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INAPEM ou SEBRAE? O dilema da assessoria empresarial e do empreendedor em Angola

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Empreender é mais do que abrir um negócio; é, como afirmou Joseph Schumpeter (1942), “introduzir novas combinações produtivas, rompendo o equilíbrio económico existente e gerando inovação”. Em Angola, esta definição adquire um sentido ainda mais profundo: empreender é também um acto de resistência diante de um ambiente económico desafiante, caracterizado por instabilidade, burocracia, informalidade e fraco acesso ao crédito e ao conhecimento técnico.

Neste contexto, a assessoria e a consultoria empresarial surgem como instrumentos essenciais para orientar o empreendedor, reduzir erros estratégicos e aumentar as hipóteses de sobrevivência das micro, pequenas e médias empresas (PMEs). No entanto, a realidade angolana demonstra que, embora haja esforços institucionais, o ecossistema de apoio às PMEs ainda é frágil e desarticulado.

1. O Papel do SEBRAE no Brasil: Um Modelo de Referência

O Brasil consolidou, ao longo das últimas décadas, uma das mais robustas estruturas de apoio às PMEs do mundo em desenvolvimento: o SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas). Criado em 1972, o SEBRAE actua como um organismo público de natureza privada, com autonomia administrativa e foco na formação, consultoria, inovação e articulação de políticas públicas voltadas ao empreendedorismo.

De acordo com o SEBRAE (2006), as empresas brasileiras que participam dos seus programas de apoio apresentam taxas de sobrevivência superiores a 70% após cinco anos de actividade, em contraste com menos de 50% das empresas que não recebem acompanhamento técnico (IBGE, 2007). Essa diferença comprova que a assessoria e a capacitação técnica são factores determinantes na sustentabilidade empresarial.

O sucesso do SEBRAE reside em três pilares fundamentais:

1. Formação e Educação Empreendedora: oferta de cursos presenciais e à distância, programas de mentoria, capacitação sectorial e promoção da cultura empreendedora desde o ensino básico.

2. Consultoria Técnica e Inovação: acompanhamento individualizado dos negócios, desenvolvimento de planos empresariais e acesso à tecnologia e à inovação através de parcerias com universidades e centros de pesquisa.

3. Articulação Institucional: diálogo permanente com governos, bancos, associações empresariais e organismos internacionais, criando políticas públicas de incentivo e redes de cooperação empresarial.

Como enfatiza Peter Drucker (1986), “o empreendedorismo não é um talento inato, mas uma disciplina que pode ser ensinada”. O SEBRAE transformou essa máxima em prática, tornando-se um verdadeiro ecossistema de aprendizagem empreendedora, com impacto directo na formalização e expansão de milhões de pequenos negócios no Brasil.

2. O INAPEM em Angola: Estrutura, Avanços e Limitações

Em Angola, o órgão público responsável pelo apoio às micro, pequenas e médias empresas é o INAPEM (Instituto Nacional de Apoio às Micro, Pequenas e Médias Empresas), criado pelo Decreto Presidencial n.º 37/12, de 13 de Fevereiro. O seu mandato é promover o desenvolvimento do sector empresarial, facilitar o acesso a programas de formação, certificação e crédito, e apoiar a formalização das empresas.

Embora o INAPEM represente um avanço institucional significativo, a sua actuação ainda se mostra limitada quando comparada ao modelo brasileiro do SEBRAE. Em grande parte, isso decorre de três factores estruturais:

1. Insuficiência de Capilaridade: o INAPEM mantém representações em algumas províncias, mas a sua presença territorial é reduzida. Muitos empreendedores, sobretudo nas zonas rurais e periféricas, desconhecem completamente os seus serviços.

2. Foco Administrativo em vez de Estratégico: a maioria das acções do INAPEM está centrada em processos de certificação e registo das empresas, não em acompanhamento técnico, formação continuada ou inovação.

3. Débil Articulação Institucional: há pouca integração entre o INAPEM, universidades, centros tecnológicos, bancos e administrações locais, o que impede a criação de um verdadeiro ecossistema de apoio sustentável.

Enquanto o SEBRAE actua como mentor e parceiro estratégico do empreendedor, o INAPEM tem sido percebido, muitas vezes, como um órgão burocrático, mais voltado ao cumprimento de formalidades do que à capacitação efectiva dos empresários. Essa diferença de abordagem explica, em parte, o motivo pelo qual muitas PMEs angolanas permanecem no limbo da informalidade ou encerram as suas actividades em poucos anos.

Segundo Dolabela (1999), “o empreendedor precisa de um sistema de apoio que o ajude a transformar ideias em negócios e negócios em riqueza social”. Em Angola, esse sistema ainda está em fase embrionária. O país carece de uma política nacional de empreendedorismo que vá além do crédito e alcance dimensões formativas, tecnológicas e territoriais.

