos faria?

Este é um assunto que não tem atraído muito a minha atenção, especialmente, porque para além de não estar dentro da minha especialidade, no domínio académico, estou plenamente convicto que, desde a independência, os nossos problemas fundamentais resultam da superestrutura ética, moral e institucional; e esta última, sim, da minha especialidade e domínio. Podes ter um bom orçamento, mas com os tribunais, meios de comunicação públicos e privados submetidos, no essencial, ao “ordens superiores”, com os partidos políticos credíveis a serem desestabilizados ou impedidos de se formar, não haverá desenvolvimento sustentado, num país que se proclama do tipo democrático.

Enquanto continuar a haver “ordens superiores” não haverá o “desenvolvimento sustentado” em Angola.

Um estudo divulgado recentemente aponta para 60% da economia angolana no sector informal. Acha que esse excesso de informalidade contribui para tornar difícil a resolução dos problemas sociais do país?

Este é um problema da África subsaariana ou, se não estou equivocado, de quase todos os países em via de desenvolvimento. Uma coisa que deveria preocupar é que muitas medidas que se tomam aqui são de espantar e não de (re)orientar este sector amplamente maioritário da nossa economia, especialmente, na sua relação com o grave problema da empregabilidade.

O que falta para que o discurso da diversificação da economia saia do papel e comece a ser sentido pela população?

Parar com os projectos supérfluos e ou megalómanos, acabar com a descartabilidade das estradas interprovinciais, funcionalizar as vias secundárias e terciárias, criando sistemas consistentes de manutenção de infra-estruturas fundamentais; assentar programas adequados de saúde e educação nos meios rurais e tudo (agricultura, comércio, turismo, industria, etc. etc.) virá por acréscimo. Tão simples como isso. Aprendi-o na universidade da vida, antes das guerras pós-coloniais.

Como olha para a política externa angolana?

Dinâmica e pragmática. Só devia deixar de ser atrelada às nossas escusadas guerrilhas internas.

Poderia ser mais específico?…

O diálogo sobre o chamado “combate à corrupção”, na minha opinião, devia passar-se todo aqui dentro. E nada de uns afugentarem outros, antes de uma concertação corajosa e transparente, se afinal todos estiveram juntos, quando as coisas que se pretende “corrigir” aconteceram.

Que avaliação faz da relação de Angola com o ocidente, especialmente com as chamadas super-potências (China, Rússia e os Estados Unidos?)

Acho que, de forma geral, tem sido boa e pragmática. Com a China, em particular, pelo grau de envolvimento, faz-se necessário repensar estratégias, mas sem precipitações.

Angola tem ganho notoriedade internacional, nos últimos tempos. Acha que essa notoriedade é suficiente para atracção do investimento estrangeiro?

O atabalhoado “combate à corrupção” não me parece ajudar muito, independentemente, da superveniência da covid-19, como referi atrás.

E que medidas devem ser tomadas para que o investidor estrangeiro venha para Angola.

O problema fundamental é estabilizar o país nas questões essenciais e, se necessário, em concertação com a oposição. Eu venho propondo saídas de natureza harmonizadora, neste sentido, desde o tempo do presidente Dos Santos, oralmente e por escrito. Mas enquanto os que detém o poder real não se convencem que se pode governar, e até enriquecer, sem escaramuças, assistimos a isto que já referi. A mesma estrutura de apoios que atestava que Dos Santos agia bem, com a sua política de exclusão, é a mesma que hoje vemos a incentivar um “combate à corrupção” visivelmente selectivo, casuístico e intransparente. Ninguém, de boa fé, vem investir num país assim.

Que futuro prevê para Angola, nos próximos cinco, dez anos?

Imprevisível. Porque, como acabo de dizer, a condição básica para a estabilização política, económica e social exige um consenso real e não apenas proclamatório. Ouve-se muito, hoje, falar da necessidade de diálogo para se sanarem os problemas. Mas, diálogo à volta de estratégias de conservação do poder – até dentro do próprio partido governante – ou da sua assumpção, por parte da oposição, na situação tão grave que vivemos, nada irá resolver.

Leiam, por favor, as minhas “cinco ideias” para a conclusão da construção do Estado-nação angolano, para os próximos 5 a 10 anos (bom, 3 anos já se foram!), no livro “Angola: por uma nova partida”.

Fotos: Carlos Moco

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