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Opinião

Direito à segurança: é dever do Estado angolano?

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No contexto de um Estado Democrático de Direito como o angolano, o direito à segurança assume uma posição de destaque entre os direitos fundamentais dos cidadãos. Este direito está consagrado na Constituição da República de Angola (CRA) e impõe ao Estado o dever inalienável de proteger a vida, a integridade física, a propriedade e os demais bens jurídicos dos cidadãos. A recente vaga de instabilidade social e actos de vandalismo ocorridos em diversas zonas da cidade de Luanda trouxe novamente à tona o debate sobre o papel do Estado e a sua responsabilidade na protecção da ordem pública e do património colectivo e individual.

O jurista Carlos Cabaça, num pronunciamento feito no programa “Jornal da Hora” da TV Zimbo, no dia 28 de Julho, defendeu que “todo cidadão que perdeu os seus bens fruto deste clima de crispação, cabe ao Estado ressarcir os danos desses bens”. Esta afirmação não é apenas uma interpretação jurídica, mas uma invocação directa aos princípios constitucionais que regulam a segurança e a responsabilidade do Estado. A sua leitura, profundamente enraizada no espírito da Constituição, traz consigo uma chamada à responsabilidade institucional, à justiça e à restauração da confiança dos cidadãos nas instituições públicas.

1. O Direito à Segurança como Pilar Constitucional

A Constituição da República de Angola, no seu artigo 63.º, consagra claramente que “todos têm direito à segurança e à protecção contra qualquer forma de violência”, um direito fundamental que deve ser garantido a cada cidadão, independentemente da sua condição social, económica ou geográfica. Este dispositivo coloca o Estado como o principal garante da paz social, cabendo-lhe prevenir, reprimir e reparar as situações que ponham em risco a segurança colectiva.

Adicionalmente, o artigo 77.º da CRA vincula os órgãos de Defesa e Segurança à garantia da legalidade democrática e à salvaguarda dos direitos fundamentais, o que inclui não apenas a segurança pessoal, mas também a patrimonial. Isto implica uma obrigação activa por parte do Estado: não basta dispor de forças policiais ou militares, é necessário garantir a sua actuação eficiente, estratégica e proporcional às ameaças existentes.

2. A Falha do Estado e as Consequências para os Cidadãos

Os episódios de vandalismo e instabilidade ocorridos recentemente, com pilhagens, destruição de bens e prejuízos irreparáveis a comerciantes e famílias angolanas, revelam não apenas uma falha operacional, mas um incumprimento constitucional por parte do Estado. Como destaca Carlos Cabaça, “num Estado de Direito, a responsabilidade pela ordem pública e segurança dos bens e pessoas recai sobre as autoridades”. Quando estas falham, ainda que por omissão ou incapacidade, gera-se uma responsabilidade que deve ser assumida com firmeza e seriedade.

Esta falha tem consequências reais e profundas na vida dos cidadãos. Famílias viram os seus negócios destruídos, trabalhadores informais perderam o sustento diário, pequenas empresas locais foram saqueadas e deixaram de operar. Estes danos não são apenas materiais; têm impactos sociais, económicos e psicológicos devastadores.

3. A Responsabilidade Civil do Estado: Um Princípio Irrecusável

A Constituição é clara ao estipular, no seu artigo 75.º, que “o Estado é civilmente responsável por danos causados por actos ilegais dos seus órgãos, agentes e funcionários”, abrangendo também os casos de omissão quando há um dever legal de agir. Isso significa que, ao não garantir a segurança devida, o Estado está a incorrer em responsabilidade civil, tendo o dever de compensar os cidadãos pelos danos causados.

Este princípio não é um luxo das democracias, mas uma exigência do Estado de Direito. Carlos Cabaça reforça este entendimento ao afirmar que “quando o Estado falha em garantir a protecção dos seus cidadãos, é seu dever reparar os danos causados”, e mais, que “o princípio da responsabilidade civil do Estado deve ser aplicado com firmeza, para não apenas compensar as vítimas, mas também restaurar a confiança na justiça e nas instituições públicas”.

A indemnização às vítimas de violência urbana ou instabilidade não pode ser vista como uma medida excepcional ou apenas simbólica. Deve ser um procedimento institucionalizado, célere e justo, de forma a restaurar o equilíbrio entre o cidadão e o poder público.

4. A Relação entre Segurança Pública, Desenvolvimento e Justiça Social

Num país com desafios estruturais marcados por desigualdades sociais, urbanização desordenada e tensões económicas, a segurança pública não pode ser entendida de forma isolada. A ausência de segurança afecta directamente a actividade económica, a coesão social e a confiança nas instituições do Estado.

A protecção dos bens públicos e privados, em particular nos bairros populares e nas zonas comerciais, é essencial para garantir a estabilidade do tecido económico-social. Os actos de pilhagem e destruição material, quando não prevenidos ou contidos pelas autoridades, não apenas desestruturam a vida das vítimas directas, mas criam um ambiente de medo, desconfiança e frustração colectiva.

5. O Reforço da Segurança Pública como Imperativo Nacional

É fundamental que o Estado angolano reforce a sua política de segurança pública, dotando os órgãos de Defesa e Segurança de meios técnicos, humanos e logísticos capazes de assegurar a prevenção, a actuação rápida e a protecção efectiva da população. A segurança preventiva, baseada em inteligência e acção coordenada, deve substituir a lógica puramente reactiva que tem caracterizado algumas intervenções.

Mais ainda, é preciso consolidar um sistema de responsabilização institucional, que permita ao cidadão lesado por falhas do Estado aceder, de forma simples e efectiva, a mecanismos de reparação e justiça. O direito à segurança só se torna real quando o cidadão sente que o Estado está presente não apenas para controlar, mas para proteger, amparar e corrigir os seus próprios erros.

Finalmente, é importante referir que a Constituição da República de Angola estabelece um pacto solene entre o Estado e os cidadãos: o direito à segurança é garantido, e a responsabilidade do Estado em protegê-lo é inegociável. Os acontecimentos recentes devem servir de alerta para que se reforce o papel dos órgãos de segurança, mas também para que o Estado reconheça, sem hesitações, o seu dever de reparar os danos causados pela sua própria ineficiência.

Ao afirmar que “todo cidadão que perdeu os seus bens fruto deste clima de crispação, cabe ao Estado ressarcir os danos desses bens”, o jurista Carlos Cabaça não apenas denuncia uma falha, mas aponta para o caminho constitucional que deve ser seguido: a justiça, a reparação e a reafirmação da autoridade pública ao serviço do bem comum.

Em suma, a segurança dos cidadãos não pode ser uma promessa vazia. Deve ser um compromisso firme, sustentado na legalidade, na ética e na solidariedade institucional. A credibilidade do Estado, a estabilidade nacional e a dignidade do povo angolano dependem, em larga medida, da forma como este direito fundamental é respeitado, protegido e garantido.

Denílson Adelino Cipriano Duro é Mestre em Governação e Gestão Pública, com Pós-graduação em Governança de TI. Licenciado em Informática Educativa e Graduado em Administração de Empresas, possui uma sólida trajectória académica e profissional voltada para a governação, gestão de projectos, tecnologias de informação, marketing político e inteligência competitiva urbana. Actua como consultor, formador e escritor, sendo fundador da DL - Consultoria, Projectos e Treinamentos. É autor de diversas obras sobre liderança, empreendedorismo e administração pública, com foco em estratégias inovadoras para o desenvolvimento local e digitalização de processos governamentais.

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