Análise
Directores de escola em Angola: formação em Gestão Pedagógica ou indicação política?

A figura do director escolar em Angola tem sido alvo de intenso debate, sobretudo à medida que o país procura modernizar o seu sistema educativo e ajustá-lo às exigências contemporâneas da Região da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC). O director escolar deixou de ser apenas o gestor administrativo de uma instituição de ensino para assumir um papel mais complexo: líder pedagógico, gestor estratégico, promotor de inovação e mediador entre a escola, a comunidade e o Estado (Bush, 2020).
De acordo com a literatura internacional, o perfil do gestor escolar moderno deve ser analisado numa perspectiva multidimensional. Segundo Fullan (2019), o director é antes de tudo um líder de mudança, capaz de articular os processos de ensino-aprendizagem com as transformações sociais, económicas e culturais da comunidade em que a escola está inserida. Esta visão é reforçada por Hargreaves e Fink (2012), que defendem que a liderança escolar deve ser sustentável, isto é, orientada para a inovação contínua, mas também para a preservação de valores e práticas que garantam a qualidade do ensino a longo prazo.
1. A Realidade Angolana
Em Angola, a nomeação de directores de escola ainda se encontra fortemente marcada por critérios políticos, partidários e, em muitos casos, relações de conveniência, mais do que pela avaliação das competências técnicas e pedagógicas. Recentemente, um caso emblemático ocorreu na província do Namibe, onde um jovem de apenas 24 anos de idade foi nomeado director de uma escola pública, mesmo sem possuir uma carreira docente consolidada nem experiência de liderança em contextos educativos. Este episódio levantou um debate público sobre os critérios de nomeação, colocando em questão a valorização da experiência pedagógica e da maturidade profissional como pré-requisitos para assumir cargos de tamanha responsabilidade.
Tal realidade contrasta com a prática em países de referência no espaço da SADC. Na África do Sul, por exemplo, o acesso ao cargo de director de escola exige não apenas experiência docente mínima de 7 a 10 anos, mas também qualificações em gestão educacional e liderança pedagógica (Department of Basic Education, 2016). Em Botswana e Namíbia, a legislação também é clara ao exigir que os directores possuam formação académica avançada em Educação, experiência comprovada em gestão escolar e um percurso reconhecido de liderança no sector.
2. O Director Escolar na Visão da SADC
A Declaração de Dar-es-Salaam sobre Educação e Formação da SADC (2014) já reconhecia a necessidade de os Estados-membros investirem em gestores escolares altamente qualificados, capazes de promover uma educação inclusiva, competitiva e alinhada às demandas do desenvolvimento sustentável. Como defende Moloi (2019), a liderança educacional na África Austral deve estar focada na integração de valores democráticos, na transparência na gestão dos recursos e na criação de uma cultura escolar que favoreça a aprendizagem contínua e a inovação pedagógica.
Neste sentido, o perfil esperado de um director escolar moderno inclui:
Formação académica sólida em Educação e Gestão Escolar;
Experiência docente mínima de 5 a 10 anos, para garantir conhecimento real das práticas pedagógicas;
Capacidade de gestão administrativa e financeira, orientada por princípios de transparência;
Competências em inovação e tecnologias educacionais, dado o avanço da educação digital;
Liderança ética e comunitária, valorizando o diálogo e a participação de professores, alunos e pais.
3. O Caso de Angola: Entre a Tradição e a Necessidade de Reformas
A realidade angolana mostra uma discrepância entre as exigências internacionais e os critérios actualmente adoptados. A nomeação de directores sem experiência docente suficiente, como no caso do Namibe, gera fragilidades no processo de liderança pedagógica e compromete a imagem da própria instituição escolar. Como salienta Senge (2006), “as organizações de aprendizagem só se consolidam quando os líderes entendem que liderar é construir visão partilhada e competências colectivas”.
Ora, um jovem de 24 anos, embora com potencial, dificilmente terá maturidade profissional, vivência pedagógica e reconhecimento comunitário para consolidar um processo de liderança eficaz. Isto não significa que os jovens não devam ocupar espaços de liderança, mas sim que a nomeação para funções estratégicas, como a direcção de uma escola, deve ser progressiva e sustentada em mérito, experiência e qualificação, e não em critérios de conveniência.
4. Caminhos para uma Nova Agenda de Liderança Escolar em Angola
É urgente que Angola adopte uma política clara de profissionalização da liderança escolar, inspirando-se nas boas práticas da região da SADC e de países de referência no campo da educação. Entre as propostas, destacam-se:
1. Definição de requisitos mínimos para a nomeação de directores, como anos de docência e formação em gestão educacional;
2. Criação de programas de capacitação contínua para líderes escolares, com foco em gestão pedagógica, tecnologias educativas e inovação;
3. Estabelecimento de concursos públicos transparentes para o recrutamento de directores, rompendo com a lógica de indicações políticas
4. Valorização da meritocracia e da experiência docente, garantindo que os directores tenham legitimidade junto da comunidade educativa;
5. Promoção de jovens talentos de forma gradual, através de cargos intermédios (subdirectores, coordenadores pedagógicos), até que estejam prontos para assumir funções de maior responsabilidade.
Finalmente, é importante referir que o debate em torno do perfil do director escolar em Angola ganha força à medida que o país procura alinhar-se com os padrões regionais da SADC. O caso da nomeação do jovem director no Namibe expõe fragilidades de um modelo ainda ancorado em critérios políticos e não técnicos. Se Angola pretende construir uma escola pública moderna, eficiente e orientada para a excelência, é imperioso investir num modelo de liderança escolar baseado em mérito, experiência e formação contínua.
Como lembra Michael Fullan (2019), “o sucesso das reformas educacionais depende mais da qualidade da liderança escolar do que de qualquer outra variável”. Assim, repensar o modelo de gestão escolar em Angola não é apenas uma questão administrativa, mas um passo estratégico para o futuro da educação e para a formação de cidadãos preparados para os desafios do século XXI.