Análise
UNITA: entre a oposição barulhenta e a alternativa silenciosa
A política angolana encontra-se numa encruzilhada histórica: de um lado, o MPLA em franco declínio, corroído por décadas de desgaste e contestação popular; do outro, a UNITA, principal força da oposição, que, embora se afirme como alternativa, ainda não demonstra capacidade plena para romper com o cerco autoritário e transformar-se em força governativa estável.
A leitura crítica da situação da UNITA exige não apenas olhar para as suas vitórias eleitorais recentes ou para a popularidade de Adalberto Costa Júnior, mas também para as suas fragilidades estruturais, institucionais e estratégicas, amplamente analisadas pela literatura contemporânea sobre a política em regimes híbridos ou autoritários competitivos.
1. O problema da liderança personalista
A excessiva dependência da UNITA em relação à figura de Adalberto Costa Júnior demonstra uma fragilidade recorrente nas oposições africanas: a personalização do poder.
De acordo com Nicola de Jager (2025), as oposições na África Austral “sofrem de política personalista, desorganização estrutural e uma falta de coordenação estratégica” (Beleaguered Opposition Politics in Southern Africa). Este diagnóstico encaixa-se na realidade angolana: a UNITA não apresenta ainda uma sucessão clara nem uma direcção colegial forte capaz de sobreviver para além do líder.
Se Adalberto enfraquecer, adoecer ou perder relevância política, a máquina da UNITA vacilará, confirmando a tese de Max Weber sobre a fragilidade da dominação carismática quando não é institucionalizada.
2. Estrutura organizativa limitada
O MPLA consolidou-se ao longo das décadas com redes clientelares que descem até ao mais pequeno município e aldeia. A UNITA, por sua vez, ainda luta para consolidar-se fora dos seus bastiões históricos no Planalto Central.
Estudos como o de Rakner e van de Walle (2009) (Democratization by Elections?) mostram que a fraqueza estrutural da oposição em África decorre da sua incapacidade de competir com partidos dominantes que utilizam o aparelho do Estado para sustentar redes de fidelidade.
Em Angola, a consequência prática é evidente: onde o Estado controla empregos públicos, acesso à terra e benefícios sociais, a UNITA encontra dificuldades em mobilizar militantes estáveis. O partido é mais forte nas cidades, sobretudo entre a juventude urbana e universitária, mas frágil nas áreas rurais, onde a máquina estatal ainda domina.
3. As barreiras financeiras e comunicacionais
Outro ponto crítico é o financiamento partidário. Sem acesso às mesmas fontes que alimentam o MPLA, desde contratos públicos até ao controlo da banca nacional, a UNITA depende de contribuições limitadas.
Esse défice reflecte-se na comunicação política. Se por um lado o partido tem crescido nas redes sociais e captado a juventude digital, por outro permanece com pouca presença em meios de comunicação de massa como rádio e televisão, dominados pelo Estado.
Segundo Belchior, Sanches e José (2016), no estudo Policy Congruence in a Competitive Authoritarian Regime: The Angolan Case, a oposição em Angola tem dificuldade de transformar congruência política em resultados eleitorais porque “o espaço público está viciado em favor do dominante”.
4. Fragmentação da oposição
Um dos maiores erros estratégicos da UNITA é a sua insistência em disputar sozinha, em vez de consolidar uma frente unida contra o MPLA.
Rakner e van de Walle (2009) sublinham que a fragmentação da oposição é um dos principais motivos da sua fragilidade em África. A ausência de coligações sólidas transforma eleições em arenas de dispersão de votos e enfraquece a confiança do eleitorado.
Na prática, a UNITA continua a alimentar rivalidades com outros partidos menores e prefere manter protagonismo em vez de liderar um bloco opositor robusto. Esta escolha enfraquece a sua capacidade de se apresentar como alternativa real de poder.
5. Incoerência narrativa e ideológica
A oscilação entre discurso radical e apelo institucional revela incoerência. Num momento, a UNITA apresenta-se como partido de ruptura; noutro, como defensor do jogo democrático mesmo quando este é manipulado.
De acordo com a European Political Science (2021), em regimes competitivos autoritários, a oposição precisa apresentar uma narrativa clara e consistente, porque a incoerência gera desconfiança no eleitorado.
A UNITA, ao prometer “mudança” mas sem detalhar políticas concretas sobre emprego, habitação ou serviços básicos, corre o risco de se tornar apenas uma força de contestação e não de governação.
6. A memória histórica como fardo
A guerra civil ainda marca a percepção pública. Embora os jovens já não carreguem esse trauma, muitos eleitores mais velhos ainda associam a UNITA ao conflito armado.
O MPLA explora este fantasma com habilidade, perpetuando a narrativa de que “a UNITA significa guerra e instabilidade”. Aqui, a oposição ainda não conseguiu vencer a batalha da memória.
Segundo Soque (2017), em The Politics of Authoritarian Resilience in Angola, a sobrevivência do MPLA deve-se em parte à sua capacidade de manipular a história recente para se legitimar como único garante da paz.
7. Instituições e resiliência autoritária
A UNITA enfrenta, ainda, um campo político inclinado. O MPLA controla tribunais, polícia, forças armadas, administração eleitoral e recursos do Estado.
Autores como Levitsky e Way (2010), no clássico Competitive Authoritarianism: Hybrid Regimes after the Cold War, mostram que nestes regimes a oposição joga num terreno desigual: “as regras existem, mas são aplicadas selectivamente em favor do incumbente”.
Assim, mesmo quando cresce eleitoralmente, a UNITA é travada por barreiras institucionais invisíveis, desde manipulação eleitoral até intimidação legal e policial.
8. O dilema da confiança popular
Por fim, existe o problema da confiança. Nicola de Jager (2025) observa que em sociedades marcadas por autoritarismo prolongado, a população tende a desconfiar tanto do governo quanto da oposição.
Em Angola, muitos cidadãos ainda não acreditam que a UNITA esteja preparada para governar. Essa percepção resulta não só da propaganda do regime, mas também da incapacidade da oposição em apresentar quadros técnicos sólidos e programas de governação claros.
Conclusão: Oportunidade ou Armadilha?
A UNITA encontra-se perante uma encruzilhada histórica: ou se reinventa como alternativa institucional sólida, capaz de apresentar um programa de governação credível, formar alianças estratégicas e conquistar a confiança nacional, ou continuará a ser apenas uma oposição barulhenta, mas politicamente limitada.
A verdade é dura: o MPLA está em declínio, mas a UNITA ainda não mostrou ser a solução. A sua fragilidade não decorre apenas de factores externos, como repressão, desigualdade do sistema, controlo estatal, mas também de fraquezas internas que exigem reformas urgentes.
Enquanto não resolver o problema da liderança personalista, não consolidar a sua estrutura organizativa, não formar alianças sólidas e não vencer a batalha da narrativa, a UNITA continuará aprisionada no dilema: falar muito, mas governar pouco.
