Opinião
A saída de Angola como mediador: uma reconfiguração estratégica e os desafios para a paz na RDC
A decisão anunciada pela Presidência da República de Angola de se desligar da mediação do conflito no leste da República Democrática do Congo (RDC) marca uma reconfiguração estratégica de elevado relevo no panorama geopolítico africano. Ao longo dos últimos meses, Angola, designada pela União Africana para actuar como mediadora entre a RDC e Ruanda, empenhou significativos recursos e esforços para fomentar o diálogo e estabelecer compromissos que permitissem a retirada das tropas ruandesas e a neutralização da FDLR. Contudo, a impossibilidade de realizar a cimeira de 15 de Dezembro em Luanda – frustrada pela ausência de Ruanda – e o insucesso das negociações directas com o grupo M23, abortadas face a factores externos, evidenciaram as limitações do processo de mediação.
A renúncia de Angola, anunciada oficialmente a 24 de Março de 2025, deve ser interpretada como uma resposta pragmática à necessidade de redirecionar prioridades. Com a Presidência pro tempore da União Africana, Angola enfrenta desafios continentais que transcendem os conflitos armados, nomeadamente o desenvolvimento de infraestruturas, a implementação do comércio livre continental, a gestão de crises de saúde e a promoção de reparações para os afro-descendentes. Neste contexto, abdicar do papel de mediador no conflito da RDC permite ao país concentrar os seus recursos em áreas essenciais para a estabilidade e o progresso do continente.
Todavia, esta mudança de medianeira suscita incertezas quanto à continuidade do processo de paz na região. A mediação exige a manutenção do momentum e da confiança entre as partes. Angola, ao conseguir avanços a nível ministerial – como o compromisso da RDC em neutralizar a FDLR e a exigência de retirada das forças ruandesas para as linhas de fronteira – estabeleceu condições que, se preservadas, poderiam pavimentar o caminho para uma resolução pacífica. A substituição do mediador angolano por um novo país, a ser designado em conjunto com a Comissão da União Africana, a SADC, a Comunidade da África do Leste e outros facilitadores, impõe o desafio de manter a continuidade dos esforços diplomáticos e consolidar a credibilidade junto dos actores envolvidos.
Do ponto de vista das Relações Internacionais, esta decisão evidencia o dilema enfrentado por muitos Estados africanos: conciliar a projecção internacional com a preservação de prioridades nacionais. Por um lado, a actuação como mediador reforça a imagem de Angola enquanto actor regional responsável e comprometido com a paz; por outro, o redirecionamento dos seus recursos para áreas consideradas prioritárias reflecte uma reavaliação pragmática das suas capacidades. Assim, a saída de Angola pode ser interpretada tanto como uma oportunidade para que um novo mediador dinamize o processo de paz, quanto como um risco de descontinuidade num processo já delicado.
Em síntese, a decisão de Angola de abdicar do papel de mediador no conflito entre Ruanda e a RDC representa uma mudança estratégica que, se bem conduzida pelo novo mediador, poderá preservar os avanços alcançados até agora. Contudo, a incerteza quanto à continuidade do diálogo e à capacidade de consolidar compromissos políticos mantém o alerta para todos os stakeholders regionais e internacionais. A concretização de uma paz definitiva dependerá, sobretudo, da articulação de uma estratégia integrada que consiga harmonizar os interesses nacionais e os imperativos de segurança e desenvolvimento do continente africano.