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Opinião

Segurança privada em Angola: protecção ou mercantilização da segurança?

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A segurança é um dos pilares essenciais para o desenvolvimento sustentável de qualquer sociedade. Em Angola, a segurança privada tem ganhado cada vez mais destaque, actuando como um complemento às forças públicas na protecção de bens, pessoas e infra-estruturas. No entanto, apesar da sua crescente relevância, este sector enfrenta desafios estruturais que comprometem a sua eficácia, incluindo dificuldades na obtenção de materiais, burocracia para o licenciamento e a falta de regulamentação eficiente.

A segurança privada deve ser vista não apenas como uma actividade comercial, mas como um instrumento estratégico para a estabilidade social e económica. Segundo Bayley e Shearing (2001), o mundo tem testemunhado um processo de pluralização da segurança, onde actores privados assumem um papel cada vez mais relevante na manutenção da ordem pública. Em Angola, este fenómeno é evidente, mas ainda há necessidade de um aprimoramento das políticas de regulamentação e fiscalização para garantir que o sector opere dentro dos padrões desejáveis de profissionalismo e ética.

A Valorização da Segurança Privada nas Empresas

O crescimento das empresas privadas de segurança em Angola reflecte uma necessidade urgente de suprir lacunas deixadas pelo Estado no que diz respeito à protecção de patrimónios e indivíduos. Segundo Nalla e Crichlow (2017), a segurança privada moderna não pode ser vista como um simples complemento da segurança pública, mas sim como um sector dinâmico que demanda formação profissional contínua, regulamentação eficiente e um modelo de governação transparente.

A valorização da segurança privada passa pelo reconhecimento da sua importância para o funcionamento da economia. Empresas privadas de grande porte, bancos, indústrias e até condomínios residenciais dependem destes serviços para garantir a integridade das suas operações e o bem-estar dos seus funcionários e clientes. Entretanto, apesar da sua crescente procura, o sector ainda enfrenta desafios como:

Falta de formação adequada – Muitos agentes de segurança privada em Angola não recebem treinamento contínuo para lidar com situações complexas, como emergências médicas, controlo de multidões e ameaças cibernéticas. A formação deve ser um requisito obrigatório, seguindo padrões internacionais de segurança.

Desvalorização profissional – Os profissionais de segurança privada muitas vezes enfrentam condições precárias de trabalho, com salários baixos e jornadas exaustivas. Isso desmotiva a classe e compromete a qualidade do serviço prestado.

Ausência de um plano de carreira – Diferentemente das forças de segurança pública, onde há um sistema de promoções e progressão profissional, a segurança privada em Angola carece de uma estrutura que motive os trabalhadores a qualificarem-se e crescerem dentro do sector.

Além disso, as Parcerias Público-Privadas (PPPs) poderiam ser uma solução viável para garantir um ambiente mais seguro e equilibrado. Em países como o Reino Unido e os Estados Unidos, modelos de segurança integrados entre sector público e privado têm apresentado bons resultados, reduzindo custos para o Estado e aumentando a eficiência dos serviços.

Sistematização da Segurança Privada

A sistematização da segurança privada em Angola requer uma abordagem holística, que envolva o fortalecimento da regulamentação, a padronização dos serviços e a melhoria na fiscalização das empresas. Embora a Lei n.º 10/14, de 30 de Julho, estabeleça directrizes claras para a actividade de segurança privada no país, a sua aplicação enfrenta desafios que comprometem a eficácia do sector.

Um dos principais problemas enfrentados globalmente na segurança privada é a falta de um sistema centralizado para monitoramento e controlo das empresas do sector. Em Angola, a ausência de uma base de dados unificada dificulta a supervisão e permite que algumas empresas operem de forma irregular. Para reverter esta situação, é necessário:

1. Criar um Cadastro Nacional de Empresas de Segurança Privada, permitindo que o governo e a sociedade tenham acesso às informações sobre a legalidade e a actuação destas empresas.

2. Definir padrões operacionais unificados para garantir que todas as empresas sigam as mesmas directrizes em termos de treinamento, equipamentos e práticas de segurança.

3. Promover maior integração entre segurança pública e privada para estabelecer protocolos de cooperação para optimizar a resposta a emergências.

4. Investir na digitalização e inovação tecnológica para incentivar o uso de videomonitoramento, drones e inteligência artificial para modernizar a segurança privada.

A sistematização não apenas aumentaria a eficiência operacional do sector, mas também contribuiria para a sua credibilidade perante a sociedade, reduzindo a desconfiança em relação à actuação destas empresas.

Desafios na Obtenção de Materiais e Licenciamento

Outro grande entrave para o funcionamento adequado das empresas de segurança privada em Angola está relacionado à obtenção de materiais essenciais e ao processo burocrático de licenciamento. Segundo Loader e Walker (2007), a segurança privada depende directamente de um ambiente regulatório que favoreça a sua operacionalização, o que inclui acesso facilitado a equipamentos de qualidade e regras claras para a sua actuação.

Em Angola, os principais desafios enfrentados neste aspecto incluem:

Altos custos de importação – Empresas do sector dependem da importação de viaturas, rádios comunicadores, coletes à prova de bala e outros equipamentos, mas os elevados custos alfandegários tornam essa aquisição financeiramente inviável para muitas organizações.

Burocracia excessiva para obtenção de licenças – O processo de licenciamento das empresas de segurança privada é demorado e oneroso, dificultando a regularização do sector e abrindo espaço para a proliferação de serviços clandestinos.

Falta de incentivos governamentais – Diferentemente de outros sectores estratégicos, as empresas de segurança privada não contam com políticas públicas que facilitem a sua operação ou que incentivem a adopção de novas tecnologias.

Uma possível solução seria a criação de incentivos fiscais para empresas que investirem na modernização dos seus serviços, além da simplificação dos trâmites burocráticos para obtenção de licenças, sem comprometer a fiscalização do sector.

Finalmente, a segurança privada em Angola tem um papel fundamental na protecção de bens e pessoas, mas ainda enfrenta desafios que limitam a sua eficácia. A valorização do sector passa por investimentos em formação profissional, melhores condições de trabalho e integração com as forças de segurança pública.

A sistematização da segurança privada, por meio de uma regulamentação mais eficiente e do uso de novas tecnologias, pode garantir maior transparência e profissionalismo ao sector. Além disso, é essencial que o governo facilite o acesso a equipamentos e simplifique os processos de licenciamento, evitando que burocracias excessivas levem à proliferação de empresas clandestinas.

Com medidas adequadas e um esforço conjunto entre Estado e sector privado, a segurança privada pode consolidar-se como um pilar essencial para a estabilidade e o desenvolvimento do país. Afinal, como afirmam Loader e Walker (2007), a segurança não deve ser vista apenas como um serviço, mas como um direito fundamental que deve ser garantido a todos os cidadãos.

Denílson Adelino Cipriano Duro é Mestre em Governação e Gestão Pública, com Pós-graduação em Governança de TI. Licenciado em Informática Educativa e Graduado em Administração de Empresas, possui uma sólida trajectória académica e profissional voltada para a governação, gestão de projectos, tecnologias de informação, marketing político e inteligência competitiva urbana. Actua como consultor, formador e escritor, sendo fundador da DL - Consultoria, Projectos e Treinamentos. É autor de diversas obras sobre liderança, empreendedorismo e administração pública, com foco em estratégias inovadoras para o desenvolvimento local e digitalização de processos governamentais.




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