Análise
Vandalismo energético: a nova arma contra o progresso de Angola

O episódio recente de vandalização de oito torres de alta tensão na província do Cunene, num período de apenas 24 horas, ultrapassa a esfera de um crime comum para se configurar como um verdadeiro acto de sabotagem contra o Estado angolano e o seu projecto de desenvolvimento. O furto de 43 cantoneiras fragilizou as estruturas que sustentam as linhas de energia, colocando em risco a estabilidade do fornecimento eléctrico às localidades de Namacunde e Santa Clara. Mais do que o prejuízo material, este tipo de crime compromete directamente a segurança nacional, mina a confiança das populações e ameaça a própria soberania energética de Angola.
Segundo Buzan e Hansen (2012), a segurança contemporânea não deve ser interpretada apenas no campo militar, mas de forma ampla, incluindo dimensões económicas, sociais, ambientais e políticas. Neste sentido, o vandalismo energético enquadra-se como uma ameaça multidimensional, que fragiliza o desenvolvimento social, trava o crescimento económico, dificulta a prestação de serviços públicos básicos e expõe a vulnerabilidade das comunidades.
1. Vandalismo Energético como Ameaça Estratégica
As infra-estruturas críticas — energia, água, transportes, telecomunicações — são a base de sustentação de qualquer Estado moderno. Como afirma Collier (2020), “um país que não protege as suas infra-estruturas estratégicas compromete inevitavelmente a sua estabilidade interna e a sua projecção externa”. A destruição ou sabotagem destes bens públicos não é apenas vandalismo: é um ataque à capacidade do Estado de cumprir o seu contrato social com os cidadãos.
A subtracção de componentes metálicos das torres de alta tensão, aparentemente motivada por lucro rápido no mercado informal, revela-se, no entanto, devastadora para o interesse colectivo. Estamos perante um fenómeno que pode ser caracterizado como terrorismo económico, pois procura ganhos individuais em detrimento da segurança energética nacional. Como sublinha Nye (2004), a segurança de um Estado depende não apenas do poder militar, mas também da sua capacidade de garantir serviços básicos e estabilidade social.
2. A Insuficiência dos Modelos Tradicionais de Vigilância
A vigilância terrestre, assente em patrulhas policiais e denúncias comunitárias, mostrou-se limitada e ineficaz no contexto angolano. O vasto território, aliado à escassez de recursos humanos e financeiros, torna impossível manter uma fiscalização contínua e efectiva. Além disso, a crescente sofisticação dos actos de vandalismo, realizados de forma rápida e em locais remotos, exige estratégias inovadoras e adaptadas ao século XXI.
3. O Papel das Novas Tecnologias de Informação
As novas tecnologias de informação e comunicação surgem como ferramentas indispensáveis para a defesa das infra-estruturas críticas. Entre elas, destacam-se:
1. Drones de vigilância – capazes de sobrevoar extensas áreas em tempo reduzido, dotados de câmaras de alta resolução e sensores térmicos que detectam movimentos suspeitos mesmo em períodos nocturnos. A integração com algoritmos de inteligência artificial permite identificar padrões de comportamento e emitir alertas em tempo real (Zeng, Zhang & Zhang, 2017).
2. Sensores inteligentes via IoT (Internet das Coisas) – instalados directamente nas torres, estes dispositivos detectam vibrações, tentativas de corte e remoção de componentes, comunicando instantaneamente com centrais de monitorização.
3. Big Data e Inteligência Artificial – centros de comando provinciais podem cruzar dados provenientes de drones, sensores e denúncias comunitárias. Essa análise preditiva permite identificar zonas de maior risco e antecipar actos de sabotagem (Clarke & Knake, 2019).
4. Georreferenciação e mapeamento digital – através de sistemas de posicionamento global, é possível criar mapas de vulnerabilidade das linhas de transmissão, direccionando recursos para pontos críticos.
4. Lições da Experiência Internacional
A protecção das infra-estruturas críticas com recurso à tecnologia não é apenas uma teoria: é uma prática consolidada em vários países que enfrentam desafios semelhantes:
Nigéria: confrontada com sabotagens constantes a oleodutos e linhas de energia, recorreu a drones de longo alcance e sensores de pressão, reduzindo significativamente os ataques e as perdas financeiras (Okoli & Orinya, 2020).
África do Sul: a Eskom, maior empresa de energia do continente, implementou drones não apenas para vigilância, mas também para inspecção preventiva das linhas de transmissão. O uso da tecnologia contribuiu para reduzir actos de vandalismo e melhorar a manutenção (Mthembu & Moyo, 2021).
Brasil: concessionárias de energia utilizam drones e sistemas de georreferenciação em zonas de difícil acesso, como áreas amazónicas e fronteiriças. A tecnologia reduziu falhas técnicas, preveniu sabotagens e optimizou os custos de operação (Pinto & Leal, 2019).
Estes exemplos provam que Angola pode adaptar soluções tecnológicas testadas em contextos africanos e latino-americanos, moldando-as à sua realidade territorial e socioeconómica.
5. O Factor Humano: Educação Cívica e Cidadania
Porém, como recorda Nye (2004), nenhuma tecnologia substitui a confiança social. A participação activa da comunidade é crucial para o sucesso de qualquer estratégia de segurança. Campanhas de educação cívica devem enfatizar que vandalizar uma torre eléctrica não é apenas um crime contra o Estado, mas uma agressão directa contra a própria comunidade, pois prejudica hospitais, escolas, empresas e famílias.
É também fundamental estimular uma cultura de denúncia, onde os cidadãos se sintam parte activa do processo de protecção das infra-estruturas, denunciando tentativas de sabotagem antes que estas se concretizem.
6. Uma Estratégia Integrada para Angola
A resposta ao vandalismo energético deve ser estruturada e multidimensional:
1. Investimento em tecnologia de vigilância (drones, sensores, Big Data).
2. Criação de centros provinciais de monitorização e análise de riscos.
3. Formação técnica das forças policiais e de segurança em tecnologias emergentes.
4. Estabelecimento de parcerias público-privadas, garantindo financiamento sustentável.
5. Promoção de campanhas nacionais de sensibilização cívica contra o vandalismo.
6. Reforço do quadro legal, tipificando o vandalismo contra infra-estruturas críticas como crime grave contra a segurança nacional.
Finalmente, é importante referir que o vandalismo energético deixou de ser um problema marginal para se tornar numa arma contra o progresso de Angola. Os actos registados no Cunene são um alerta vermelho: sem uma estratégia integrada, Angola corre o risco de comprometer o seu desenvolvimento, fragilizar a sua soberania e expor as comunidades à exclusão energética.
Como defendem Baylis, Smith e Owens (2020), a segurança de um Estado moderno só é real quando protege simultaneamente o seu território, a sua economia e a sua sociedade. Proteger as torres de energia é, portanto, proteger o futuro de Angola.
É hora de o Estado, as comunidades e o sector privado unirem esforços, adoptando a tecnologia como aliada estratégica e cultivando a cidadania como arma de defesa colectiva. Só assim deixaremos de ser reféns do vandalismo energético e passaremos a ser arquitectos de um futuro seguro, soberano e sustentável.