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Análise

BNA independente? Sem ‘check and balance’ é apenas retórica

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O episódio recente da demissão da governadora da Reserva Federal (Fed), Lisa Cook, por decisão do Presidente Donald Trump, voltou a colocar no centro do debate político e académico a questão da independência das instituições, em especial dos bancos centrais. Ao longo da história, os bancos centrais foram concebidos para actuar como “árbitros técnicos” da política monetária, imunes a ciclos eleitorais e interesses políticos imediatos. Contudo, o caso norte-americano mostra que, mesmo em democracias maduras, a ingerência política continua a ser um risco concreto.

1. A lógica da independência dos bancos centrais

A literatura económica sublinha que a independência dos bancos centrais tem como objectivo assegurar estabilidade de preços, credibilidade da política monetária e previsibilidade para os agentes económicos. Como demonstram Alesina e Summers (1993), países com bancos centrais mais independentes apresentam níveis de inflação mais baixos e maior estabilidade macroeconómica, sem perdas significativas de crescimento económico.

Entretanto, essa independência não pode ser entendida como absoluta. Alan Blinder (1998) defende que a relação entre política e bancos centrais é sempre “uma dança delicada”, onde a autonomia técnica precisa de ser equilibrada pela legitimidade democrática. Joseph Stiglitz (2002), por sua vez, alerta que bancos centrais demasiado isolados podem cair na armadilha de defender interesses financeiros restritos, esquecendo-se do impacto social das suas políticas.

Deste modo, a independência deve ser acompanhada de mecanismos de responsabilização. Cukierman (1992) chama a atenção para a diferença entre independência legal e independência prática: não basta a lei garantir autonomia, é preciso que existam condições políticas, institucionais e sociais para que essa autonomia seja respeitada.

2. O princípio do check and balance

Desde Montesquieu, na sua clássica obra O Espírito das Leis (1748), aprendemos que a liberdade política só se mantém quando o poder freia o próprio poder. Esta é a essência do check and balance – um sistema de freios e contrapesos que assegura que nenhuma instituição se torne omnipotente.

No caso dos bancos centrais, o desafio está em encontrar o equilíbrio entre independência técnica e escrutínio democrático. Bernanke (2010) sintetiza bem esta ideia ao afirmar que “um banco central eficaz deve ser independente para tomar decisões impopulares, mas responsável perante a sociedade para explicar e justificar essas mesmas decisões”.

A experiência internacional mostra como esse equilíbrio pode ser alcançado. No Reino Unido, por exemplo, o Banco de Inglaterra ganhou independência formal em 1997, mas continua a prestar contas ao Parlamento através de relatórios periódicos e audições públicas. Na União Europeia, o Banco Central Europeu (BCE) tem uma independência robusta, mas o seu presidente comparece regularmente perante o Parlamento Europeu. Esses mecanismos de escrutínio não fragilizam a independência, mas reforçam a sua legitimidade democrática.

3. O caso angolano: o Banco Nacional de Angola e a Assembleia Nacional

Em Angola, o Banco Nacional de Angola (BNA) desempenha funções cruciais na regulação financeira, no controlo da inflação e na estabilidade da moeda. Contudo, como lembra Alves da Rocha (2019), “a credibilidade das instituições económicas em Angola ainda está em construção”, e o fortalecimento da autonomia do BNA deve ser acompanhado de maior fiscalização por parte dos órgãos soberanos, em particular a Assembleia Nacional.

Actualmente, embora a lei reconheça a autonomia do BNA, na prática essa independência enfrenta limitações. A forte presença do Executivo nas principais decisões de nomeação e orientação do banco central levanta dúvidas sobre até que ponto as suas políticas são imunes a pressões políticas. É precisamente aqui que entra a importância do check and balance.

A Assembleia Nacional deveria assumir um papel mais activo na supervisão estratégica do BNA, sem cair no erro da ingerência política directa. Isto significa, por exemplo:

Exigir relatórios trimestrais de política monetária e cambial;

Convocar o Governador do BNA para audições regulares em sede parlamentar;

Reforçar a análise das implicações sociais das políticas monetárias, de modo a garantir que não afectem desproporcionalmente as camadas mais vulneráveis da população.

Deste modo, criaria-se um círculo virtuoso em que a independência técnica do BNA se articula com a prestação de contas perante representantes eleitos, legitimando e consolidando a sua actuação.

4. A importância da confiança institucional

A economia não é feita apenas de números, mas também de expectativas e confiança. A credibilidade das instituições económicas é um activo intangível, mas de valor inestimável. Quando os cidadãos e os investidores acreditam que o banco central actua de forma imparcial, previsível e responsável, a economia tende a reagir positivamente.

Max Weber já sublinhava, no início do século XX, que a legitimidade das instituições assenta tanto na legalidade formal como na aceitação social. No caso angolano, a confiança no BNA será tanto maior quanto mais clara for a sua relação com os outros poderes soberanos.

5. Independência não significa isolamento

Um dos maiores equívocos é pensar que independência equivale a isolamento. Pelo contrário, como refere Bernanke (2010), a independência deve caminhar lado a lado com a responsabilidade pública. Um banco central independente, mas fechado sobre si mesmo, corre o risco de se transformar numa tecnocracia desligada da realidade social.

Em Angola, aproximar o BNA da sociedade através da Assembleia Nacional e de maior comunicação pública é essencial para consolidar a confiança. A criação de canais institucionais mais transparentes, como conferências de imprensa regulares sobre decisões de política monetária e relatórios acessíveis em linguagem simples, seriam sinais claros de compromisso com a prestação de contas.

Finalmente, é importante referir que o episódio da Fed e de Lisa Cook mostra que mesmo as democracias mais consolidadas não estão imunes à tentação de enfraquecer instituições independentes. No caso angolano, a lição é clara: o fortalecimento da independência do BNA deve ser acompanhado por mecanismos robustos de fiscalização parlamentar e de prestação de contas públicas.

O verdadeiro exercício democrático está no equilíbrio entre autonomia técnica e responsabilização política. A Assembleia Nacional não deve interferir nas decisões do BNA, mas deve exigir transparência, clareza e responsabilidade. Esse equilíbrio será o garante de uma economia mais estável e de uma democracia mais madura.

Em última instância, como diria Montesquieu, “tudo estaria perdido se o mesmo homem, ou o mesmo corpo de principais, exercesse esses três poderes: o de fazer leis, o de executar resoluções públicas e o de julgar crimes e disputas”. Guardadas as devidas proporções, em Angola, tudo estaria igualmente perdido se o poder político não fosse equilibrado por instituições independentes, fiscalizadas e responsáveis.

Denílson Adelino Cipriano Duro é Mestre em Governação e Gestão Pública, com Pós-graduação em Governança de TI. Licenciado em Informática Educativa e Graduado em Administração de Empresas, possui uma sólida trajectória académica e profissional voltada para a governação, gestão de projectos, tecnologias de informação, marketing político e inteligência competitiva urbana. Actua como consultor, formador e escritor, sendo fundador da DL - Consultoria, Projectos e Treinamentos. É autor de diversas obras sobre liderança, empreendedorismo e administração pública, com foco em estratégias inovadoras para o desenvolvimento local e digitalização de processos governamentais.

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