África
RDC vs Ruanda: a paz que vem de fora do continente
Foi recentemente assinado em Washington, sob mediação dos Estados Unidos da América (EUA), um armistício entre a República Democrática do Congo (RDC) e o Ruanda. Mas por tudo que está a ser dado a ver, cresce a percepção de que o Movimento 23 de Março (M23), que está directamente em guerra com o governo congolês, foi protelado – um “erro” que, entretanto, Angola procurou corrigir (quando ainda era o mediador) nas últimas rodadas das negociações.
A paz caminha, ainda que parcial, nos corredores e avenidas da RDC, um feito cujo mérito é atribuído ao presidente dos EUA, Donald Trump, bem como ao Emir do Qatar Tamim bin Khalifa, que mediaram o diferendo militar que opunha Kinshasa de Kigali.
O referido diferendo arrasta-se à décadas, e a rápida solução encontrada pelos EUA desde o momento que entrou em cena, levanta vários questionamentos sobre a metodologia usada por Donald Trump, na qualidade de mediador.
Entre os questionamentos a propósito tem ganhado forma a suspeição de que Donald Trump, face ao poder económico e militar à sua disposição, usou, por um lado, a pressão diplomática para persuadir sobretudo o Ruanda; ou a ameaça.
Essas suspeições resultam do facto de o Presidente angolano, João Manuel Gonçalves Lourenço, sob estreita colaboração da União Africana, ter mediado o conflito por anos, tendo obtido apenas cessação momentânea.
João Lourenço tudo fez para o alcance da paz. De início cedeu à exigência de seu homólogo da RDC, Félix Tshisekedi, em excluir o M 23 das negociações, face ao sofrimento que o grupo vem infligindo às populações, mantendo-se negociações com o Ruanda, que tem em solo da RDC, segundo um relatório das Nações Unidas, entre três mil e quatro mil militares, que lutam junto dos rebeldes.
Kigali nunca admitiu que tenha ou esteja a apoiar o M23, mas chegou a sublinhar que seus soldados têm defendido o país contra os rebeldes das Forças Democráticas para a Libertação de Ruanda (FDLR), que se encontram estabelecidas na RDC, representando uma ameaça para o Ruanda.
No caso vertente, João Lourenço conseguiu demover Tshisekedi de sua pretensão de não negociar com o M23, tendo sido agendado um encontro em Luanda com os representantes do referido grupo rebelde. Porém, uma sanção europeia, saída no mesmo dia em que deveria ocorrer o encontro na capital angolana, acabou por funcionar como um acto de boicote às iniciativas de paz de Angola, dado que os representantes do M23 foram proibidos de viajar.
Além dessa decisão europeia, no mesmo dia em que deveria ocorrer a reunião entre enviados do governo da RDC e do M23, em Luanda, Paul Kagame e Félix Tshisekedi reuniram-se no Qatar, sob mediação do Emir, a pedido de Donald Trump.
E no dia em que o chefe da Casa Branca anunciou o acordo de paz entre a RDC e o Ruanda, elogiou a decisão de esperança.
“Hoje, a violência e a destruição chegam ao fim e toda a região começa um novo capítulo de esperança e oportunidade, harmonia, prosperidade e paz”, declarou o presidente dos EUA ao lado dos ministros dos Negócios Estrangeiros dos dois países, reforçando que “este é um dia maravilhoso”.
Apesar dos feitos, salta à vista a não citação da inclusão do M23 no acordo, sendo esta a verdadeira força de confronto directo com o governo de Kinshasa.
Ou seja, a impressão que há é de que poucos vêem o que a então mediação angolana alcançou em termos de percepção…