Análise
Melhor Município de Angola: prémio de mérito ou medalha de consolação?

A competitividade municipal é hoje uma medida fundamental para o desenvolvimento local inteligente, sustentável e centrado nas necessidades reais dos cidadãos. Pelo mundo fora, multiplicam-se iniciativas que reconhecem, avaliam e premiam o esforço dos municípios que adoptam boas práticas de governação, inovação digital, sustentabilidade, inclusão social e crescimento económico.
Como defende Porter (1990), a competitividade é “a capacidade de uma entidade criar valor, sobreviver e prosperar num ambiente competitivo”. Quando aplicada ao território, esta ideia traduz-se na necessidade dos municípios desenvolverem estratégias inovadoras que melhorem a sua atratividade, eficiência e qualidade de vida para os seus habitantes. O Banco Mundial (2010) também sublinha que a competitividade urbana resulta da capacidade de uma cidade atrair talento, investimento e inovação, promovendo simultaneamente inclusão social.
1. Angola Começa a Mover-se: O Prémio Melhor Município de Angola
Felizmente, Angola começa a alinhar-se com esta tendência global, com a recente aprovação do Prémio Melhor Município de Angola, ao abrigo do Decreto Presidencial n.º 166/23, de 4 de Agosto. Trata-se de uma iniciativa governamental que visa, entre outros objectivos, melhorar continuamente a gestão pública dos municípios, promovendo e valorizando as iniciativas que garantam a qualidade, eficiência e eficácia da acção governativa local, bem como a integridade, a boa governação e a adopção das melhores práticas de administração do território.
O Prémio será atribuído em categorias estratégicas, tais como:
Urbanismo, Infra-Estruturas e Ordenamento do Território;
Transporte, Mobilidade e Acessibilidade;
Participação do Cidadão e Qualidade do Serviço Público;
Saúde e Bem-Estar;
Igualdade e Inclusão;
Educação e Qualificação Profissional;
Boa Governação, entre outras.
Essa estrutura permite que se valorize o esforço multifacetado dos municípios, incentivando práticas orientadas para resultados concretos, mensuráveis e sustentáveis.
2. O Mundo como Referência: Lições de Cidades Inovadoras
Em diversos contextos internacionais, destacam-se experiências que mostram como os prémios municipais têm servido de estímulo a transformações urbanas profundas. A cidade de Medellín, na Colômbia, por exemplo, recebeu o título de Cidade Mais Inovadora do Mundo em 2013, atribuído pelo Urban Land Institute, graças à implementação de políticas públicas integradas nas áreas de mobilidade, educação e segurança.
Na Europa, o European Capital of Innovation Award (iCapital), promovido pela Comissão Europeia, reconhece cidades que desenvolvem ecossistemas de inovação com forte participação cidadã. Como defende Castells (1996), “as cidades tornam-se competitivas quando se tornam nós activos nas redes de inovação e informação”.
Na África, o Africities Awards, organizado pela UCLG África, destaca boas práticas de governação local em áreas como inclusão social, mobilidade urbana e uso das tecnologias de informação.
3. Angola e o Desafio da Transformação Local
Angola, ao longo dos últimos anos, tem enfrentado desafios profundos no tocante à qualidade da governação municipal. Muitos municípios carecem de capacidades institucionais, quadros técnicos qualificados e recursos financeiros para planearem e executarem políticas públicas transformadoras. A centralização excessiva da administração pública tem impedido a emergência de lideranças locais inovadoras e próximas das comunidades.
Contudo, com o surgimento do Prémio Melhor Município de Angola, abre-se uma nova janela de oportunidade. Este prémio pode tornar-se num instrumento de monitoria, partilha de boas práticas e benchmarking intermunicipal, permitindo aos municípios angolanos aprender uns com os outros e desenvolver estratégias sustentadas de melhoria contínua.
Como salienta o PNUD (2022), “a governança local é o nível onde as políticas públicas têm impacto directo e imediato na vida dos cidadãos, sendo, por isso, essencial para alcançar os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável”.
4. Para Que o Prémio Produza Resultados Reais
Para garantir que esta iniciativa não seja apenas simbólica, é essencial que o Prémio seja acompanhado por:
Critérios de avaliação rigorosos e transparentes;
Comissões técnicas independentes;
Instrumentos de medição objectiva, como o uso da norma ISO 37120 (Indicadores para Cidades Sustentáveis);
Plataformas digitais para participação cidadã e auditoria social;
Formação contínua para os gestores públicos municipais.
Mais do que uma competição institucional, o Prémio deve ser um mecanismo de responsabilização e incentivo à boa governação, transformando os municípios em verdadeiros laboratórios de políticas públicas modernas.
5. Perfil da Entidade Promotora: Independência, Técnica e Participativa
Para assegurar a transparência e a legitimidade do processo, a entidade responsável pela promoção e gestão do Prémio deve possuir um perfil institucional misto, técnico e participativo, funcionando de forma autónoma face às pressões político-partidárias. Idealmente, esta entidade deve resultar de uma parceria entre o Ministério da Administração do Território, a ANAM (Associação Nacional dos Municípios de Angola) e instituições académicas e técnicas independentes, como universidades, centros de estudos de políticas públicas, organizações da sociedade civil e parceiros internacionais de desenvolvimento (PNUD, GIZ, Banco Mundial, etc.).
Além disso, deve possuir um comité técnico-científico multissectorial, com especialistas nas áreas de urbanismo, governação, economia, ambiente, estatística e participação do cidadão, com mandato para definir critérios, validar dados e supervisionar o processo avaliativo. A publicação periódica dos resultados e dos relatórios de desempenho municipal, bem como a realização de fóruns públicos de apresentação de boas práticas, são mecanismos fundamentais para garantir credibilidade, inclusão e melhoria contínua.
6. Conclusão: Reforçar o Poder Local é Construir um Novo País
O Decreto Presidencial n.º 166/23, ao criar o Prémio Melhor Município de Angola, oferece uma oportunidade única para reposicionar o município como o verdadeiro centro da acção pública e do desenvolvimento nacional. Esta medida pode funcionar como alavanca para a descentralização efectiva, a profissionalização da gestão local e a aproximação do Estado aos cidadãos.
Como defende Amartya Sen (1999), “o desenvolvimento é, acima de tudo, um processo de expansão das liberdades reais das pessoas”. E essas liberdades só serão garantidas quando os municípios forem capazes de oferecer serviços públicos de qualidade, promover oportunidades económicas e criar ambientes urbanos seguros e sustentáveis.
Está nas nossas mãos transformar este prémio num catalisador de uma nova cultura de governação local em Angola, mais ética, mais eficiente, mais participativa e mais próxima do povo.
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