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Análise

Esquadras de Polícia em Angola: a inauguração no Lubango e a urgência de um modelo nacional

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O Ministro do Interior inaugurou recentemente a 8.ª esquadra da Polícia Nacional no Município do Lubango, província da Huíla, assegurando igualmente a requalificação da Mitcha e da Unidade Penitenciária da Matala. O acto enquadra-se nos esforços de modernização do sector da segurança interna e reforça a preocupação do Estado em aproximar as forças de ordem das comunidades locais.

A inauguração desta nova esquadra, mais do que uma resposta à criminalidade urbana, levanta uma questão estratégica: será que Angola precisa de avançar para a construção de um modelo nacional de esquadra de polícia, que garanta padronização arquitectónica, funcionalidade operacional e confiança pública?

1. A Esquadra como Núcleo da Presença Estatal

A esquadra é o coração da acção policial. É neste espaço que se registam ocorrências, se acolhem denúncias, se atendem vítimas e se desenvolvem acções de policiamento comunitário. Representa, simultaneamente, o rosto do Estado e a porta de entrada para o sistema de justiça criminal.

Segundo Bayley (2006), “a polícia é a instituição mais visível do Estado, e a forma como ela se apresenta define a percepção que o cidadão tem da autoridade pública”. No contexto angolano, onde coexistem esquadras modernas em capitais provinciais e esquadras improvisadas em zonas rurais, a disparidade de condições gera percepções desiguais sobre a presença e a legitimidade do Estado.

Reiner (2010) complementa esta perspectiva ao sublinhar que “a legitimidade da polícia é constantemente negociada através do contacto diário com os cidadãos”. Ou seja, o impacto da esquadra não se mede apenas pela sua capacidade de deter criminosos, mas sobretudo pela forma como acolhe, escuta e responde às necessidades sociais.

2. Arquitectura, Urbanismo e Segurança: A Produção Social do Espaço

Henri Lefebvre (1991) lembra-nos que “o espaço não é neutro, é sempre uma produção social”. Nesse sentido, a localização, o desenho arquitectónico e as condições de uma esquadra influenciam profundamente as relações entre polícia e comunidade. Uma esquadra degradada transmite abandono; uma esquadra moderna, funcional e aberta ao cidadão transmite proximidade e confiança.

Jacobs (1961), ao analisar a segurança nas cidades, sublinhou a importância dos “olhos na rua”: espaços urbanos bem concebidos que facilitam a vigilância natural e a interacção social. Adaptando esta lógica ao contexto policial, a esquadra deve ser mais do que uma instalação administrativa. Deve ser um marco urbano de confiança colectiva, estrategicamente implantado para maximizar a segurança pública e a coesão social.

A ONU-Habitat (2016) reforça esta visão, defendendo que infra-estruturas de segurança devem ser pensadas como “edifícios de confiança cidadã”, concebidos não apenas para impor autoridade, mas para facilitar a mediação social, o atendimento humanizado e a integração comunitária.

3. A Urgência de um Modelo Nacional

Ao contrário de países como Portugal, Brasil ou África do Sul, que já possuem protótipos padronizados de esquadras, Angola ainda opera num quadro fragmentado, sem uma arquitectura institucional que uniformize a presença policial.

A ausência de um modelo nacional dificulta a criação de uma imagem institucional homogénea da Polícia Nacional, enfraquece o simbolismo do Estado e compromete a eficácia operacional. Como defende Skogan (2004), “o policiamento comunitário depende tanto da cultura organizacional quanto da previsibilidade das estruturas que o suportam”.

4. Um modelo nacional de esquadra deveria responder a múltiplos desafios:

Funcionalidade diferenciada: esquadras urbanas, municipais e rurais, cada uma adaptada ao seu contexto, mas respeitando um padrão arquitectónico comum.

Áreas de atendimento humanizado: com salas específicas para mulheres, crianças, vítimas de violência doméstica e pessoas com deficiência.

Integração tecnológica: digitalização de ocorrências, ligação directa às bases de dados criminais, serviços online e sistemas de videovigilância integrados.

Sustentabilidade arquitectónica: edifícios que respeitem o tecido urbano local, mas que transmitam modernidade, acessibilidade e eficiência energética.

Espaço comunitário: auditórios ou salas de reunião que permitam interacção entre a polícia e a comunidade, reforçando a lógica de policiamento de proximidade.

Para Loader e Walker (2007), “a segurança é um bem público que deve ser distribuído de forma equitativa pelo Estado”. Assim, padronizar as esquadras não é apenas uma questão técnica, mas também um imperativo de justiça espacial e social.

5. Do Lubango ao País: Uma Estratégia de Uniformização

A 8.ª esquadra do Lubango pode ser encarada como uma semente para a mudança estrutural. Mais do que um acto isolado, esta inauguração deveria ser integrada num plano estratégico nacional, que garanta que cada nova esquadra construída em Angola respeita critérios uniformes de funcionalidade e design.

Como defende Bittner (1990), “a polícia é, em última instância, a instituição a quem a sociedade entrega a responsabilidade de lidar com qualquer situação para a qual não encontra outra solução”. Para que esta função seja exercida de forma legítima, é necessário que a presença policial seja clara, confiável e coerente em todo o território.

Se Angola avançar na definição de um modelo nacional, cada nova esquadra passará a representar parte de um projecto integrado de modernização do Estado, em vez de apenas um acto pontual. Tal caminho não só reforçará a autoridade da Polícia Nacional, como também consolidará a confiança social, transformando as esquadras em símbolos urbanos de cidadania, segurança e proximidade.

Denílson Adelino Cipriano Duro é Mestre em Governação e Gestão Pública, com Pós-graduação em Governança de TI. Licenciado em Informática Educativa e Graduado em Administração de Empresas, possui uma sólida trajectória académica e profissional voltada para a governação, gestão de projectos, tecnologias de informação, marketing político e inteligência competitiva urbana. Actua como consultor, formador e escritor, sendo fundador da DL - Consultoria, Projectos e Treinamentos. É autor de diversas obras sobre liderança, empreendedorismo e administração pública, com foco em estratégias inovadoras para o desenvolvimento local e digitalização de processos governamentais.

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