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Opinião

Congressos Partidários ou Feiras de Vaidade? A Farsa do Marketing Político em Angola

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I. Introdução:

A Política como Mercado e os Congressos como Palco

À medida que Angola se aproxima de um novo ciclo eleitoral, com os olhos voltados para 2027, o país vive o despertar de um movimento político-partidário intenso e simbólico. Os principais partidos preparam os seus congressos com pompa e estratégia, redesenham lideranças, afinam discursos e ajustam as suas “imagens” para o grande palco eleitoral. Estes eventos, que deveriam ser momentos de profunda reflexão programática, democrática e ideológica, têm-se tornado espectáculos de exibição e de reforço da imagem dos líderes. É a política cada vez mais assimilando as lógicas de mercado, onde o cidadão é visto como consumidor, e o voto como uma simples transação simbólica.

A leitura do artigo A Cultura do Marketing, de Gisele Nussbaumer, é uma chave de leitura crítica para este fenómeno. A autora analisa a forma como a cultura, ao ser mercantilizada, transforma-se num produto a ser vendido e negociado. A política angolana vive hoje essa mesma transformação: os congressos tornaram-se verdadeiros palanques de marketing eleitoral, muitas vezes divorciados das reais necessidades do povo.

II. O Marketing como Ferramenta de Dominação ou Emancipação

Nussbaumer, apoiando-se em Pierre Bourdieu, aponta que “os produtos culturais […] representam um poder simbólico que pode ser colocado a serviço da dominação ou da emancipação” (p. 205). Este raciocínio pode ser facilmente transposto para o campo político. Em Angola, os partidos utilizam o marketing para manter a sua base de apoio, muitas vezes recorrendo a estratégias que apelam mais à emoção do que à razão, à fidelidade partidária cega do que à cidadania consciente.

Durante os congressos, assistimos a um ritual de glorificação do líder, muitas vezes com forte carga simbólica e emocional, mas com escassa substância programática. Este tipo de abordagem, embora eficaz no curto prazo, despolitiza o debate e mina a construção de uma cultura democrática madura. Como nos alerta a autora, “o marketing cultural deve considerar sempre as especificidades” do sector onde é aplicado (p. 209). No caso da política, isso exige respeitar o papel pedagógico dos partidos e o direito do eleitorado a uma informação honesta e clara.

III. Congressos como Espetáculos e o Esvaziamento Ideológico.

Os congressos partidários em Angola deixaram, há muito, de ser espaços genuínos de debate interno, correcção ideológica ou definição de estratégias baseadas em evidências sociais. Tornaram-se mega-eventos de consagração dos já consagrados, onde a forma sobrepõe-se ao conteúdo. Conforme a autora evidencia, o marketing tradicional — importado do sector comercial — “não é adequado a diversos sectores do campo artístico e cultural” (p. 210). O mesmo se aplica à política. A importação acrítica de estratégias de marketing de massas para um país com profundas desigualdades, baixa literacia política e instituições frágeis apenas fortalece a lógica da manipulação.

É necessário que os partidos assumam os congressos como verdadeiros momentos de renovação democrática interna. Isso implica ouvir as bases, debater os problemas reais das comunidades, analisar as suas falhas e definir um plano claro para a governação ou para a oposição construtiva. Sem isso, os congressos não passam de desfiles de vaidade.

IV. O Cidadão como Sujeito, Não Como Alvo

Uma das ideias mais provocadoras do artigo de Nussbaumer é a de que “o processo de marketing vai buscar um público para uma obra, e não fabricar um produto para um mercado” (p. 208). Esta visão, aplicada à política, convida-nos a repensar a relação entre partidos e cidadãos. O cidadão não é um simples número numa sondagem; é um ser social, histórico e político que deve participar da definição do seu próprio destino.

No entanto, a prática revela outra realidade. A maioria dos partidos em Angola não constrói os seus programas com base na escuta activa das comunidades. Preferem adaptar os seus discursos a estudos de mercado ou a pressões externas, moldando promessas para agradar momentaneamente ao eleitorado, sem compromisso real com a sua execução.

É urgente inverter esta lógica. O verdadeiro marketing político deve ser dialógico, deve educar, informar e empoderar. Como sublinha Evrard, citado no artigo, “o papel do marketing no seio da empresa cultural é de tratar os relatórios com o público” (p. 207). No caso da política, isso implica tratar o cidadão com respeito, como parceiro da construção nacional.

Responsabilidade dos Partidos: Construir Confiança, Não Apenas Imagem

Num país como Angola, com uma juventude vibrante, populações marginalizadas e um Estado ainda em processo de consolidação, os partidos políticos têm uma responsabilidade histórica. Devem ser faróis de esperança, justiça e transformação. Contudo, ao privilegiarem o marketing da imagem em detrimento do conteúdo, arriscam-se a minar a sua própria credibilidade e a afastar os cidadãos do processo político.

A cultura política angolana precisa de líderes e partidos que compreendam a complexidade do seu povo e saibam dialogar com ele. Como Nussbaumer adverte, “a arte séria pode encontrar nesse mercado da cultura que está aí suas brechas […] para fazer a própria crítica do mercado da cultura” (p. 210). Também a política séria pode, e deve, encontrar no espaço dos congressos e campanhas, a oportunidade de regenerar-se, resgatar a confiança do povo e restabelecer os laços entre ética, poder e responsabilidade.

VI. Conclusão: Por Uma Nova Cultura Política em Angola

A aproximação do período eleitoral deve servir como ponto de viragem para os partidos angolanos. Os congressos não podem continuar a ser apenas vitrines para os mesmos discursos e os mesmos protagonistas. É tempo de romper com a superficialidade e construir, com seriedade, uma nova cultura política baseada na escuta, na proposta e na ética.

O marketing político não é, em si, um problema. O problema reside no uso irresponsável que dele se faz. Angola precisa de partidos que usem o marketing como ferramenta de diálogo e não como máscara de engano. A democracia angolana será tão forte quanto for a honestidade da sua comunicação política e a autenticidade das suas propostas.

Aos partidos, cabe escolher: continuar como empresas de imagem que buscam votos sem compromissos, ou transformar-se em verdadeiras instituições ao serviço do bem comum. O povo angolano espera — e merece — a segunda opção.

Denílson Adelino Cipriano Duro é Mestre em Governação e Gestão Pública, com Pós-graduação em Governança de TI. Licenciado em Informática Educativa e Graduado em Administração de Empresas, possui uma sólida trajectória académica e profissional voltada para a governação, gestão de projectos, tecnologias de informação, marketing político e inteligência competitiva urbana. Actua como consultor, formador e escritor, sendo fundador da DL - Consultoria, Projectos e Treinamentos. É autor de diversas obras sobre liderança, empreendedorismo e administração pública, com foco em estratégias inovadoras para o desenvolvimento local e digitalização de processos governamentais.

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