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Análise

Governança escolar: a democracia que falta nas escolas angolanas

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A governança escolar, entendida como o conjunto de práticas, estruturas e processos que orientam a gestão e a tomada de decisão no espaço educativo, tem assumido crescente relevância nas últimas décadas. Num mundo globalizado, em que a educação é pilar central para a competitividade, a inclusão social e a sustentabilidade do desenvolvimento, o debate sobre os modelos de governança escolar revela-se incontornável.

Como defende Stiglitz (2002), “as instituições são determinantes do sucesso ou do fracasso de uma sociedade”. Assim, as escolas, enquanto microcosmos institucionais, são reflexo do grau de maturidade democrática, da eficiência das políticas públicas e da capacidade de inovação dos Estados. No campo da educação, a boa governança escolar pode transformar-se em alavanca de desenvolvimento humano e em motor da cidadania crítica e participativa.

Contudo, em África Austral — e particularmente em Angola — a governança escolar enfrenta múltiplos entraves estruturais: políticas públicas frágeis, insuficiência de quadros especializados, desigualdades socioeconómicas persistentes e ausência de uma cultura sólida de accountability. Este artigo de opinião procura, portanto, traçar um paralelo entre os modelos internacionais de governança escolar, a realidade da África Austral e os caminhos possíveis para Angola.

1. Modelos Internacionais de Governança Escolar

No plano global, três tendências predominam:

1. Governança Estatal Centralizada – típica de países como França, em que o Estado controla currículos, avaliação e financiamento. Este modelo garante homogeneidade e equidade de base, mas tende a limitar a criatividade pedagógica e a autonomia dos agentes educativos.

2. Governança Descentralizada e Comunitária – aplicada em países como Finlândia e Suécia, onde as escolas gozam de autonomia administrativa e pedagógica, e a comunidade escolar participa activamente nas decisões. O sucesso destes países prova que descentralizar não significa abdicar da qualidade, desde que existam mecanismos sólidos de supervisão e apoio.

3. Governança de Mercado ou Quase-Mercado – adoptada em países como Estados Unidos e Inglaterra, em que se introduz a lógica da concorrência entre escolas e a liberdade de escolha dos pais. Embora este modelo estimule eficiência, gera profundas desigualdades, sobretudo para os mais pobres (Ball, 2003).

Estes modelos servem de inspiração, mas a sua eficácia depende sempre da adaptação ao contexto cultural, económico e político de cada país.

2. Governança Escolar em África Austral

A África Austral caracteriza-se por um mosaico de modelos, todos eles marcados por tensões entre centralização e participação:

África do Sul: modelo híbrido, com Conselhos de Gestão Escolar que incluem pais, professores e alunos. É um avanço democrático notável, mas a herança do apartheid ainda gera uma “dualidade educacional”: escolas urbanas bem equipadas e escolas rurais precárias.

Namíbia: descentralizou a gestão escolar, mas enfrenta dificuldades práticas devido à falta de formação dos actores comunitários que participam nos conselhos.

Moçambique: fortemente centralizador, embora com tímidas experiências de conselhos escolares. Aqui, a centralização é um reflexo do próprio modelo de governação política.

Botswana e Zâmbia: optaram por sistemas mistos, que procuram equilibrar o controlo estatal com a autonomia local.

De forma geral, a região enfrenta obstáculos comuns: fraca cultura democrática, baixa capacidade técnica e desigualdades sociais persistentes, que minam os ideais de governança inclusiva.

3. Desafios da Governança Escolar para Angola

Em Angola, a governança escolar está em fase de amadurecimento, mas apresenta grandes vulnerabilidades:

1. Excesso de Centralização: as decisões mais relevantes continuam a ser tomadas em Luanda, com pouca margem para que escolas ou províncias adaptem políticas às suas realidades. Esta centralização impede respostas céleres a problemas locais.

2. Participação Comunitária Limitada: as associações de pais existem, mas a sua influência efectiva é mínima. Muitas vezes, reduzem-se a instrumentos de cobrança de contribuições, sem poder de deliberação.

