Reportagem
Exploração do trabalho infantil em Luanda: infâncias roubadas

Em plena capital do país, milhares de crianças trocam a escola pelas ruas, os cadernos pelos sacos de produtos e o recreio pelo trabalho exaustivo. A exploração do trabalho infantil em Luanda é uma realidade tão visível quanto ignorada.
Nesta reportagem, ouvimos vítimas, especialistas e autoridades para compreender o impacto, as causas e os caminhos possíveis para reverter este cenário.
Às sete da manhã, quando muitos meninos e meninas se preparam para ir à escola, outros já estão nas ruas de Luanda, carregando baldes, vendendo água, doces, bolinhos ou lavando carros. São crianças de 8, 10 ou 12 anos, empurradas para a vida adulta antes da hora.
“Vendo bolinhos e água nos Congolenses desde os 9 anos. O meu pai morreu e a minha mãe está doente. Eu sou o mais velho lá em casa”, contou-nos Fernando Juliano de nome fictício de 10 anos, com o olhar aparentemente cansado.
Celcinho (nome fictício) outro vendedor, tem apenas 13 anos, mas já carrega nos ombros o peso de uma vida de adulto. Natural do município do Bailundo, província do Huambo, foi retirado da sua terra natal com a promessa de um futuro melhor em Luanda um futuro que nunca chegou.
“Disseram à minha avó que em Luanda eu ia estudar e viver numa casa boa. A mulher parecia séria. Até nos deixou um saco de arroz”, conta Celcinho, com os olhos baixos, sentado numa calçada próxima ao mercado do Kikolo.
Ainda no mercado do Kikolo, encontramos a pequena Teresa, de 11 anos que, contou-nos a sua vontade de aprender na escola, pretensão abortada pelas dificuldades da vida.
“Queria estar na escola, mas aqui ganho para comprar pão. Fico aqui a vender sacos. Queria estudar e ser enfermeira, mas minha tia disse que não há Dinheiro”, afirmou.
Casos como os deles são frequentes em mercados como o Katinton, Congolenses, Kikolo e Rocha Pinto. Ali, o trabalho infantil é normalizado e confundido com “ajuda à família”.
O impacto psicológico de uma infância perdida
Para o psicólogo Fernando Kawendimba, o trabalho precoce provoca danos profundos e duradouros no desenvolvimento das crianças.
Segundo ele, muitas dessas crianças não conseguem desenvolver uma autoestima saudável e vivem com sentimento de inferioridade perante os colegas da mesma idade que frequentam a escola.
“Essas crianças lidam com stress, ansiedade, frustração e medo numa fase em que deveriam estar a brincar e a aprender. Há traumas silenciosos que se arrastam até a vida adulta”, explicou.
O sociólogo Agostinho Paulos, aponta que a pobreza, o desemprego dos pais, a falta de políticas públicas eficazes e até a cultura familiar contribuem para a perpetuação do trabalho infantil.
O fenómeno, segundo ele, está directamente ligado à informalidade da economia e à fraca presença do Estado em zonas periféricas da cidade.
“Em certos contextos, o trabalho da criança é visto como ‘ajuda’, mas na verdade é exploração. E isso só reforça o ciclo da pobreza: a criança que trabalha deixa de estudar, não se qualifica e, no futuro, terá empregos precários. Depois, repete-se o ciclo com os filhos”, disse.
O que diz a lei sobre o trabalho infantil?
Apesar de existirem leis claras, o problema persiste. O jurista Mabanza Kambaca explica que Angola possui instrumentos legais que protegem as crianças da exploração laboral.
O jurista destaca que, muitas vezes, a violação ocorre dentro do próprio seio familiar, o que dificulta a denúncia e a punição.
“A Lei da Criança proíbe o trabalho perigoso ou prejudicial ao desenvolvimento do menor. A idade mínima permitida para o trabalho é 14 anos, mas com restrições. Abaixo disso, é ilegal. O problema está na aplicação: falta fiscalização e responsabilização”, Explicou.
INAC reconhece gravidade e reforça acções
O Instituto Nacional da Criança (INAC) tem acompanhado de perto esta problemática. O Director-Geral, Paulo Kalesi, confirma a gravidade da situação e apresentou as medidas em curso.
O responsável reforça que o INAC está a trabalhar com os ministérios da Educação, Acção Social e Justiça para melhorar a resposta institucional. Contudo, reconhece: “O Estado sozinho não consegue. É necessário o envolvimento da sociedade, das igrejas, da imprensa e de toda a comunidade.”
“Temos mapeado pontos críticos em Luanda onde o trabalho infantil é mais visível. Desenvolvemos campanhas de sensibilização, parcerias com escolas e ONGs, e programas de reintegração de crianças em situação de risco”, afirmou.
A urgência de proteger a infância
A exploração do trabalho infantil em Luanda não é apenas uma violação dos direitos humanos é um reflexo das fragilidades sociais, económicas e institucionais.
Cada criança que abandona a escola para trabalhar é um futuro comprometido. A responsabilidade é colectiva.
Proteger a infância é garantir que nenhuma criança precise escolher entre estudar e sobreviver.