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Análise

Mercado de trabalho petrolífero: a juventude angolana está realmente preparada?

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1. Introdução: A centralidade do petróleo no mundo contemporâneo

O sector de petróleo e gás é, desde o século XX, um dos pilares do desenvolvimento económico global. Muito além de ser uma simples fonte de energia, tornou-se elemento estratégico para a geopolítica, o comércio internacional e a segurança dos Estados. Como observa Yergin (2009), “o petróleo não é apenas uma mercadoria, mas sim um elemento estratégico que molda economias, sociedades e políticas internacionais”. Essa centralidade faz do mercado de trabalho do sector um espaço atrativo, mas também altamente competitivo e volátil.

2. O mercado global: entre a expansão e a transição energética

No panorama mundial, o sector emprega milhões de trabalhadores em diferentes áreas – desde a exploração e produção (upstream) até à refinação e distribuição (downstream). Países como Arábia Saudita, EUA, Canadá e Rússia mantêm-se como protagonistas da produção, enquanto a Europa aposta mais na transição energética e na eficiência tecnológica.

Contudo, o futuro do trabalho neste sector já não se constrói apenas em plataformas de petróleo ou refinarias. Segundo Bremmer (2021), “a transição energética não é apenas uma questão ambiental, mas também um desafio profundo de reestruturação do mercado de trabalho”. O mundo caminha para um equilíbrio instável, no qual o petróleo ainda será dominante por décadas, mas partilhará espaço com energias renováveis e soluções híbridas.

3. O caso africano: entre a bênção e a maldição dos recursos

África, continente de abundância energética, continua a viver o dilema do paradoxo da abundância (Sachs & Warner, 2001). Nigéria, Angola, Moçambique e Gana possuem reservas relevantes, mas enfrentam dificuldades em transformar a riqueza em desenvolvimento sustentável.

O mercado de trabalho africano no sector petrolífero é ambíguo: cria empregos altamente remunerados para uma minoria, mas mantém grande parte da população excluída, sobretudo pela exigência de certificações e qualificações técnicas. A questão que se coloca é se a juventude africana está a ser devidamente preparada para competir com expatriados ou se continuará a ocupar apenas funções periféricas nas cadeias de valor.

4. Angola: o petróleo como eixo da economia e do emprego

Angola destaca-se como segundo maior produtor de petróleo da África Subsaariana, apenas atrás da Nigéria. De acordo com o Banco Nacional de Angola (2023), o sector representa cerca de 30% do PIB nacional e mais de 90% das exportações.

As oportunidades de trabalho estão concentradas em grandes players como Sonangol, TotalEnergies, Chevron, ExxonMobil e BP, bem como em empresas de serviços internacionais (Halliburton, Schlumberger, Baker Hughes). Todavia, como observa Tavares (2019), “o emprego directo no petróleo é limitado e altamente especializado, sendo o maior impacto sentido nos empregos indirectos gerados pelas cadeias de valor associadas”.

Aqui reside uma das fragilidades estruturais: Angola gera receitas extraordinárias com petróleo, mas cria relativamente poucos empregos directos. A maioria das oportunidades indirectas está em logística, transporte, catering, segurança, manutenção e consultoria.

5. Formação e capacitação: o grande desafio nacional

A política de conteúdo local pretende reduzir a dependência de expatriados e fortalecer o emprego nacional. No entanto, como alerta a Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANPG, 2022), “aumentar a participação de quadros angolanos no sector exige uma estratégia coordenada entre governo, empresas e instituições de ensino”.

Instituições como o Instituto Nacional de Petróleos (INP), a Sonangol Academy e universidades nacionais desempenham papéis centrais, mas ainda enfrentam limitações de recursos e actualização tecnológica. É imprescindível integrar certificações internacionais como NEBOSH, IOSH, IWCF, OPITO, PMP e normas da ISO, de modo a garantir competitividade e mobilidade profissional.

6. Revolução digital e novos perfis profissionais

O sector petrolífero não escapa à chamada Quarta Revolução Industrial. Automação, Big Data, Inteligência Artificial e Internet das Coisas estão a remodelar operações, reduzindo postos de trabalho manuais, mas criando novos nichos digitais. Schwab (2016) observa que “a quarta revolução industrial está a redefinir a relação entre homem, máquina e energia”.

No caso de Angola, a formação de quadros preparados para lidar com esta transformação é urgente. Engenheiros de petróleo tradicionais já não bastam: serão necessários analistas de dados, especialistas em cibersegurança, engenheiros ambientais e gestores de projectos digitais.

7. O dilema da transição energética

O petróleo continuará a ser central por algumas décadas, mas a pressão internacional por redução de emissões e cumprimento das metas de sustentabilidade impõe novos rumos. Para Angola, este cenário apresenta riscos e oportunidades: se não investir na capacitação dos seus profissionais e na diversificação energética (gás natural, energias renováveis, biocombustíveis), corre o risco de ver o seu mercado de trabalho encolher.

Collier (2010) adverte que “os recursos naturais podem ser uma maldição se não forem acompanhados de boa governação, instituições fortes e capital humano qualificado”. Este alerta é particularmente relevante para Angola, onde a juventude representa mais de 60% da população e precisa de uma estratégia clara de integração no setor energético.

8. Conclusão: o futuro do trabalho petrolífero em Angola

O mercado de trabalho no sector de petróleo e gás em Angola não está em colapso, mas em profunda transformação estrutural. O passado garantiu riqueza com base em extração intensiva; o futuro exigirá competências híbridas, capazes de integrar exploração petrolífera, tecnologias digitais e sustentabilidade ambiental.

O profissional do futuro será aquele que reunir:

Formação técnica sólida;

Certificações internacionais reconhecidas;

Domínio de línguas estrangeiras (sobretudo inglês técnico);

Competências digitais e ambientais;

Capacidade de adaptação à transição energética.

Angola tem uma oportunidade única de usar o petróleo não apenas como fonte de riqueza, mas como alavanca de transformação social e tecnológica. O desafio está em perceber que o tempo da abundância fácil está a chegar ao fim. Como advertiu Yergin (2009), “o futuro do petróleo não está apenas na sua extração, mas na capacidade de os países o integrarem de forma estratégica e sustentável nas suas economias”.

Denílson Adelino Cipriano Duro é Mestre em Governação e Gestão Pública, com Pós-graduação em Governança de TI. Licenciado em Informática Educativa e Graduado em Administração de Empresas, possui uma sólida trajectória académica e profissional voltada para a governação, gestão de projectos, tecnologias de informação, marketing político e inteligência competitiva urbana. Actua como consultor, formador e escritor, sendo fundador da DL - Consultoria, Projectos e Treinamentos. É autor de diversas obras sobre liderança, empreendedorismo e administração pública, com foco em estratégias inovadoras para o desenvolvimento local e digitalização de processos governamentais.

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