Análise
O Banco BAI e o risco sistémico da imoralidade financeira em Angola
O recente escândalo financeiro que envolve o Banco Angolano de Investimentos (BAI), com o desvio de mais de cinco mil milhões de kwanzas, abalou não apenas o sistema bancário nacional, mas também a credibilidade da elite financeira angolana. Trata-se de um caso emblemático que revela fragilidades estruturais, défices éticos e lacunas tecnológicas de um sistema que ainda luta para consolidar a confiança do público e dos investidores.
Mais do que uma fraude isolada, o caso BAI é o espelho de um problema sistémico: a dificuldade das instituições angolanas em integrar, de forma eficaz, os princípios de governação corporativa, transparência e responsabilidade que sustentam qualquer processo de valorização em bolsa. A BODIVA (Bolsa de Dívida e Valores de Angola), enquanto mercado emergente, enfrenta o desafio de construir um ambiente de confiança num contexto em que a corrupção, a impunidade e a falta de regulação eficaz ainda minam a imagem do sector financeiro.
1. O Capital da Confiança: O Activo Mais Valioso do Mercado
O valor real de uma empresa vai muito além dos números dos seus relatórios financeiros. Ele repousa sobre um activo intangível fundamental: a confiança. Segundo Francis Fukuyama (1995), na sua obra Trust: The Social Virtues and the Creation of Prosperity, “a confiança é um bem social essencial, sem o qual nenhuma economia moderna pode prosperar”. Em outras palavras, o sistema financeiro só floresce quando os agentes económicos acreditam que os outros agirão de forma previsível e ética.
Quando a confiança é abalada, como no caso do BAI, o mercado reage com desvalorização, fuga de investidores e erosão da credibilidade institucional. A confiança é, portanto, o verdadeiro preço invisível da economia, e a sua ausência tem consequências profundas.
Como sublinham Shleifer e Vishny (1997), no artigo A Survey of Corporate Governance, a valorização de uma empresa está directamente ligada ao “nível de protecção que os investidores sentem em relação ao uso dos seus recursos”. Em Angola, essa protecção ainda é frágil, e o caso Banco BAI expõe precisamente isso: a vulnerabilidade do capital humano, tecnológico e institucional.
2. Critérios Fundamentais de Valorização em Bolsa de Valores
Para que uma empresa seja valorizada num mercado de capitais, deve respeitar critérios técnicos, éticos e institucionais que definem a sua robustez e atractividade. Em mercados maduros, como o brasileiro (B3) ou o norte-americano (NYSE), a valorização resulta de um equilíbrio entre rentabilidade, transparência e boa governação.
No contexto angolano, esses critérios ganham ainda mais relevância:
1. Transparência e Divulgação de Informação
A transparência é o pilar central da valorização. As empresas cotadas devem disponibilizar relatórios financeiros auditados, publicar informações de forma regular e garantir acesso público às suas decisões estratégicas.
Segundo Jensen e Meckling (1976), “a assimetria de informação entre gestores e investidores é a principal causa de ineficiências no mercado”. Quanto menor for essa assimetria, maior será a valorização da empresa.
2. Governação Corporativa Eficaz
A boa governação traduz-se na separação clara entre os papéis de gestão e de supervisão. Conselhos de Administração independentes e mecanismos de controlo interno reduzem os riscos de abuso de poder.
Autores como La Porta et al. (1999) defendem que “as empresas com melhor governação corporativa apresentam valorizações superiores e atraem mais investimento estrangeiro”.
3. Integridade e Ética Organizacional
A ética empresarial é um elemento não quantificável, mas decisivo. Num estudo de Lins, Servaes e Tamayo (2017), constatou-se que “as empresas com práticas éticas sólidas tiveram valorização positiva mesmo em contextos de crise”. No caso do BAI, a ausência de mecanismos éticos e de monitorização adequada gerou o colapso da imagem institucional.
