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Análise

Táxis azul e branco e motorizadas: fim de ciclo e a urgência de modelos sustentáveis nos transportes públicos de Angola

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O sistema de transporte e a rede rodoviária de Angola constituem um dos pilares estratégicos para o desenvolvimento económico, a integração territorial e a mobilidade social. Contudo, o relatório do Banco Mundial Ir Além do Petróleo é claro e directo: o transporte angolano continua ineficiente, a rede rodoviária é limitada e de baixa qualidade e o transporte urbano não acompanha a crescente procura, falhando em padrões essenciais de segurança, eficiência e limpeza.

A instituição sublinha que, apesar de avanços na gestão pública e no planeamento sectorial, ainda são necessárias maior descentralização, adaptação local, regulação mais robusta e integração dos sistemas urbanos ao Plano Diretor Nacional do Sector dos Transportes, incluindo as infraestruturas rodoviárias como vector de competitividade nacional.

1. Transporte público urbano: sobrecarga e subfinanciamento

Milton Manuel Neto, António Pissilica Sadrinhodos Santos e Juliana Lando Canga, no estudo Causa dos constrangimentos que afetam o transporte público coletivo…, apontam que muitos cidadãos enfrentam longas filas sob o sol e condições de embarque tumultuadas. Esta realidade é particularmente visível em zonas periféricas de Luanda, como Zango e Benfica, onde a falta de oferta de transporte colectivo formal limita o acesso rápido e seguro à cidade central. O diagnóstico é inequívoco: o investimento estatal no setor permanece insuficiente.

2. Transporte informal: resposta vital, mas precária e a necessária transição

Na ausência de cobertura plena do transporte formal, surgiram soluções adaptadas pela sociedade. Carlos Lopes, em Dinâmicas do associativismo na economia informal, descreve os candongueiros, táxis azul e branco, e os mototáxis como respostas flexíveis e indispensáveis, especialmente em Luanda e Huambo. Associações como a AMOTRANG, ANATA e os “staffs” procuraram legitimar a actividade e criar algum nível de autorregulação.

No entanto, a persistência destes modelos como padrão dominante de mobilidade urbana levanta preocupações sérias. Muitos veículos operam fora dos padrões técnicos de segurança, apresentam emissões poluentes elevadas, causam sobrelotação e não asseguram o conforto e a dignidade de passageiros e motoristas. As motorizadas, embora rápidas e acessíveis, apresentam elevados índices de acidentes e mortalidade rodoviária.

Por isso, impõe-se considerar uma política de descontinuidade gradual do modelo actual de táxis azul e branco e mototáxis como padrão principal, substituindo-os por alternativas sustentáveis e mais saudáveis ao conforto humano, como frotas de miniautocarros elétricos, autocarros articulados climatizados e sistemas de partilha de mobilidade baseados em plataformas digitais. Esta transição deve ser acompanhada por programas de reconversão profissional para motoristas e operadores, evitando a exclusão económica e garantindo a integração plena destes agentes no novo ecossistema de transporte.

2.1. Fases para a Transição dos Táxis Azul e Branco e Mototáxis para Modelos Sustentáveis

A mudança do padrão actual de transporte informal para um sistema moderno e eficiente deve ocorrer de forma gradual e planeada, evitando impactos negativos sobre os operadores e garantindo que a população não fique desassistida.

Fase 1 – Preparação e regulamentação:
O Estado, através da ANTT e dos governos provinciais e municipais, deve criar um quadro legal específico para a transição, incluindo padrões técnicos, requisitos de segurança, limites de idade para veículos e metas anuais de substituição. Paralelamente, será lançado um programa de registo e licenciamento de todos os operadores actuais de táxis e mototáxis para permitir a sua futura integração no novo sistema.

Fase 2 – Incentivos e reconversão profissional:
Implementação de linhas de crédito bonificadas e subsídios parciais para aquisição de veículos novos e mais limpos, como mini-autocarros eléctricos ou híbridos. Os motoristas e proprietários de mototáxis serão convidados a integrar programas de reconversão, podendo actuar como condutores de novas frotas, técnicos de manutenção ou gestores de cooperativas de transporte.

Fase 3 – Substituição gradual:
Início da retirada progressiva dos táxis azul e branco e das motorizadas mais antigas, priorizando as que não cumpram padrões de segurança ou de emissões. A frota moderna entrará em operação por corredores e zonas-piloto, como o eixo Kilamba–Mutamba, expandindo depois para outras áreas urbanas e peri-urbanas.

Fase 4 – Consolidação e integração modal:
Conexão plena dos novos veículos ao sistema de bilhética integrado, permitindo que o passageiro use um único cartão ou aplicação para aceder ao metro de superfície, autocarros e comboios suburbanos. Este processo garantirá que a substituição não apenas melhore o conforto e a segurança, mas também aumente a eficiência e a acessibilidade da rede de transportes.

