Análise
O Turismo em Angola entra na era das reformas: competitividade ou excesso regulatório?
1. O turismo como prioridade estratégica do Executivo
A última sessão ordinária do Conselho de Ministros de 2025 confirma a elevação do turismo ao estatuto de sector estratégico para a diversificação económica de Angola. Sob orientação do Presidente da República, João Lourenço, o Executivo apreciou e aprovou um conjunto alargado de diplomas legais destinados a reorganizar o sistema funcional do turismo. Esta opção política enquadra-se na visão de Porter (1990), segundo a qual a competitividade de um sector resulta da interacção entre um quadro institucional sólido, estratégias bem definidas e um ambiente de negócios favorável.
Todavia, como alertam autores clássicos do turismo, a produção normativa, por si só, não garante competitividade. Cooper et al. (2008) defendem que o turismo deve ser compreendido como um sistema integrado, no qual políticas públicas, mercado, território e actores sociais actuam de forma articulada.
2. Leis e diplomas aprovados para o sector do turismo
No domínio específico do turismo, o Conselho de Ministros aprovou um pacote legislativo estruturante, com destaque para:
Proposta de Lei de Autorização Legislativa que confere ao Presidente da República, enquanto Titular do Poder Executivo, competência para aprovar o Regime Jurídico da Contribuição Especial para o Turismo, criando uma fonte específica de financiamento para o desenvolvimento do sector;
Projecto de Decreto Presidencial que altera o diploma que aprova o Regime Jurídico da Instalação, Exploração e Funcionamento dos Empreendimentos Turísticos, visando a sua actualização técnica e operacional;
Projecto de Decreto Presidencial que altera o Regulamento sobre a Emissão e Uso do Alvará de Exploração de Estabelecimentos de Restauração e Similares, reforçando a formalização e a fiscalização da actividade;
Projecto de Decreto Presidencial que aprova a alteração ao Regulamento sobre o Licenciamento e Exercício da Actividade das Agências de Viagens e Turismo, com incidência na credibilização do mercado e na protecção do consumidor;
Projectos de Decretos Presidenciais que aprovam a Taxa Única Aplicável ao Licenciamento dos Estabelecimentos de Restauração e Similares, a Taxa Única Aplicável ao Licenciamento dos Empreendimentos Turísticos e a Taxa Única Aplicável ao Licenciamento das Agências de Viagens e Turismo, promovendo maior transparência e previsibilidade financeira;
Projecto de Decreto Presidencial que aprova as Medidas para o Desenvolvimento do Turismo de Eventos;
Projecto de Decreto Presidencial que aprova as Medidas para o Desenvolvimento do Turismo Marítimo;
Projecto de Decreto Executivo Conjunto que aprova o Catálogo de Profissões e o Qualificador de Referência do Sector do Turismo, instrumento fundamental para a profissionalização da actividade.
Este conjunto de diplomas representa um dos mais abrangentes esforços de reforma normativa do turismo em Angola desde a independência.
3. Reforma normativa, previsibilidade e ambiente de negócios
Dredge e Jenkins (2007) sublinham que a previsibilidade regulatória constitui um factor determinante para a atracção de investimento turístico sustentável. A revisão dos regimes de licenciamento e a introdução de taxas únicas aproximam Angola de experiências bem-sucedidas em países como Portugal e Cabo Verde, onde a simplificação administrativa contribuiu para a dinamização do sector.
Contudo, como defende Morrison (2013), a competitividade turística não resulta apenas da existência de normas claras, mas da eficiência administrativa, da rapidez dos procedimentos e da redução efectiva da burocracia. Sem digitalização e capacidade institucional adequada, a reforma legal corre o risco de não produzir os efeitos desejados.
4. Planeamento estratégico e diferenciação territorial
O planeamento estratégico constitui um pilar central da competitividade turística. Gunn e Var (2002) defendem que o turismo deve ser planeado como um sistema territorial integrado, articulando recursos naturais, culturais, infra-estruturas e comunidades locais. As medidas aprovadas para o turismo de eventos e para o turismo marítimo representam uma oportunidade de diversificação da oferta turística nacional.
A experiência de países como Espanha e Marrocos demonstra que a diferenciação territorial, assente em produtos turísticos claros e bem posicionados, é determinante para o sucesso internacional. Angola deve, por isso, adoptar um modelo de planeamento que identifique destinos prioritários e vocações específicas, ajustadas à sua realidade económica e social.
5. Capital humano e profissionalização do sector
A aprovação do Catálogo de Profissões e do Qualificador de Referência do Sector do Turismo responde a uma lacuna estrutural do sector. Baum (2007) afirma que o turismo é uma actividade intensiva em serviços, na qual a qualidade da experiência depende directamente da formação, competência e atitude dos profissionais.
Nos destinos turísticos mais competitivos, estes instrumentos são acompanhados por sistemas de formação contínua, certificação profissional e valorização social das carreiras turísticas. Em Angola, a eficácia deste diploma dependerá da sua implementação prática e da articulação com instituições de ensino e o sector privado.
6. Governação integrada e articulação intersectorial
Hall (2008) sustenta que o turismo é um sector transversal que exige governação integrada e coordenação entre diferentes áreas do Estado, como transportes, ambiente, cultura, segurança e relações externas. A apreciação, na mesma sessão, de matérias do Ministério das Relações Exteriores reforça a importância da articulação entre turismo e diplomacia económica.
Países como Marrocos e os Emirados Árabes Unidos demonstram que políticas de facilitação de vistos, promoção externa e cooperação internacional são determinantes para a competitividade turística.
7. Inovação, dados e destinos turísticos inteligentes
A literatura contemporânea enfatiza a importância da inovação e do uso de dados no turismo. Buhalis (2003) introduz o conceito de destinos turísticos inteligentes, caracterizados pela utilização de tecnologias de informação, big data e marketing digital para melhorar a gestão do destino e a experiência do visitante.
Embora a legislação recentemente aprovada não aborde directamente esta dimensão, ela cria bases institucionais para a futura implementação de sistemas de informação turística e observatórios do sector, essenciais para a tomada de decisão baseada em evidência.
Finalmente, é importante reconhecer que o pacote de leis e decretos aprovados na última sessão do Conselho de Ministros de 2025 representa um avanço significativo na estruturação institucional do turismo em Angola. Todavia, à luz dos contributos de autores de referência como Cooper, Hall, Buhalis e Baum, a competitividade turística constrói-se menos na produção normativa e mais na execução eficaz, coordenação intersectorial, planeamento estratégico e valorização do capital humano.
Se estas reformas forem implementadas com rigor, transparência e visão de longo prazo, Angola poderá transformar o turismo num sector competitivo, sustentável e capaz de contribuir de forma decisiva para o desenvolvimento económico e social do país.
