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Análise

Cólera da indiferença: novo aumento alarmante dos casos em Angola 

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A semana epidemiológica nº 40 (28 de setembro a 4 de outubro de 2025) trouxe más notícias para a saúde pública angolana: o país registou um aumento de 44% nos casos de cólera e um aumento de 64% nos óbitos, em relação à semana anterior. Foram 803 novos casos e 18 mortes, elevando o total acumulado desde janeiro para 30 063 casos e 828 óbitos – uma taxa de letalidade cumulativa de 2,8%. O surto já se espalhou por 18 das 21 províncias, atingindo 158 municípios e afetando pessoas de todas as idades

Estes números não são apenas estatísticas frias; refletem vidas humanas, famílias desestruturadas e comunidades em sofrimento. Uíge e Lunda Norte tornaram-se os novos epicentros da epidemia, responsáveis por 76% dos casos desta semana. Só a Lunda Norte contabilizou 15 mortes, com uma taxa de letalidade local de 6,2%, muito acima do limite aceitável segundo a Organização Mundial da Saúde (inferior a 1%). Estes dados denunciam falhas profundas na vigilância epidemiológica, no acesso rápido ao tratamento e, sobretudo, na prevenção primária.

É sabido que a cólera não é uma doença imprevisível. Surge sempre onde há défices de saneamento básico, abastecimento de água potável precário e fraca higiene ambiental. Portanto, a expansão do surto em plena estação quente e chuvosa é um sinal de alerta grave: a vulnerabilidade estrutural das comunidades permanece intacta, apesar das lições de surtos anteriores em 2006, 2017 e 2023.

O boletim revela que 45% das mortes ocorrem ainda na comunidade, longe das unidades sanitárias. Isso mostra que a resposta médica não chega a tempo – seja por falta de informação, distância dos centros de tratamento ou ausência de confiança nos serviços públicos. O combate à cólera exige mais do que equipas de emergência: requer educação sanitária contínua, intervenção comunitária e investimento sustentável em água e saneamento.

Num contexto em que o país enfrenta simultaneamente desafios económicos e climáticos, a gestão da saúde pública deve deixar de ser reativa e passar a ser estrutural. A cólera é o espelho da desigualdade: atinge mais fortemente os pobres, os que vivem em bairros informais e os que dependem de fontes de água inseguras. Sem políticas coordenadas entre o Ministério da Saúde, as administrações locais e os setores do ambiente e energia, o ciclo da cólera continuará a repetir-se.

A semana 40 mostrou o que todos já sabíamos – a cólera continua a ser uma ferida aberta na saúde pública angolana. O país precisa transformar cada boletim epidemiológico em um instrumento de decisão política, e não apenas num registo técnico. Enquanto as mortes forem números e não rostos, continuaremos a reagir tarde demais.

“A cólera não mata apenas pela bactéria; mata pela indiferença.”

Referência:
Ministério da Saúde de Angola. Boletim Epidemiológico Semanal: Cólera em Angola — Semana Epidemiológica nº 40 (28 de Setembro a 04 de Outubro de 2025). Direção Nacional de Saúde Pública, Luanda, 2025.

Doutorando em Doenças Tropicais e Saúde Global, Mestre em Medicina, Mestre em Saúde Pública, Especialista em Pediatria, Especialista em Administração Hospitalar, Pós-graduado em Economia da Saúde e Resultados em Saúde. Licenciado em Medicina e também Licenciado em Enfermagem. Docente Universitário e Presidente da Academia Angolana de Medicina.

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