3. Falta de Quadros Especializados: a liderança escolar é confiada frequentemente a professores sem formação específica em gestão. Um director escolar precisa ser não apenas pedagogo, mas também gestor, líder e mediador social.

4. Desigualdade Estrutural: escolas urbanas e privadas possuem melhores condições, enquanto escolas rurais enfrentam carência de infraestruturas, manuais e professores. Esta clivagem cria duas realidades educacionais distintas dentro do mesmo país.

5. Fragilidade da Accountability: os mecanismos de avaliação de desempenho escolar são pouco claros e, muitas vezes, contaminados por lógicas clientelistas. Falta transparência na gestão de recursos e na nomeação de gestores escolares.

6. Baixa Integração Tecnológica: num mundo onde a digitalização é fundamental, muitas escolas angolanas ainda carecem de electricidade e de acesso básico à Internet. Isso compromete a visão de uma “escola do futuro”.

4. Caminhos Possíveis para Angola

A transformação da governança escolar em Angola exige reformas profundas e corajosas:

Descentralizar com Responsabilidade: dar autonomia às escolas e províncias, mas com mecanismos claros de supervisão. A descentralização deve ser acompanhada de relatórios de desempenho, auditorias e metas anuais.

Reforçar a Participação Social: capacitar associações de pais, conselhos escolares e ONGs locais para intervirem activamente na gestão das escolas. Um conselho escolar empoderado pode tornar-se um verdadeiro agente de fiscalização.

Formação Contínua de Gestores: criar programas nacionais de capacitação em liderança educacional, gestão escolar e inovação pedagógica. Universidades e institutos politécnicos devem ter cursos específicos para formar directores escolares.

Reduzir Desigualdades Regionais: implementar políticas públicas que priorizem o investimento em escolas rurais. O princípio da equidade deve orientar a alocação de recursos.

Adoptar a Escola Digital: investir em laboratórios de informática, plataformas digitais de gestão e recursos pedagógicos em linha. A escola angolana não pode ficar à margem da revolução tecnológica.

Criar Indicadores de Qualidade: estabelecer métricas claras para avaliar escolas, directores e professores. A transparência deve ser a base da confiança pública no sistema educativo.

Finalmente, a governança escolar não é apenas um tema administrativo; é um eixo estratégico do desenvolvimento nacional. Governar bem a escola é governar o futuro. Para Angola, construir um modelo próprio de governança escolar significa assumir a educação como prioridade política e como instrumento de justiça social.

As lições da África Austral mostram que nenhum modelo pode ser copiado mecanicamente. O desafio está em criar um modelo angolano de governança escolar, inspirado em boas práticas internacionais, mas adaptado às condições culturais e sociais locais.

Como lembrava Nelson Mandela, “a educação é a arma mais poderosa que se pode usar para mudar o mundo”. Se Angola deseja garantir um futuro mais justo e próspero, deve começar pela escola: uma escola bem governada, inclusiva, inovadora e comprometida com a equidade.

Em última análise, o que está em causa não é apenas a gestão de instituições educativas, mas o destino do país. Uma escola mal governada produz cidadãos frágeis, pouco críticos e incapazes de inovar. Uma escola bem governada, pelo contrário, gera cidadãos conscientes, empreendedores e preparados para os desafios do século XXI.

Denílson Adelino Cipriano Duro é Mestre em Governação e Gestão Pública, com Pós-graduação em Governança de TI. Licenciado em Informática Educativa e Graduado em Administração de Empresas, possui uma sólida trajectória académica e profissional voltada para a governação, gestão de projectos, tecnologias de informação, marketing político e inteligência competitiva urbana. Actua como consultor, formador e escritor, sendo fundador da DL - Consultoria, Projectos e Treinamentos. É autor de diversas obras sobre liderança, empreendedorismo e administração pública, com foco em estratégias inovadoras para o desenvolvimento local e digitalização de processos governamentais.

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