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Análise

Seguro empresarial em Angola: a indiferença que custa milhões

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1. Contexto recente: Vandalismo, pilhagem e crise empresarial

Entre os dias 28 e 30 de Julho de 2025, Angola assistiu a uma vaga de violência urbana sem precedentes em várias províncias, com destaque para Luanda, Huíla, Benguela e Huambo. O estopim foi a greve nacional dos taxistas, em protesto contra o aumento dos combustíveis, que rapidamente descambou para actos de vandalismo, pilhagem de estabelecimentos comerciais e destruição de património público e privado. O balanço é trágico: 22 mortos, 197 feridos, 66 lojas vandalizadas e centenas de milhões de kwanzas em prejuízos.

Estes eventos trouxeram à tona a fragilidade da estrutura empresarial angolana perante riscos extraordinários e a urgente necessidade de preparação estratégica através de mecanismos de transferência de riscos, como os seguros. O Presidente da República, João Lourenço, lamentou publicamente as mortes e classificou os actos como tentativas de sabotar a economia nacional, defendendo a responsabilização exemplar dos autores.

Neste quadro, o Executivo anunciou um pacote de 50 mil milhões de kwanzas em linha de crédito para as empresas vandalizadas. No entanto, como defende Ulrich Beck (1992), “em sociedades de risco, o crédito financeiro nunca substitui a protecção real contra o risco, ele apenas posterga a dor”. O verdadeiro antídoto é a prevenção estruturada.

2. Angola e a cultura de seguros: Uma lacuna estratégica

Apesar de Angola possuir marcos regulatórios no sector segurador, a cultura de seguro empresarial ainda é incipiente. Segundo o Instituto de Supervisão de Seguros de Angola (ARSEG), o índice de penetração de seguros no PIB está abaixo de 1 por cento, sendo que a maior parte da actividade seguradora se concentra nos seguros obrigatórios de automóveis e de acidentes de trabalho.

Como observa Gonçalves (2020), “as empresas angolanas operam em ambientes de elevado risco político, social e económico, mas não internalizam a cultura da protecção financeira formal, o que as torna vulneráveis a qualquer abalo externo”. Isso explica por que tantas empresas afectadas pelos actos de pilhagem estavam sem cobertura adequada e, portanto, completamente expostas.

A maioria dos seguros empresariais padrão em Angola não contempla, por padrão, cobertura contra vandalismo, tumultos ou pilhagens, sendo esta contratada apenas por cláusula adicional (endosso), conforme explica o jurista Telmo Bessa (2025): “a omissão da cobertura de vandalismo nas apólices não pode ser considerada má-fé da seguradora, mas evidencia uma falha do tomador em adequar o contrato aos riscos reais do ambiente”.

3. A função estratégica do seguro empresarial

O seguro empresarial deve ser entendido como instrumento de gestão estratégica de riscos, e não como um simples custo operacional. Peter Drucker (1990) já advertia: “aquilo que não se planeia, se paga em dobro no dia do imprevisto”. No mundo empresarial, o seguro é o planeamento da continuidade, mesmo quando tudo falha.

Dentre os seguros mais relevantes para o contexto angolano, destacam-se:

• Seguro multirriscos empresarial, com cobertura para incêndio, roubo, avarias e possibilidade de incluir cobertura contra vandalismo, tumultos e pilhagens;

• Seguro de lucros cessantes, que cobre a perda de receitas durante a interrupção das operações;

• Seguro de responsabilidade civil, essencial para proteger a empresa de danos causados a terceiros;

• Seguro contra riscos políticos e sociais, geralmente contratados por empresas multinacionais que operam em países com instabilidade.

Segundo Porter (2008), a competitividade empresarial moderna depende da capacidade de adaptação rápida aos choques externos. E, nesse contexto, o seguro é mais do que protecção, é uma vantagem competitiva.

4. A nova Lei contra o vandalismo e a responsabilidade penal

A aprovação da Lei n.º 13/24, de Setembro de 2024, que criminaliza com penas severas a vandalização de bens públicos e privados, constitui uma medida importante para o reforço do Estado de Direito. Esta legislação prevê penas de 3 a 25 anos de prisão, conforme o tipo de vandalismo, e autoriza o direito de regresso das seguradoras contra os criminosos identificados, o que fortalece o sistema de seguros e responsabiliza os infractores.

Segundo Boaventura de Sousa Santos (2007), “o Direito só se torna efectivo quando serve tanto para punir os desvios como para prevenir as suas consequências sociais e económicas”. Neste caso, o seguro empresarial aliado à acção penal fortalece o tecido económico e institucional do país.

5. Lições para o futuro: Caminhos para uma Angola resiliente

Os últimos acontecimentos deixam lições urgentes:

• Promover a literacia em seguros, como parte da educação empresarial;

• Criar incentivos fiscais para empresas que contratam seguros multirriscos;

• Exigir cláusulas obrigatórias de cobertura contra tumultos em sectores estratégicos como comércio, logística e retalho alimentar;

• Integrar a gestão de riscos no planeamento estratégico de PMEs;

* Fomentar políticas públicas de protecção empresarial, incluindo subsídios à contratação de seguros em zonas de risco.

Segundo Nassim Taleb (2007), em A Lógica do Cisne Negro, “os eventos raros e impactantes não são previsíveis, mas a sua recorrência histórica exige que as sociedades aprendam a estruturar-se para os absorver”. Esta é a realidade que Angola vive, a necessidade de blindar o empreendedorismo contra choques que já não são apenas uma hipótese, mas uma certeza cíclica.

6. Conclusão: Seguros como sustentabilidade

A sustentabilidade das empresas em Angola não pode ser assegurada apenas com discursos institucionais ou linhas de crédito paliativas. É imperioso que o sistema empresarial angolano integre o seguro como pilar da sua sustentabilidade e continuidade operacional.

É tempo de Angola adoptar a máxima do especialista em risco Douglas Hubbard (2009): “gerir sem medir o risco é apostar no invisível, e o invisível, mais cedo ou mais tarde, custa caro”.

Se os danos de Julho de 2025 foram dolorosos, que sirvam pelo menos para impulsionar uma nova era de resiliência empresarial, responsabilidade social e inteligência estratégica no tecido económico angolano.

Denílson Adelino Cipriano Duro é Mestre em Governação e Gestão Pública, com Pós-graduação em Governança de TI. Licenciado em Informática Educativa e Graduado em Administração de Empresas, possui uma sólida trajectória académica e profissional voltada para a governação, gestão de projectos, tecnologias de informação, marketing político e inteligência competitiva urbana. Actua como consultor, formador e escritor, sendo fundador da DL - Consultoria, Projectos e Treinamentos. É autor de diversas obras sobre liderança, empreendedorismo e administração pública, com foco em estratégias inovadoras para o desenvolvimento local e digitalização de processos governamentais.

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