Análise
África e o futuro da computação quântica: entre a esperança e o risco da marginalização tecnológica

1. Introdução: A Revolução Quântica em Curso
O século XXI é marcado por uma corrida tecnológica sem precedentes. Se no século XX a disputa global girava em torno da energia nuclear e da exploração espacial, hoje o centro da batalha geopolítica está na inteligência artificial e na computação quântica.
Esta última, baseada nos princípios da mecânica quântica, desafia os limites da computação clássica. Diferentemente do bit, que representa 0 ou 1, o qubit pode existir em superposição, ou seja, 0 e 1 ao mesmo tempo. Essa característica permite explorar múltiplos cálculos simultaneamente, abrindo caminhos para resolver problemas que levariam milhares de anos em supercomputadores tradicionais.
Como defende Schwab (2016) na teoria da Quarta Revolução Industrial, tecnologias emergentes não são neutras: elas alteram profundamente as relações económicas, sociais e políticas. A computação quântica insere-se nesse processo como uma das ferramentas mais poderosas de transformação.
2. O Protagonismo das Potências Globais
2.1 Estados Unidos da América
Os EUA lideram a corrida quântica com gigantes como Google, IBM, Microsoft, Intel e Rigetti. Em 2019, a Google anunciou ter alcançado a supremacia quântica, executando em 200 segundos um cálculo que um supercomputador clássico levaria milhares de anos a realizar.
O governo norte-americano lançou também o National Quantum Initiative Act, financiando universidades e laboratórios para manter a liderança estratégica.
2.2 China
A China emerge como rival directo. O computador Jiuzhang, desenvolvido em 2020, realizou operações 100 trilhões de vezes mais rápidas que os supercomputadores convencionais. Além disso, Pequim aposta na comunicação quântica via satélite, testando redes invioláveis de transmissão de dados.
2.3 Europa
A União Europeia lançou o Quantum Flagship, um programa com investimento superior a 1 bilião de euros. Países como Alemanha, França, Países Baixos e Áustria lideram investigações em algoritmos e emaranhamento quântico.
2.4 Japão, Canadá e Rússia
O Japão aposta na aplicação industrial, com empresas como Fujitsu a explorar algoritmos quânticos para simulações químicas.
O Canadá, com a D-Wave Systems, é pioneiro em computadores quânticos comerciais, focados em optimização.
A Rússia criou em 2019 um programa nacional de pesquisa quântica, com interesse em aplicações militares e de segurança.
3. África no Cenário Quântico Global
Apesar de não figurar entre os grandes blocos, África começa a dar passos tímidos mas significativos.
3.1 África do Sul: O Polo Quântico do Continente
A Universidade de Witwatersrand (Wits), em Joanesburgo, foi a primeira instituição africana a integrar a IBM Quantum Network, dando acesso remoto a computadores quânticos reais. Isto permitiu a estudantes e cientistas africanos o contacto directo com hardware quântico de ponta.
Além disso, universidades sul-africanas trabalham em criptografia e simulação quântica, colocando o país como referência continental.
3.2 Egipto: Estratégia de Segurança Digital
O Egipto aposta fortemente na criptografia quântica, desenvolvendo colaborações com a China e a União Europeia. Esta estratégia responde a necessidades de soberania digital num cenário de vulnerabilidade cibernética crescente.
3.3 Nigéria: Academia e Publicações
Embora sem grandes infraestruturas, a Nigéria já possui grupos de pesquisa dedicados à física quântica e à inteligência artificial quântica. Investigadores nigerianos publicam em revistas internacionais sobre algoritmos e segurança digital.
3.4 Outras Iniciativas Africanas
Marrocos, Quénia e Gana criaram programas de formação básica em ciência quântica.
O continente organiza a Quantum Africa Conference, que conecta investigadores africanos e diáspora científica.
4. Desafios Estruturais da África Quântica
Apesar dos avanços pontuais, África enfrenta enormes barreiras:
Infraestrutura tecnológica limitada: laboratórios quânticos exigem refrigeração quase no zero absoluto e energia estável, um desafio em países com redes eléctricas frágeis.
Fuga de cérebros: muitos talentos africanos acabam por migrar para EUA e Europa.
Investimento reduzido: governos africanos ainda priorizam sectores tradicionais, relegando ciência de ponta.
Assimetria digital: a maioria da população africana ainda enfrenta desafios de acesso básico à internet, o que aprofunda o fosso tecnológico.
5. Oportunidades para o Continente
Apesar das dificuldades, a computação quântica pode ser um factor de viragem estratégica:
1. Acesso via nuvem quântica: IBM, Google e Amazon permitem a estudantes africanos o acesso remoto.
2. Aplicações práticas: previsão climática, saúde pública, optimização logística e agricultura de precisão.
3. Criptografia quântica: vital para a segurança financeira e governamental.
4. Formação de capital humano: África tem a maior população jovem do mundo, podendo formar especialistas para liderar a revolução tecnológica.
6. Angola e o Desafio Quântico
Angola, ao procurar diversificar a economia para além do petróleo, deve reflectir sobre como inserir-se neste novo paradigma.
Algumas estratégias viáveis incluem:
Parcerias académicas internacionais com centros como a Wits (África do Sul).
Formação de jovens angolanos em bolsas de estudo no estrangeiro, criando uma primeira geração de cientistas quânticos.
Laboratórios experimentais digitais em universidades, ainda que modestos, para introdução de algoritmos quânticos.
Integração em redes globais de acesso remoto à computação quântica.
Como afirma Castells (1999), a sociedade em rede não é inclusiva por natureza: ela exclui quem não se conecta. Para Angola, o risco é permanecer à margem da revolução tecnológica, tornando-se apenas consumidora de soluções importadas, sem capacidade de inovar ou garantir soberania digital. Investir hoje em formação científica, laboratórios experimentais e parcerias internacionais significa não apenas acompanhar a evolução global, mas também posicionar o país como protagonista no cenário tecnológico do futuro, capaz de transformar conhecimento em desenvolvimento económico, segurança e competitividade estratégica.