3. Comparação entre o SEBRAE e o INAPEM

Ao comparar as duas instituições, verifica-se que o SEBRAE, no Brasil, possui natureza jurídica de serviço social autónomo, de carácter público e gestão privada, o que lhe confere flexibilidade administrativa e maior capacidade de resposta às necessidades do empreendedor. O INAPEM, por sua vez, é um instituto público sob tutela ministerial, sujeito a limitações orçamentais e a uma forte dependência hierárquica.

O SEBRAE foi criado em 1972, enquanto o INAPEM é relativamente recente, tendo sido instituído apenas em 2012. Essa diferença temporal explica parte da maturidade institucional do modelo brasileiro. O SEBRAE conta com mais de 700 agências espalhadas por todo o território nacional, ao passo que o INAPEM mantém representações limitadas em algumas províncias, o que reduz a sua capilaridade e impacto.

Em termos de foco, o SEBRAE dedica-se à formação empreendedora, à inovação, à consultoria técnica e à articulação institucional, enquanto o INAPEM concentra-se sobretudo na certificação e no apoio administrativo às PMEs. A consequência dessa diferença é clara: enquanto o SEBRAE contribui para uma taxa de sobrevivência empresarial superior a 70% entre as empresas acompanhadas, Angola continua a enfrentar uma elevada taxa de mortalidade empresarial.

Além disso, o SEBRAE mantém fortes parcerias com universidades, centros de pesquisa e organismos internacionais, sendo reconhecido como um modelo de referência exportado para a América Latina e África. Já o INAPEM ainda possui parcerias pontuais e actua essencialmente dentro das fronteiras nacionais, sem um modelo consolidado de cooperação regional.

4. Caminhos para o Futuro: Do Apoio Administrativo à Assessoria Estratégica

Para que o INAPEM possa aproximar-se da eficácia do SEBRAE, torna-se indispensável uma reformulação estrutural da sua missão e do seu modelo de actuação. O Instituto precisa deixar de ser apenas um órgão certificador e tornar-se um centro de inteligência empreendedora, oferecendo:

Programas de mentoria empresarial contínua, com consultores certificados e acompanhamento de desempenho;

Parcerias com universidades e institutos de pesquisa para a criação de incubadoras tecnológicas e startups locais;

Formação em gestão e inovação, adaptada às realidades de cada província e sector económico;

Criação de plataformas digitais de apoio ao empreendedor, com conteúdos formativos e serviços de consultoria online;

Políticas de incentivo à cooperação interempresarial, estimulando redes locais e arranjos produtivos regionais;

Fundo Nacional de Apoio à Inovação das PMEs, em parceria com bancos públicos e privados.

Como defende Porter (1998), “a competitividade de uma nação nasce da capacidade das suas empresas se tornarem inovadoras e eficientes”. Para isso, Angola precisa transformar o INAPEM num verdadeiro catalisador de desenvolvimento económico local, capaz de mobilizar conhecimento, crédito e capital humano.

Finalmente, é importante reconhecer que o caso do SEBRAE mostra que o sucesso empresarial não depende apenas de investimento financeiro, mas sobretudo de investimento em conhecimento e assessoria contínua. Drucker (1986) afirmou que “não há países subdesenvolvidos, há países subadministrados”. Essa frase aplica-se com clareza à realidade angolana: o desafio não é a falta de empreendedores, mas a ausência de estruturas sólidas de apoio, consultoria e formação.

Angola possui um enorme potencial empreendedor, visível nas suas feiras, mercados e iniciativas locais. No entanto, para que esse potencial se traduza em desenvolvimento económico sustentável, é urgente fortalecer o papel do INAPEM, inspirando-se nas boas práticas do SEBRAE, mas adaptando-as ao contexto e à cultura empresarial angolana.

A assessoria e a consultoria devem ser entendidas como instrumentos de emancipação económica, não como serviços acessórios. Afinal, como ensinou Dolabela (1999), “o verdadeiro empreendedor não é aquele que faz tudo sozinho, mas aquele que sabe onde buscar ajuda para fazer melhor”.

Denílson Adelino Cipriano Duro é Mestre em Governação e Gestão Pública, com Pós-graduação em Governança de TI. Licenciado em Informática Educativa e Graduado em Administração de Empresas, possui uma sólida trajectória académica e profissional voltada para a governação, gestão de projectos, tecnologias de informação, marketing político e inteligência competitiva urbana. Actua como consultor, formador e escritor, sendo fundador da DL - Consultoria, Projectos e Treinamentos. É autor de diversas obras sobre liderança, empreendedorismo e administração pública, com foco em estratégias inovadoras para o desenvolvimento local e digitalização de processos governamentais.

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1 Comentário

1 Comentário

  1. Garcia Teca

    17/11/2025 em 8:17 pm

    Infelizmente poucos servidores públicos ou parlamentares entenderam isso. Mas, o vosso artigo é um grande tesouro para o bem da ECONOMIA angolana e sobrevivência das MPMEs

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