A voz do Cidadão
Luanda pós-paralisação: um chamado à recuperação urbana e à mobilidade sustentável

Na manhã desta quinta-feira, 31 de Julho, Luanda acordou para o primeiro dia útil após o fim de uma das greves mais marcantes dos últimos anos. Durante três dias consecutivos (segunda, terça e quarta) a capital angolana viu a sua principal estrutura de mobilidade ser paralisada pela greve dos taxistas. O impacto foi profundo: ruas congestionadas por pedestres, trabalhadores impedidos de chegar aos seus postos de trabalho, caos nas paragens, insegurança nas avenidas e, infelizmente, episódios lamentáveis de destruição de estabelecimentos privados.
Em Luanda, mais de 70% dos deslocamentos urbanos diários são feitos através dos táxis colectivos, conhecidos como “azuis e brancos”. Estes, apesar de essenciais, operam num regime informal, sem uma política de integração clara, e com ausência quase total de infraestrutura de apoio. Durante os dias de paralisação, muitos cidadãos foram obrigados a pagar evalores superiores por percursos que, antes, custavam 300 a 500 kwanzas, uma escalada de preços insustentável para qualquer trabalhador assalariado.
A dependência excessiva de um único modelo de transporte cria vulnerabilidades estruturais. E foi exactamente isso que explodiu nesta semana: a mobilidade de uma capital de mais de 8 milhões de habitantes desmoronou em menos de 24 horas de paralisação.
Recuperar é Preciso e Planear, Urgente
Após a tempestade, a cidade precisa respirar e reagir. Mas não apenas com operações de limpeza ou repressão pontual. É hora de pensar estrategicamente, tecnicamente e com coragem política.
Proponho, como arquitecto e urbanista, a criação de uma Comissão Técnica de Recuperação Urbana e Mobilidade de Luanda, um grupo multidisciplinar que integre especialistas em urbanismo, engenharia de transportes, finanças públicas, autoridades provinciais, sociólogos e representantes da sociedade civil.
Essa comissão teria como objetivos:
• Avaliar os danos causados à infraestrutura pública e privados;
• Propor e coordenar intervenções rápidas de requalificação urbana;
• Desenvolver um novo plano de mobilidade urbana para Luanda, com base na integração de modos de transporte, justiça tarifária e sustentabilidade.
Um Novo Caminho para a Mobilidade Urbana
Para que a cidade não volte a ser paralisada, propõe-se a seguinte visão técnica:
1. Tarifação Regulada e Transparente (uma mesa entre ANATA e o Governo)
É urgente que a Associação Nacional dos Taxistas de Angola (ANATA) e o Governo da Província de Luanda, em articulação com o Ministério do Transporte, se sentem à messa para definir um modelo de tarifação claro, justo e sustentável, com faixas de preço reguladas por distância.
2. Transporte Público em Massa e Ampliação de Paragens Urbanas
Construção e reabilitação de paragens fixas em pontos estratégicos, próximas a escolas, hospitais, mercados e áreas residenciais, devem ser uma prioridade de curto prazo. Incluido coberturas, bancos.
3. Renovação e Integração da Frota
Apoio à renovação da frota de táxis com veículos menos poluentes, mais acessíveis e com capacidade de transporta maior núero de pessoas, integrados com autocarros municipais e outros modos de transporte (como moto táxis).
5. Educação Urbana e Cívica
Campanhas públicas de valorização da cidade, civismo e responsabilidade colectiva. Uma cidade com ruas limpas, transportes dignos e cidadãos respeitados é possível, mas começa pela mentalidade urbana.
Luanda merece mais
O que se passou esta semana não pode ser esquecido ou normalizado. A crise na mobilidade é reflexa de décadas de ausência de planejamento urbano consistente. A reconstrução da cidade exige mais do que tapar buracos: exige uma nova lógica de desenvolvimento, mais humana, sustentável e inclusiva.
Devemos todos acreditar que Luanda pode e deve ser uma cidade funcional, resiliente e com mobilidade para todos. Que esta greve nos sirva como ponto de viragem. E que a reconstrução comece hoje, com responsabilidade e visão.