Análise
Políticas sociais e fiscalização no PIDLCP: desafios e lições globais para a redução da pobreza em Angola

A reestruturação do Programa Integrado de Desenvolvimento Local e de Combate à Pobreza (PIDLCP), oficializada por decreto presidencial e publicada no Diário da República a 8 de Agosto de 2025, surge como uma resposta estratégica aos desafios estruturais da pobreza em Angola. Trata-se de um programa ancorado no Plano de Desenvolvimento Nacional 2023-2027, na Estratégia Angola 2050 e nos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030, o que demonstra que o país procura alinhar-se com as boas práticas internacionais em matéria de desenvolvimento humano.
A ambição central do programa é, “garantir a redução da pobreza multidimensional, assegurar o desenvolvimento local, o acesso universal a serviços públicos, a inclusão social produtiva e a coesão territorial”— traduz-se numa visão de política social abrangente, onde a pobreza não é vista apenas como falta de rendimento, mas como privação múltipla de direitos, oportunidades e dignidade.
1. Políticas sociais baseadas em evidência
Segundo Amartya Sen (1999), Prémio Nobel da Economia, “o desenvolvimento deve ser visto como um processo de expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam”. Essa visão é essencial para compreender o PIDLCP, que vai além de políticas compensatórias e procura criar capacidades locais. O programa estrutura-se em quatro eixos:
1. Ampliação dos serviços públicos básicos;
2. Promoção da agricultura familiar e do empreendedorismo;
3. Mobilização social e concertação comunitária;
4. Inclusão produtiva e geração de rendimento.
Essa abordagem está alinhada com a ideia de políticas integradas defendida por Joseph Stiglitz (2012), que afirma que “a luta contra a pobreza exige a combinação de crescimento económico inclusivo com a provisão de bens públicos de qualidade”.
2. A descentralização como chave para a eficácia
A execução municipal do PIDLCP segue a lógica da descentralização administrativa, uma tendência global nas políticas de combate à pobreza. Angelo Bonfiglioli, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), afirma que “o desenvolvimento local só é sustentável quando as decisões e recursos estão próximos de quem sofre as consequências das políticas públicas”.
Em Angola, esta descentralização significa que Administrações Municipais lideram a execução, recebendo uma dotação mensal de Kz 25.000.000,00 para projectos locais. Contudo, esta proximidade com as comunidades não elimina a necessidade de supervisão rigorosa, sob pena de abrir espaço para má gestão e uso indevido dos recursos.
3. Exemplos de sucesso e lições internacionais
Brasil – Bolsa Família
O Bolsa Família, reconhecido pelo Banco Mundial e pela ONU, retirou milhões de brasileiros da extrema pobreza através de transferências monetárias condicionadas. A chave do sucesso esteve no uso de cadastros únicos, cruzamento de dados e auditoria permanente, o que reduziu fraudes e aumentou a eficácia. Angola pode aprender com este modelo ao reforçar o SIGAPCP como ferramenta de gestão de beneficiários.
China – Erradicação da pobreza extrema
Entre 1981 e 2019, a China retirou mais de 850 milhões de pessoas da pobreza extrema, segundo o Banco Mundial. O método combinou infra-estruturas locais, apoio técnico, experimentação e avaliação constante. O PIDLCP, ao prever diagnósticos de vulnerabilidade e metas bienais, aproxima-se desta metodologia.
Ruanda – Fiscalização comunitária
O Ruanda apostou num modelo de prestação de contas chamado Imihigo, onde líderes locais assinam contratos públicos de desempenho e são avaliados pelas comunidades. Este sistema aumentou a transparência e a confiança pública. Um mecanismo semelhante poderia reforçar o controlo comunitário no PIDLCP.
Vietname – Desenvolvimento rural inclusivo
Programas financiados pelo IFAD no Vietname beneficiaram 75 mil pessoas, sobretudo mulheres e minorias, através de capacitação técnica e microcrédito. A chave foi o planeamento participativo, algo que Angola também poderá aprofundar, especialmente no Eixo 3 do PIDLCP.
4. O modelo de fiscalização: entre tecnologia e controlo social
O Sistema Informático de Gestão das Acções do Programa de Combate à Pobreza (SIGAPCP) é um avanço na modernização da administração pública. Permite registar projectos, monitorar a execução financeira e produzir relatórios trimestrais. Contudo, como alertam Kaufmann e Kraay (2002), “instituições importam, mas só funcionam quando existe capacidade técnica e vontade política para as usar com integridade”.
O PIDLCP só será plenamente eficaz se o controlo for multinível:
Controlo administrativo: auditorias internas e externas regulares;
Controlo tecnológico: uso do SIGAPCP para rastrear fundos e resultados;
Controlo social: envolvimento directo das comunidades beneficiárias.
O controlo social é um elemento vital. Experiências como a BRAC no Bangladesh mostram que o mapeamento participativo de beneficiários, feito por líderes comunitários, reduz falhas na selecção e fortalece a legitimidade do programa.
5. Desafios concretos para Angola
Apesar do alinhamento estratégico, o PIDLCP enfrenta obstáculos típicos de políticas sociais em contextos de capacidade institucional limitada:
1. Baixa literacia digital nas administrações municipais, dificultando o uso pleno do SIGAPCP;
2. Risco de captura política dos recursos, especialmente em ano pré-eleitoral;
3. Falta de indicadores qualitativos para medir o impacto real na vida das famílias;
4. Resistência à transparência por parte de alguns gestores locais.
6. Conclusão: transformar desenho técnico em transformação real
O PIDLCP é, no papel, um programa sólido, inspirado em práticas internacionais bem-sucedidas e ajustado à realidade nacional. Porém, como defende Michael Woolcock (Banco Mundial), “a diferença entre o que está escrito e o que acontece no terreno é o maior desafio das políticas públicas”.
Se Angola conseguir:
Garantir auditorias independentes e transparentes;
Capacitar continuamente os gestores municipais;
Incluir as comunidades no controlo social;
Aprender com experiências internacionais adaptadas à sua realidade;
Então o PIDLCP poderá não só reduzir a pobreza de 31% para 28% até 2027, mas também estabelecer um novo padrão de governação participativa, onde cada kwanza investido tem impacto mensurável na melhoria da vida dos cidadãos.