Análise
Cabo Verde e São Tomé livres da malária: por que Angola e Moçambique não seguem o mesmo caminho?
Dois países africanos mostram que erradicar a malária é possível. Mas Angola e Moçambique continuam entre os mais afectados. O que está a falhar?

Enquanto o mundo caminha para a eliminação da malária, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe destacam-se como exemplos africanos de sucesso. Cabo Verde, em 2024, tornou-se oficialmente o primeiro país lusófono de África a ser certificado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como livre da malária, após três anos consecutivos sem transmissão local. São Tomé e Príncipe, embora ainda não certificado, regista níveis mínimos de transmissão e integra a iniciativa global E-2025, que reúne países com potencial de eliminar a doença até 2025.
Entretanto, Angola e Moçambique, dois dos países com maior carga de malária em África, continuam a enfrentar milhares de casos e mais de 9 mil mortes anuais, sobretudo entre crianças e grávidas. A malária permanece uma das principais causas de mortalidade infantil e absentismo escolar, comprometendo não apenas a saúde, mas o desenvolvimento económico e social. A diferença entre os dois blocos — ilhas versus continente — é alarmante.
O que explica esta disparidade?
Em primeiro lugar, a geografia. Cabo Verde e São Tomé são países insulares, com fronteiras naturais que facilitam o controlo de entradas e saídas, o isolamento de focos de transmissão e a monitorização de casos importados. A sua dimensão reduzida permite que campanhas de pulverização, distribuição de mosquiteiros e testagens atinjam praticamente 100% da população-alvo.
Mas o sucesso não depende só da geografia. Estes países investiram seriamente em sistemas de saúde pública funcionais, com vigilância activa, tratamento rápido, mobilização comunitária e compromisso político firme com a eliminação da doença. Não se limitaram a reduzir casos: definiram metas de zero transmissão local e trabalharam com parceiros internacionais para alcançá-las.
Angola e Moçambique – ambos países extensos, continentais e com fronteiras abertas – enfrentam realidades profundamente desafiadoras. Ambos têm territórios vastos, fronteiras extensas e populações dispersas, muitas vezes em zonas de difícil acesso. A alta mobilidade populacional e a diversidade ecológica propícia ao mosquito Anopheles favorecem a transmissão contínua. Em muitos contextos, os cuidados de saúde são distantes, precários ou inexistentes. A malária alastra-se, silenciosa, por falta de diagnóstico precoce, tratamento atempado e vigilância efectiva.
Adicionalmente, a falta de recursos humanos, medicamentos e logística compromete a continuidade das acções. As campanhas de distribuição de mosquiteiros são muitas vezes irregulares e descoordenadas. E o sistema de vigilância, quando existe, subnotifica casos e não garante resposta rápida. Pior: nenhum dos dois países declarou ainda a eliminação da malária como objectivo nacional, permanecendo numa abordagem de controlo reactivo e fragmentado.
A experiência das ilhas prova que é possível erradicar a malária com liderança política, financiamento sustentável, sistemas de saúde resilientes e envolvimento comunitário efectivo. Angola e Moçambique, embora enfrentem desafios mais complexos, não estão condenados ao insucesso. Precisam de definir uma estratégia clara de eliminação, reforçar a vigilância epidemiológica, assegurar acesso equitativo à prevenção e ao tratamento, e, sobretudo, tratar a malária como uma urgência nacional e não como uma fatalidade histórica.
Não há eliminação sem decisão. Não há vitória sem prioridade.