Análise
África que queremos: a Agenda 2063 e o caminho para uma transformação continental
Lançada pela União Africana (UA), em 2013, a Agenda 2063 é uma visão ousada para transformar África numa potência global, ancorada em sete aspirações que incluem prosperidade, governação democrática, paz e segurança, identidade cultural, integração continental, desenvolvimento centrado nas pessoas e uma voz forte no cenário internacional. Em Julho de 2025, com a “Década de Aceleração” (2024-2033) em curso, o continente enfrenta um momento decisivo: avançar rumo à “África que Queremos” ou perpetuar ciclos de subdesenvolvimento e dependência externa.
Dados recentes mostram progressos, mas também desafios estruturais que exigem reformas urgentes. Se os 54 Estados-membros da UA se unirem em torno desta visão, África poderá redefinir o seu papel no mundo, mas a presidência rotativa da UA e a fragmentação política continuam a travar o potencial transformador da Agenda.
Os avanços da Agenda 2063 até Julho de 2025 são notáveis, mas desiguais. Segundo o Relatório Continental da AUDA-NEPAD, ao final do Primeiro Plano Decenal (2014-2023), apenas dez países, como Ruanda (64%) e Etiópia (63%), alcançaram 50% ou mais dos objectivos, enquanto outros, como a África do Sul (22%) e o Benim (6%), ficaram abaixo de 30%. Metas como saúde, igualdade de género e paz e segurança superaram 70% de implementação, impulsionadas por iniciativas como a Área de Comércio Livre Continental Africana (AfCFTA) e a resposta a crises regionais, como a nomeação do Presidente do Burundi, Évariste Ndayishimiye, como Enviado Especial para o Sahel.
A AfCFTA, operacional desde 2021, promete aumentar o comércio intra-africano para 25% até 2040, reduzindo a dependência de exportações de matérias-primas. Projectos como o Grande Dam Inga e a Rede Ferroviária de Alta Velocidade, destacados na Reunião Anual do Banco Africano de Desenvolvimento (AfDB), em Maio de 2025, reforçam a aposta em infraestruturas. Socialmente, o foco na educação e formação profissional, como sublinhado pelo Ministro da Costa do Marfim, é crucial para aproveitar uma população jovem projectada para 2,5 mil milhões até 2050.
Geopoliticamente, uma África unida e economicamente robusta seria um divisor de águas. Com maior influência em fóruns como a ONU e o G20, o continente poderia negociar em pé de igualdade com potências como a China, a UE e os EUA, reduzindo a dependência externa. A riqueza em recursos naturais e o potencial para liderar em questões climáticas posicionariam África como um actor central em desafios globais. Contudo, a fragmentação política e a competição sino-americana por recursos exploram divisões internas, como visto em conflitos no Sahel e no Corno de África. A cimeira de Malabo de Julho de 2025, focada na coordenação continental, revelou a dificuldade em priorizar estratégias de longo prazo face a crises imediatas.
O maior obstáculo à Agenda 2063 é a presidência rotativa da UA, com mandatos anuais que privilegiam agendas de curto prazo, frequentemente alinhadas com interesses pessoais ou nacionais dos líderes. Esta estrutura compromete a continuidade necessária para um plano de 50 anos. A Comissão da UA, responsável pela implementação técnica, carece de autonomia e recursos, com apenas 43% dos Estados-membros cumprindo contribuições financeiras em 2022. A corrupção, a instabilidade regional, agravadas pela falta de dados robustos – apenas 33,5% dos indicadores dos ODS são gerados por sistemas estatísticos nacionais – agravam o problema. Sem reformas, a “Década de Aceleração” arrisca ficar aquém das metas.
Para concretizar a Agenda 2063, é imperativo reformar a UA. Primeiro, a Comissão deve ser fortalecida com maior autonomia e um orçamento próprio, financiado por contribuições obrigatórias e parcerias público-privadas, a exemplo do modelo da UE. A nomeação de H.E. William Ruto como Campeão de Reformas Institucionais em 2024 é um passo promissor, mas exige acção concreta. Segundo, a presidência rotativa deve ser estendida para mandatos de dois anos ou substituída por um conselho permanente de supervisão regional, garantindo continuidade. Terceiro, um sistema de monitorização independente, com relatórios públicos e sanções para Estados incumpridores, como a suspensão de direitos de voto, incentivaria o compromisso. Quarto, parcerias com o AfDB, a ONU e a diáspora africana, que remeteu 95 mil milhões de dólares em 2022, podem mobilizar recursos. Por fim, centros regionais de excelência em educação, tecnologia e segurança descentralizariam a implementação, incluindo Estados menos desenvolvidos.
A Agenda 2063 é a chave para uma África próspera, unida e soberana. Sem um compromisso colectivo que transcenda interesses nacionais e mandatos efémeros, o continente arrisca perpetuar a dependência externa. A UA, como única organização que integra todos os Estados africanos, deve evoluir para um motor de transformação estrutural. Só assim África alcançará o seu potencial como potência global, concretizando a visão de uma “África que Queremos”.