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Opinião

Subsidiar o transporte público ou os combustíveis? O dilema da sustentabilidade em Angola

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Introdução: A Crise Silenciosa do Modelo de Subsídios

Angola enfrenta uma encruzilhada económica e política que exige decisões estruturantes e de longo alcance. Entre os vários sectores em crise, destaca-se o modelo de subsídios generalizados aos combustíveis, que há décadas consome avultados recursos públicos e ameaça a sustentabilidade de importantes instituições do Estado. Esta política, apesar de defendida como instrumento de protecção social, tem revelado efeitos perversos: alimenta desigualdades, distorce o mercado, fragiliza a SONANGOL e limita a capacidade do Estado de investir em sectores essenciais como saúde, educação, habitação e transportes.

Segundo Joseph Stiglitz (2006), Prémio Nobel da Economia, os subsídios generalizados ao consumo tendem a beneficiar desproporcionalmente as classes mais altas, dado que estas consomem mais energia e combustível. Esta visão é corroborada por Jeffrey Sachs (2015), que defende a necessidade de substituir subsídios ineficientes por políticas públicas focadas no bem-estar colectivo. A actual política angolana, ao beneficiar veículos privados de luxo e actividades comerciais de alto rendimento, acaba por prejudicar os milhões de cidadãos que dependem dos transportes colectivos e informais, como os táxis e mototáxis.

O Peso dos Números: Uma Irracionalidade Económica

A realidade orçamental é clara e inquietante. De acordo com dados oficiais, Angola gasta anualmente cerca de 3 mil milhões de Kwanzas em subsídios aos combustíveis. Este valor corresponde a uma das maiores fatias do Orçamento Geral do Estado, superando mesmo o investimento em sectores sociais prioritários. Contudo, estimativas apontam que se o Governo optasse por subsidiar directamente o sistema nacional de transportes públicos, incluindo os cerca de 50 mil taxistas registados informalmente em Luanda, o custo poderia cair para aproximadamente 265 milhões de Kwanzas por ano.

A diferença é abismal. E mais do que números, trata-se de uma questão de racionalidade na alocação dos recursos públicos. Sachs (2015) defende que o desenvolvimento sustentável requer uma gestão estratégica dos fundos do Estado, priorizando políticas que promovam equidade e resultados sociais mensuráveis. Os subsídios aos combustíveis, como estão desenhados, não cumprem esses critérios.

Os Taxistas: Heróis Invisíveis da Mobilidade Urbana

Num país onde o transporte público convencional ainda não responde nem a 40% da procura urbana, os taxistas e mototaxistas são os verdadeiros responsáveis pela mobilidade quotidiana da maioria dos angolanos. Operam em condições precárias, sem qualquer apoio do Estado, mas continuam a garantir o acesso à escola, ao hospital, ao mercado e ao trabalho.

A ausência de uma política pública específica para este segmento evidencia uma profunda incoerência institucional. Como refere Edward Glaeser (2011), as cidades modernas precisam de integrar os serviços informais no seu sistema de mobilidade urbana, sob pena de se tornarem espaços desordenados, ineficientes e excludentes. Reconhecer os taxistas como parte do sistema de transporte público é mais do que uma necessidade técnica – é uma questão de justiça social e inteligência política.

O Modelo Proposto: Subvencionar o Serviço, Não o Produto

A proposta é clara: substituir o actual modelo de subsídio ao combustível por um modelo de subvenção directa ao serviço de transporte público, com foco especial nos operadores informais organizados.

Elementos do modelo:

1. Subvenção directa por desempenho: Pagamento mensal a operadores formalizados (táxis, mototáxis, táxis colectivos) com base em metas de serviço, rotas cumpridas e passageiros transportados. Os valores seriam definidos por critérios técnicos e supervisionados por entidades públicas.

2. Cartão de combustível com limite diário: Distribuição de cartões magnéticos para abastecimento exclusivo de veículos registados, com controlo digital e limite diário/mensal, reduzindo o desvio de combustível e o contrabando.

3. Incentivo à renovação da frota: Criação de linhas de microcrédito bonificadas, com garantias do Estado, para substituição de viaturas antigas por modelos mais económicos, ecológicos e acessíveis.

4. Digitalização e rastreabilidade: Apoio à adopção de aplicativos de mobilidade, GPS e sistemas de pagamento digital, permitindo maior transparência, segurança e planeamento urbano com base em dados.

5. Plataforma Nacional de Transporte Público Informal (PNTPI): Criação de uma entidade pública participativa para registo, gestão, fiscalização e monitoramento da actividade dos operadores subvencionados.

A SONANGOL em Risco: O Custo Oculto dos Subsídios

Desde 2019, a responsabilidade pela cobertura dos subsídios foi transferida do Orçamento do Estado para a SONANGOL, sem a devida compensação orçamental. Este arranjo institucional, que à primeira vista parece aliviar o Tesouro Nacional, na prática está a empurrar a maior empresa pública angolana para um abismo financeiro.

A dívida acumulada do Estado para com a SONANGOL ronda os 10 mil milhões de dólares norte-americanos, comprometendo a sua capacidade de investimento, a sua reputação internacional e a sua função estratégica na economia. Daron Acemoglu e James Robinson (2012) alertam que quando instituições fundamentais são enfraquecidas por práticas de má governação e irresponsabilidade fiscal, todo o sistema económico corre o risco de colapsar.

Política com Coragem: Mudar Antes da Ruptura

A experiência da retirada dos subsídios aos combustíveis da aviação civil demonstra que reformas impopulares, mas necessárias, são possíveis. No entanto, a manutenção dos subsídios aos combustíveis terrestres revela uma resistência injustificada à modernização.

Mariana Mazzucato (2018), economista do desenvolvimento, argumenta que o Estado moderno deve ir além da correcção de falhas de mercado. Ele deve liderar transformações, moldar mercados e promover inovação social. Subsidiar os táxis e os transportes colectivos urbanos seria uma dessas acções transformadoras.

Conclusão: A Escolha entre a Estagnação e o Futuro

Angola precisa decidir o que quer ser na próxima década: um país que perpetua modelos económicos ultrapassados, que empobrecem a maioria e fragilizam o Estado; ou uma nação que ousa modernizar-se, valorizar o trabalho informal, promover justiça social e assegurar sustentabilidade económica.

Subsidiar o transporte público é mais eficiente, mais justo e mais estratégico do que subsidiar combustíveis. Reconhecer o papel dos taxistas é garantir dignidade a quem transporta a esperança de milhões de angolanos todos os dias.

A escolha é política. O momento é agora. O futuro depende da coragem de mudar.

Denílson Adelino Cipriano Duro é Mestre em Governação e Gestão Pública, com Pós-graduação em Governança de TI. Licenciado em Informática Educativa e Graduado em Administração de Empresas, possui uma sólida trajectória académica e profissional voltada para a governação, gestão de projectos, tecnologias de informação, marketing político e inteligência competitiva urbana. Actua como consultor, formador e escritor, sendo fundador da DL - Consultoria, Projectos e Treinamentos. É autor de diversas obras sobre liderança, empreendedorismo e administração pública, com foco em estratégias inovadoras para o desenvolvimento local e digitalização de processos governamentais.

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