4. Gestão de Risco e Controlo Interno
Em tempos de digitalização financeira, como alerta Joseph Stiglitz (2002), “a inovação sem regulação é um convite ao colapso”. O sistema “BAI Directo”, usado para cometer a fraude, demonstra que tecnologia sem ética é vulnerabilidade. O controlo interno e o compliance não devem ser vistos como burocracia, mas como garantias de sustentabilidade.
5. Reputação e Responsabilidade Social
A reputação é um capital construído lentamente e destruído em segundos. Philip Kotler (2019) lembra que “marcas e instituições são como pessoas: valem pela confiança que inspiram”. Empresas que se comprometem com práticas sustentáveis e éticas tendem a valorizar-se mais, porque reflectem credibilidade no longo prazo.
3. O Caso Banco BAI e as Lições para a Economia Angolana
O escândalo no BAI é um divisor de águas. Mostra que a digitalização bancária sem cultura de integridade é um risco sistémico e que o problema da fraude em Angola é mais cultural e institucional do que meramente técnico.
A detenção de catorze funcionários e ex-funcionários não resolve o problema: é apenas a ponta do icebergue. O verdadeiro desafio é reformar o modelo de governação das instituições financeiras, inserindo nelas práticas que correspondam aos padrões internacionais de compliance e prestação de contas.
Como defende Milton Friedman (1970), “a principal responsabilidade de uma empresa é gerar lucros dentro das regras do jogo”. O problema é que, em muitos contextos africanos, as regras do jogo ainda não estão plenamente estabelecidas, e onde há zonas cinzentas, floresce a corrupção.
Em mercados como o angolano, onde a BODIVA ainda se encontra em processo de amadurecimento, cada caso de fraude representa uma erosão da confiança colectiva. A percepção internacional sobre o ambiente de negócios angolano é construída por episódios como este, e, por isso, a punição exemplar e a transparência processual são medidas tão importantes quanto as reformas estruturais.
4. Angola e o Desafio da Credibilidade Financeira
A Bolsa de Dívida e Valores de Angola (BODIVA) representa um marco no esforço de diversificação da economia nacional. Contudo, o sucesso deste projecto depende da reputação das empresas e instituições que nela operam.
Como refere o Banco Africano de Desenvolvimento (AfDB, 2023), “a valorização sustentável de empresas africanas em bolsa requer estabilidade política, governação corporativa e confiança regulatória”. Neste sentido, o papel da Comissão do Mercado de Capitais (CMC) e do Banco Nacional de Angola (BNA) é crucial, não apenas como reguladores, mas como educadores da integridade empresarial.
A consolidação da BODIVA como espaço de transparência exige:
Auditorias obrigatórias independentes;
Publicação trimestral de resultados;
Políticas claras de prevenção ao branqueamento de capitais;
E mecanismos de rastreamento digital de transacções.
5. Reflexão Final: Da Crise à Oportunidade
A história mostra que grandes mercados financeiros cresceram a partir de grandes crises. O escândalo do Banco BAI pode, paradoxalmente, ser o ponto de viragem para uma nova cultura de integridade no sistema financeiro angolano.
Como sublinha Michael Porter (1990), “a competitividade de uma nação depende da capacidade das suas empresas serem transparentes, inovadoras e éticas”. Se Angola quiser projectar-se como destino de investimento e fortalecer a sua economia, precisa transformar os seus bancos e empresas em modelos de confiança e eficiência.
A valorização em bolsa não nasce do lucro fácil, mas da confiança duradoura. As empresas que respeitam a ética, a transparência e a responsabilidade social não apenas atraem investidores, mas também criam valor para o país.
Finalmente, é importante referir que o escândalo no Banco BAI é um lembrete amargo de que, sem moralidade financeira, não há futuro económico sustentável. A valorização das empresas em bolsa será sempre o reflexo da governação e da confiança pública. Para Angola avançar, não bastará punir os culpados: será necessário reformar a cultura empresarial, fortalecer as instituições e educar o mercado.
Como escreveu Peter Drucker (1999): “Não se pode gerir o que não se mede, e não se pode medir o que não se controla.” O futuro do sistema financeiro angolano dependerá exactamente disso: de medir com rigor, controlar com ética e governar com transparência.
