Análise
Gestão da comunicação no vandalismo e pilhagem na greve dos taxistas em Angola
“Em tempos de crise, a comunicação do Estado não deve apenas informar: deve também acalmar, humanizar, dialogar e reconstruir confiança.”
(Autor Desconhecido)
O campo da comunicação de crise na Administração Pública tem ganhado relevância nos últimos anos, sobretudo em países em desenvolvimento, onde a fragilidade das instituições, a instabilidade social e a força das redes digitais impõem novos desafios à governação. Em Angola, os acontecimentos de 28 de Julho de 2025, em Luanda, seguidos de distúrbios noutras províncias como Huambo, Huíla e Icolo e Bengo, levantaram questões críticas sobre a capacidade comunicacional do Estado diante de episódios de ruptura social.
A crise em referência, que resultou na morte de 30 pessoas, incluindo um agente da Polícia Nacional, e mais de 1.500 detenções, foi marcada por um forte apelo governamental à ordem, repressão e responsabilização dos supostos envolvidos. Todavia, analisando do ponto de vista da comunicação institucional de crise, verifica-se que a resposta do Estado angolano foi eficaz em alguns aspectos, mas deficiente noutros essenciais, nomeadamente na empatia pública, na escuta activa e na prestação de contas à sociedade civil.
1. Enquadramento Teórico: O que é Comunicação de Crise?
Segundo W. Timothy Coombs (2007), “comunicação de crise é o conjunto de esforços comunicacionais estratégicos que procuram proteger os activos intangíveis de uma organização, como a reputação, perante situações ameaçadoras”. No sector público, o objectivo é ainda mais sensível: proteger vidas, restaurar a ordem, informar com responsabilidade e manter a legitimidade do Estado.
Para Mitroff e Anagnos (2001), “não existe crise sem comunicação: ou o Estado comunica estrategicamente, ou os factos comunicarão por ele, e geralmente de forma desastrosa”. A comunicação de crise deve, por isso, ser planeada com antecedência, com mecanismos activáveis rapidamente, para evitar o improviso e o colapso narrativo.
2. A Crise de Julho de 2025 em Angola: Factos e Enquadramento Político
Durante a madrugada de 28 de Julho, vários bairros periféricos de Luanda foram palco de tumultos, pilhagens e confrontos entre civis e forças policiais. As razões exactas continuam a ser objecto de disputa, mas relatos indicam que factores socioeconómicos, como o desemprego juvenil, o aumento do custo de vida e a falta de espaços de participação democrática, alimentaram a revolta.
O Ministro do Interior, Manuel Homem, e o porta-voz da Polícia Nacional, subcomissário Mateus Rodrigues, posicionaram-se publicamente nos dias seguintes, condenando os actos como “criminosos e não manifestações” e apresentando um número elevado de detenções, com promessa de investigação contínua.
Contudo, essa abordagem levanta preocupações sobre a fronteira entre a repressão legal e a negação do direito de manifestação, consagrado constitucionalmente (CRA, art. 47.º). O professor Kabengele Munanga (2014) lembra que “a repressão sem escuta pública aprofunda o fosso entre o Estado e as comunidades excluídas”.
3. Análise Crítica da Comunicação Governamental
1. Rapidez e Controlo da Narrativa
A resposta institucional foi rápida e assertiva. A realização de conferências de imprensa e a apresentação de números (detenções, mortes e zonas afectadas) mostraram capacidade organizacional e controlo táctico. Como refere Habermas (1989), “o Estado moderno deve ser capaz de se fazer ouvir, mas também de se fazer compreender”.
Contudo, faltou transparência activa, nomeadamente:
Identificação clara das vítimas;
Enquadramento jurídico das detenções;
Planos de assistência aos afectados.
2. Linguagem Repressiva vs. Linguagem Empática
O discurso oficial centrou-se na reprovação moral e repressão dos actos, o que, embora compreensível numa perspectiva de segurança, descuidou a dimensão humana da tragédia. Em nenhum momento houve mensagens públicas de condolência às famílias enlutadas ou reconhecimento das possíveis causas sociais subjacentes à revolta.
Segundo Cornelissen (2017), “a linguagem empática é uma ferramenta estratégica de reconciliação institucional”. O Estado, enquanto actor moral, deve liderar não só pela força legal, mas também pelo exemplo emocional.
3. Ausência de Presença Digital Estratégica
Num mundo digitalizado, a comunicação de crise exige presença activa nas redes sociais, produção de conteúdo visual e combate à desinformação em tempo real. Durante a crise de Julho, a ausência de canais oficiais a partilhar vídeos, imagens, explicações ou relatos humanizados permitiu que boatos, vídeos distorcidos e notícias falsas circulassem livremente nas redes sociais.
De acordo com Castells (2009), “quem controla a informação, controla o poder”. No caso angolano, o vácuo digital abriu espaço para interpretações perigosas, tanto internas como internacionais.
4. Impactos e Consequências da Comunicação Insuficiente
Desconfiança pública crescente em relação à imparcialidade da actuação policial;
Aproximação entre a juventude e discursos de revolta, alimentados pela falta de escuta activa;
Perda simbólica de autoridade institucional, sobretudo entre os sectores marginalizados;
Críticas internacionais sobre os direitos humanos, se não forem apresentadas provas claras e julgamentos justos.
5. Propostas Estruturais para o Futuro
a) Criação de um Gabinete Nacional de Gestão de Crises e Riscos Comunicacionais
Um órgão interministerial com profissionais de comunicação pública, psicólogos, sociólogos e especialistas em segurança, para actuar de forma integrada e preventiva.
b) Capacitação de Porta-vozes e Líderes Locais
Formação contínua em comunicação empática, escuta activa e resposta em tempo real, com apoio de universidades e centros de formação do Estado.
c) Protocolos de Comunicação Digital Governamental
Criação de manuais operacionais para redes sociais, incluindo:
Publicações regulares;
Actualizações visuais (infográficos, vídeos);
Desmentidos rápidos a boatos;
Comunicação inclusiva com línguas nacionais.
d) Criação de uma Rede Nacional de Escuta Comunitária
Um mecanismo de recolha de dados sociais, percepções locais e preocupações emergentes, que sirva de barómetro de insatisfação social antes que as crises eclodam.
Finalmente, é importante referir que o caso dos actos de vandalismo de Julho de 2025 representa mais do que um problema de ordem pública: é um alerta para a necessidade de reinvenção da comunicação do Estado com os cidadãos. Em tempos de crise, comunicar é mais do que falar, é ouvir, sentir e responder com integridade.
A Administração Pública angolana precisa transformar a sua abordagem, investindo em transparência proactiva, tecnologia de informação e sobretudo em liderança comunicacional empática. Como sublinha Zuenir Ventura (1994), “as cidades partidas não se curam com silêncio: curam-se com verdade, justiça e afecto público”.