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Análise

Partidos políticos: entes do Estado e guardiões da democracia

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Em muitas democracias, sobretudo nas mais jovens, como a angolana, os partidos políticos são frequentemente vistos apenas como instrumentos de conquista do poder. No entanto, a sua natureza e função são muito mais amplas. A Constituição da República de Angola (CRA), no artigo 17.º, consagra-os como “instrumentos fundamentais para a formação e expressão da vontade popular” e como agentes centrais da consolidação do sistema democrático.

Tal conceção aproxima-se da visão de Giovanni Sartori (1994), que define os partidos como “intermediários indispensáveis entre a sociedade e o Estado”, cuja função não se esgota no processo eleitoral, mas se estende à preservação da estabilidade, à defesa das instituições e à promoção de políticas públicas. Assim, mais do que competidores pelo voto, os partidos são entes do Estado, com responsabilidades constitucionais e éticas na salvaguarda dos princípios estruturantes: Segurança, Justiça e Bem-Estar Social.

1. Para lá das urnas: o papel contínuo dos partidos

Reduzir o papel dos partidos políticos à mera competição eleitoral é, segundo Maurice Duverger (1970), uma distorção que fragiliza a democracia, porque ignora o seu papel integrador e organizador da vida política. Em Angola, essa redução enfraquece a capacidade de os partidos cumprirem funções essenciais, como a representação política, a formação da vontade coletiva e a articulação de interesses sociais.

David Easton (1965) descreve o sistema político como um “processo de alocação autoritativa de valores”, no qual os partidos desempenham a função de canalizar demandas da sociedade para dentro das instituições, convertendo-as em decisões legítimas. Essa função só é possível quando os partidos mantêm compromisso com os princípios fundamentais do Estado.

2. Segurança: fundamento da estabilidade nacional

A segurança é a base sobre a qual se constrói o desenvolvimento. Samuel Huntington (1968), em Political Order in Changing Societies, afirma que “a estabilidade política precede o desenvolvimento económico e social” e que, sem ordem, as instituições não prosperam.

Em Angola, onde a paz resultou de um processo complexo e custoso, os partidos têm o dever de atuar como garantes da estabilidade, evitando discursos que alimentem divisões ou incitem à violência. Esse papel implica respeitar e reforçar as instituições de defesa e segurança, preservando a integridade territorial e a soberania, independentemente de estarem no poder ou na oposição.

3. Justiça: pilar da confiança dos cidadãos

A justiça é a medida da legitimidade do Estado. Norberto Bobbio (2000) adverte que “não existe democracia sem Estado de Direito” e que a confiança dos cidadãos nas instituições depende da aplicação imparcial da lei.

Em Angola, os partidos devem defender reformas que garantam independência judicial, combate efetivo à corrupção e acesso universal à justiça. Contudo, como alertou o Professor Carlos Teixeira, no âmbito do Mestrado em Governação e Gestão Pública, o combate à corrupção deve ser firme, mas sem comprometer a eficiência da Administração Pública, sob pena de paralisar as funções do Estado.

4. Bem-Estar Social: a medida do progresso

Para Amartya Sen (1999), o desenvolvimento deve ser entendido como a expansão das liberdades reais das pessoas, e isso só acontece quando o bem-estar social é central na ação política.

A CRA, no artigo 21.º, estabelece como tarefa fundamental do Estado a promoção do desenvolvimento sustentável e a melhoria das condições de vida. Portanto, partidos políticos que ignoram áreas como saúde, educação, habitação e emprego falham na sua função de Estado. O compromisso com o bem-estar social deve ser traduzido em políticas públicas mensuráveis, não apenas em promessas eleitorais.

5. Função Legislativa e Fiscalização Ética

No Parlamento, os partidos exercem a função de produzir leis e fiscalizar a ação do Executivo. Robert Dahl (1998), em On Democracy, sublinha que a competição política só é saudável quando existe respeito pelas regras do jogo e pela autonomia das instituições.

A fiscalização, quer feita por partidos no poder, quer por partidos na oposição, deve ser responsável, evitando bloqueios por mero interesse eleitoral. Fiscalizar com ética significa proteger o Estado e não fragilizá-lo.

6. Oposição responsável: maturidade política

Em democracias consolidadas, a oposição é considerada um governo em espera, sempre pronta para assumir responsabilidades sem desestabilizar o sistema. Duverger lembra que a alternância no poder só fortalece a democracia quando os partidos aceitam perder e ganhar dentro das mesmas regras.

No caso angolano, isso significa que a oposição deve propor soluções concretas, denunciar irregularidades e contribuir para reformas estruturais, sem destruir a confiança pública nas instituições.

6. O desafio angolano: partidos políticos como construtores de futuro

A trajetória política de Angola, marcada por conflito e reconstrução, impõe aos partidos políticos uma missão dupla: competir democraticamente e agir como construtores de um projecto nacional duradouro. Isso exige visão estratégica de longo prazo e capacidade de formar consensos em torno de políticas de Estado, ultrapassando a lógica de curto prazo da disputa eleitoral.

Como adverte Sartori, “a política não é apenas a arte de conquistar o poder, mas de mantê-lo de forma legítima e útil para a comunidade”. Essa máxima deve guiar o comportamento de todos os partidos políticos angolanos.

Finalmente, é importante referir que os partidos políticos em Angola não podem ser vistos como simples máquinas eleitorais. São entes do Estado, investidos de responsabilidades constitucionais que implicam proteger a segurança, assegurar a justiça e promover o bem-estar social.

Quando falham nesses compromissos, não comprometem apenas o seu prestígio, mas corroem os alicerces do próprio Estado Democrático.

O desafio está em transformar a política partidária num verdadeiro serviço público, em que governo e oposição entendam que servir Angola é mais importante do que vencer uma eleição. A verdadeira vitória, como diria Bobbio, é “manter vivo o pacto democrático” que garante liberdade, estabilidade e prosperidade para todos.

Denílson Adelino Cipriano Duro é Mestre em Governação e Gestão Pública, com Pós-graduação em Governança de TI. Licenciado em Informática Educativa e Graduado em Administração de Empresas, possui uma sólida trajectória académica e profissional voltada para a governação, gestão de projectos, tecnologias de informação, marketing político e inteligência competitiva urbana. Actua como consultor, formador e escritor, sendo fundador da DL - Consultoria, Projectos e Treinamentos. É autor de diversas obras sobre liderança, empreendedorismo e administração pública, com foco em estratégias inovadoras para o desenvolvimento local e digitalização de processos governamentais.

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