Fase 5 – Avaliação e melhoria contínua:
Após a consolidação, será feita uma avaliação de impacto sobre a mobilidade, a redução de acidentes e a qualidade ambiental. Com base nos resultados, serão introduzidas melhorias na frota, nos horários e nos modelos de gestão, garantindo que o sistema permaneça moderno e adaptado às necessidades da população.

3. Infraestrutura rodoviária: avanços pontuais face a desafios estruturais

Dados estruturais: Angola conta com aproximadamente 79.300 km de estradas, 27.600 km nacionais e 51.700 km municipais. Destas, apenas cerca de 12.000 km encontram-se asfaltadas, representando menos de 44 por cento das vias nacionais.

Investimentos em curso: O Plano de Desenvolvimento Nacional (PDN) 2023–2027 prevê a construção e reabilitação de quase 10.000 km de estradas, incluindo 2.400 km de novas vias nacionais e 1.100 km de reabilitação, além de obras municipais e manutenção de vias de terra.

Exemplos estratégicos:

EN-180, eixo norte a sul de 1.215 km, ainda com extensos trechos degradados.

EN-223, Nzaji a Canzar, fronteira da Lunda Norte, com investimento autorizado de 154 milhões de euros para ligação à RDC.

EN-110, Catete a Muxima, e estrada municipal CNO 327, com orçamento superior a 100 mil milhões de kwanzas para reabilitação.

Sustentabilidade financeira: Foi aprovado um plano para instalação de 14 postos de portagem, prevendo arrecadação de 125 mil milhões de kwanzas em cinco anos, garantindo receitas para manutenção e conservação.

4. Ferrovias e metrôs de superfície: mobilidade moderna em perspectiva

Corredores ferroviários:

Corredor do Lobito, Caminho de Ferro de Benguela, com 1.344 km, concessionado por 30 anos a um consórcio internacional para transporte de mercadorias e manutenção.

Caminho de Ferro de Moçâmedes, com estudos para ligação à Namíbia.

Ramal Luena a Saurimo como eixo estratégico de integração interior.

Plano Director Ferroviário, Decreto Presidencial n.º 225/23: prevê a reabilitação de linhas, construção de novos ramais, aquisição de automotoras DMU, implementação do Metro de Superfície de Luanda e centros de formação ferroviária.

Metro de Superfície de Luanda: projeto de 60 km de rede, com investimento inicial de 2,3 mil milhões de euros, abrangendo Zona Económica Especial, Aeroporto, Zona Verde e Sequele. Primeira fase prevista para 2025.

5. Governança e descentralização: o papel da ANTT

A Agência Nacional dos Transportes Terrestres (ANTT) tem impulsionado iniciativas como:

1. ANGOLA RAIL 2025, conferência sobre transporte ferroviário sustentável.

2. Formação de técnicos provinciais e municipais.

3. Implantação do Terminal Rodoviário do Kilamba e sistemas digitais de atendimento.

4. Regulamentação do transporte transfronteiriço no posto do Luvo.

Reflexão Final e Propostas Estratégicas

A análise evidencia um país com metas ambiciosas e investimentos estruturantes, mas que ainda carece de execução ágil e gestão descentralizada. O progresso não pode depender apenas de projetos avulsos. É necessário um planeamento integrado, com visão de longo prazo e fiscalização rigorosa.

Propostas prioritárias:

1. Reforço contínuo do investimento público no transporte coletivo urbano, conforme alertam Neto e outros autores.

2. Regulação e integração formal do transporte informal, garantindo segurança, tarifas justas e condições dignas, com plano de transição para substituição progressiva dos candongueiros e mototáxis por frotas modernas e sustentáveis.

3. Manutenção preventiva e expansão constante da malha rodoviária, com receitas sustentáveis de portagens e impostos específicos.

4. Integração multimodal, unindo metro, ferrovias e rodovias para mobilidade eficiente.

5. Descentralização efetiva, capacitando governos municipais na gestão e manutenção da infraestrutura.

Um sistema de transporte moderno, seguro e eficiente é mais do que um serviço público. É um motor de crescimento económico, inclusão social e coesão territorial. Angola tem projetos e planos robustos. O desafio está em transformar promessas em realidade, garantindo que cada quilómetro construído seja também um quilómetro de desenvolvimento.

Denílson Adelino Cipriano Duro é Mestre em Governação e Gestão Pública, com Pós-graduação em Governança de TI. Licenciado em Informática Educativa e Graduado em Administração de Empresas, possui uma sólida trajectória académica e profissional voltada para a governação, gestão de projectos, tecnologias de informação, marketing político e inteligência competitiva urbana. Actua como consultor, formador e escritor, sendo fundador da DL - Consultoria, Projectos e Treinamentos. É autor de diversas obras sobre liderança, empreendedorismo e administração pública, com foco em estratégias inovadoras para o desenvolvimento local e digitalização de processos governamentais.

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